dezembro 31, 2009
dezembro 30, 2009
os mistérios de eleusis xvii
Perséfona: — Sobre este véu azul de dobras intermináveis,
bordo, com a minha agulha de marfim, as figuras
inumeráveis dos seres e de todas as coisas.
Terminei a história dos Deuses:
bordei o Caos terrível de
cem cabeças e
mil braços.
Dele deverão surgir os seres mortais.
Quem, então, os fez nascer?
O Pai dos Deuses disse-me que foi Eros.
Mas nunca o vi, ignoro a sua forma.
Assim, quem me pintará o seu rosto?
dezembro 29, 2009
os mistérios de eleusis xvi
O coro das ninfas: — Ó Perséfona! Ó Virgem, Ó casta noiva
do Céu, que bordas as figuras dos Deuses no teu véu,
possas tu nunca conhecer as ilusões vãs
e os inúmeros males da terra.
A eterna Verdade sorri-te. O Teu esposo celeste, Dionisos,
espera-te no Empíreo. Por vezes ele aparece-te sob a forma
de um sol longínquo; seus raios acariciam-te;
respira o teu sopro e bebes a sua luz…
Antecipadamente, vós vos possuís!…
Ó Virgem, quem é mais feliz do que tu?
dezembro 28, 2009
os mistérios de eleusis xv
dezembro 27, 2009
os mistérios de eleusis xiv
Deméter: — Filha amada dos Deuses,
conserva-te nesta gruta até eu regressar
e borda o meu véu.
O céu é a tua pátria e o universo é teu.
Tu vês os Deuses; eles acorrem à tua chamada.
Mas não escutes a voz de Eros, o ardiloso,
de olhar suave e pérfidos conselhos.
Guarda-te de sair da gruta e
nunca colhas as sedutoras flores da terra;
o seu perfume perturbador e funesto
far-te-ia perder a luz do sol
e até a memória.
Borda o meu véu e
sê feliz até ao meu regresso
com as ninfas tuas companheiras.
Então, no meu carro de fogo, atrelado de serpentes,
levar-te-ei aos esplendores do Éter, sob a via láctea.
dezembro 26, 2009
os mistérios de eleusis xiii
dezembro 25, 2009
os mistérios de eleusis xii
Chegavam dois a dois, a uma clareira.
Ao fundo viam-se rochas e uma gruta. Á frente,
um prado com ninfas deitadas em volta de uma fonte.
Ao fundo da gruta, avistava-se Perséfona, sentada num trono,
nua até à cintura como uma Psiqué, o seu busto esbelto
emergindo casto de uma túnica enrolada como
um vapor de azul nos seus flancos.
Ela parecia feliz, inconsciente da sua beleza
e bordando um longo véu de fios multicores.
Deméter, sua mãe, está de pé,
perto dela, com o ceptro na mão.
dezembro 24, 2009
os mistérios de eleusis xi
dezembro 23, 2009
os mistérios de eleusis x
E declaravam com gestos solenes:
«Ó aspirantes dos Mistérios, eis que estais na morada de Proserpina.
Tudo que ides ver, vai surpreender-vos. Aprendereis
que a vida presente não é mais do que um manto
de sonhos mentirosos e confusos.
O sono que vos envolve numa zona de trevas,
arrasta os vossos sonhos e os vossos dias na sua corrente,
como nuvens passageiras que se desfazem ao olhar.
Mas no além, estende-se uma zona de luz eterna.
Que Perséfona vos seja propícia e
ela mesmo vos ensine a franquear o rio das trevas
e a penetrar até à Deméter Celeste.»
dezembro 22, 2009
os mistérios de eleusis ix
dezembro 21, 2009
Solstício de Inverno
Os solstícios (em Junho e Dezembro) são os pontos da eclíptica em que o Sol atinge as posições máxima e mínima de altura em relação ao equador, isto é, pontos em que a declinação do Sol atinge extremos: máxima no solstício de Verão e mínima no solstício de Inverno.
in Modus Vivendi
os mistérios de eleusis viii
dezembro 20, 2009
os mistérios de eleusis vii
dezembro 19, 2009
os mistérios de eleusis vi
dezembro 18, 2009
os mistérios de eleusis v
dezembro 17, 2009
os mistérios de eleusis iv
dezembro 16, 2009
os mistérios de eleusis iii
Os padres de Eleusis ensinaram sempre a grande doutrina
esotérica que lhes viera do Egipto. Mas, no decurso
das idades revestiram-na do encanto de uma
mitologia plástica e fascinante.
Por uma arte subtil e profunda, esses sedutores
souberam servir-se das paixões terrestres
para exprimir as ideias celestes.
dezembro 15, 2009
os mistérios de eleusis ii
Se o povo reverenciava em Céres a terra mãe
e a deusa da agricultura, os iniciados
viam-na como a luz celeste, mãe das almas,
e a inteligência divina, mãe dos Deuses cósmicos.
O seu culto era servido por sacerdotes da Ática.
Diziam-se filhos da Lua, quer dizer,
mediadores entre a Terra e o Céu,
oriundos da esfera onde
se encontra a ponte
pela qual as almas descem e sobem.
dezembro 14, 2009
os mistérios de eleusis i
e um Solstício de Inverno
vou recontar e registar
neste blog
a bela estória
de Deméter e Perséfona,
um dos mitos natalícios
dos Mistérios de Elêusis
Os mistérios de Eleusis foram, na antiguidade grega e latina,
objecto de uma veneração especial. Em tempos imemoriais,
uma colónia grega vinda do Egipto trouxe à tranquila baía
de Eleusis o culto da grande Ísis sob o nome de Deméter
ou a mãe universal.
Desde então Eleusis conservou-se um centro de iniciação.
Deméter e sua filha Perséfona presidiam aos grandes mistérios.
dezembro 13, 2009
Nunca pensei assistir na vida
a um concerto de José Cid!
Não é que o ache mau cantor
e compositor: não acho; e
orgulho-me que ele contrarie,
com a sua criatividade
e talento, esse predomínio
asfixiante da música anglo-
-saxónica: é com produtores
como José Cid que se contribui
para substituir importações!
O facto é que nunca me moveria
a ir a ouvi-lo, salvo a circunstância
inesperada de ter sido convidado
para acompanhar duas senhoras,
todos nós, elas, eu e o Cid cantor,
todos da mesma idade e geração.
Gostei de ver que o artista
tem o seu auditório fiel;
é um prazer ver o prazer
das pessoas, felizes com o seu
ídolo! :) Uma coisa, porém,
é deplorável: o volume imbecil
das colunas de som! Para quando
a Asae dos espectáculos musicais!?
:)
dezembro 11, 2009
«Não tenho sentimento nenhum político ou social.
Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico.
Minha pátria é a língua portuguesa.
Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal,
desde que não me incomodassem pessoalmente.
Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto,
não quem escreve mal português, não quem não sabe sintaxe,
não quem escreve com ortografia simplificada,
mas a página mal escrita, como pessoa própria,
a sintaxe errada, como gente em que se bata,
a ortografia sem ípsilon, como o escarro directo
que me enoja independentemente de quem o cuspisse.
Sim, porque a ortografia também é gente.
A palavra é completa vista e ouvida.
E a gala da transliteração greco-romana
veste-ma do seu vero manto régio,
pelo qual é senhora e rainha.»
Bernardo Soares, Livro do Desassossego,
Assírio & Alvim, ed. Richard Zenith,
Lisboa 1998, #259.
dezembro 10, 2009
Coração! Esquecê-lo-emos!
Tu e eu – esta noite!
Tu poderás esquecer o calor que nos deu –
Eu esquecerei a luz!
Quando o tiveres feito, peço-te que me digas
Para que eu possa recomeçar!
Apressa-te! Senão, enquanto te demoras
Lembrá-lo-ei!
------ // ------
Heart! We will forget him!
You and I – tonight!
You may forget the warmth he gave –
I will forget the light!
When you have done, pray tell me
That I may straight begin!
Haste! Lest while you're lagging
I remember him!
Emily Dickinson (1830-86), Poemas
Trad. Nuno Júdice, Ed. Cotovia, Lisboa, 2000
dezembro 09, 2009
Pois meus olhos não deixam de chorar
Tristezas que não cansam de cansar-me
Pois não abranda o fogo em que abrasar-me
Pode quem eu jamais pude abrandar
Não canse o cego amor de me guiar
A parte donde não saiba tornar-me
Nem deixe o mundo todo de escutar-me
Enquanto me a voz fraca não deixar
E se em montes, em rios, ou em vales
Piedade mora ou dentro mora amor
Em feras, aves, plantas, pedras, águas
Ouçam a longa história de meus males
E curem sua dor com minha dor
Que grandes mágoas podem curar mágoas
Ana Moura canta Camões
dezembro 08, 2009
dezembro 07, 2009
dezembro 06, 2009
Denis, M., La dormeuse ou jeune fille endormie (1892)
imagem in Branco no Branco
«O silêncio brilha acariciado.»
Eugénio de Andrade,
As nascentes da ternura,
in "Ostinato Rigore"
dezembro 05, 2009
do tempo de Salazar,
Sabe-se lá,
Frederico Valério,
Silva Tavares,
Amália Rodrigues
Lá porque ando em baixo agora
Não me neguem vossa estima
Que os alcatruzes da nora
Quando chora
Não andam sempre por cima
Rir da gente ninguém pode
Se o azar nos amofina
E se Deus não nos acode
Não há roda que mais rode
Do que a roda da má sina.
Sabe-se lá
Quando a sorte é boa ou má
Sabe-se lá
Amanhã o que virá
Breve desfaz - se
Uma vida honrada e boa
Ninguém sabe, quando nasce
Pró que nasce uma pessoa.
O preciso é ser-se forte
Ser-se forte e não ter medo
Eis porque às vezes a sorte
Como a morte
Chega sempre tarde ou cedo
Ninguém foge ao seu destino
Nem para o que está guardado
Pois por um condão divino
Há quem nasça pequenino
Pr'a cumprir um grande fado.
dezembro 04, 2009
dezembro 03, 2009
dezembro 02, 2009
— intrigas, diplomacia, sociedades secretas, ocultismo.
Sobretudo me incomodaram sempre estas duas últimas coisas
— a pretensão, que têm certos homens, de que, por entendimentos
com Deuses ou Mestres ou Demiurgos, sabem — lá entre eles,
exclusos todos nós outros — os grandes segredos
que são os caboucos do mundo.
Não posso crer que isso seja assim.
Posso crer que alguém o julgue assim.
Por que não estará essa gente toda doida, ou iludida?
Por serem vários? Mas há alucinações colectivas.
O que sobretudo me impressiona,
nesses mestres e sabedores do invisível,
é que, quando escrevem para nos contar
ou sugerir os seus mistérios,
escrevem todos mal.
Ofende-me o entendimento
que um homem seja capaz de dominar o Diabo
e não seja capaz de dominar a língua portuguesa.
Por que há o comércio com os demónios
ser mais fácil que o comércio com a gramática?»
Bernardo Soares
dezembro 01, 2009
«Era uma vez uma ausência
que andava em missão de viagem.
Quando chegava a uma encruzilhada
dava três voltas sobre si própria
para perder por completo
a noção do caminho
por onde viera
atingindo assim com regularidade
as regiões efémeras do esquecimento.
Depois regressava a casa.»
:))
ana hatherly, 463 tisanas,
Quimera, 2006, #72
novembro 30, 2009
Não sei se precisamos de notícias; precisamos,
Certamente, de saber. O jornal apaga os passos
Que foi dando, ficando à espera de que haja mais.
O espaço vazio é mero arquivo. Decorrido um
Ror de tempo nessa aventura (tendo-lhe eu, entretanto,
Pago uma fortuna), as notícias sempre e sempre,
Vai tornando o saber mais evasivo. «Não sei que
Pensar», não é certamente um objectivo.
:)
Maria Gabriela Llansol, O começo de um livro é precioso
Assírio & Alvim, Lisboa, 2003, p.103
novembro 29, 2009
Imagem: pesquisa google
«Uma voz, em face da sua mente, é muito susceptível
De ser influenciada. Antes de mais, pela mente. Tornar-
-Se uma mera incandescência. O rebordo do tom,
A inteligência com que se coloca, a certeza
Da frequência de onda, servem-se, todavia, mutuamente.
Mente e voz, vi-as hoje deitadas na mesma cama. Dormiam
A sesta, uma na outra envoltas. Não era necessário sonhar
Na luz branca. Depois, levantaram-se daquele amor,
E foram sentar-se à mesma mesa. Na toalha branca
Que partilham, a alvura cruzada com a limpidez dos
Copos é a imagem nua que sente. Sua qualidade ___
É difusa e, no entanto, focalizada.»
Maria Gabriela Llansol, O começo de um livro é precioso
Assírio & Alvim, Lisboa, 2003, p.138
novembro 28, 2009
uma bela fotografia de gabriela llansol
«Não me esqueço de que preferes que não se fale de ti
porque receias uma imagem que te guarde.
Mas, com todo o rigor,
um rosto que volta
é uma imagem que se desfaz.
A fonte é sempre a mesma
mas o aspecto adianta-se, imprevisível;
a tal ponto que a vontade se exerce,
não a captar a imagem,
mas a desposar a força que a gerou.»
Mª Gabriela Llansol,
Contos do mal errante
novembro 27, 2009
Torga implacável,
lúcido e inconformado:
BALADA DA MORGUE
Olho este corpo morto aqui deitado
E sinto impulsos de beijá-lo e ter
Como ele não sei que enfado
Por quem vive e quer viver
Que bruta sinceridade!
Que vaidade!
Que mentira! Que verdade!
Todo nu! Só tatuado
De livores,
Arco-íris gangrenado,
De mil cores.
Não é de mulher, não é;
Nem de homem, nem de animal
Irracional.
É de anjo predestinado
Que foi sacrificado
Para dar a noção exacta da renúncia.
Ai dos enclausurados em sarcófagos!
Ai de quem morre vestido!
Nesta luxúria da morgue
Há todo o satanismo
Que nos foi prometido
No final...
São os gestos parados,
Os olhos vidrados,
Os ouvidos tapados,
Os sexos castrados,
E por cima de tudo o silêncio das bocas.
Quero
Amar este sol da terra
Que mostra o calor do céu.
O alto céu onde mora
Um Deus que na mesma hora
Nos criou e nos perdeu.
Miguel Torga, Rampa (1930)
in "Antologia Poética"
Gráfica de Coimbra,
4ª ed.,1994, p.19
novembro 25, 2009
E pareceu-me que me afundava no insondável.
Mas tu pescaste-me cá p’ra fora com um anzol de ouro;
riste escarninha, quando eu te chamei insondável.
«É o que dizem todos os peixes», disseste tu;
«o que eles não podem sondar, é insondável».
Mas eu sou apenas mutável e bravia,
e em tudo mulher, e nada virtuosa.
Embora vós homens me chameis «profunda» ou
«fiel», ou «eterna», ou «misteriosa».
«Mas vós, homens, presenteais sempre
com as vossas próprias virtudes, ó virtuosos!»
Assim se ria ela, a incrível; mas eu nunca creio nela
nem no seu riso quando diz mal de si mesma.
E quando um dia eu estava a falar a sós com a minha brava
..................................................................................Sabedoria,
disse-me ela, colérica: «Tu queres, tu desejas, tu amas, e
é só por isso que tu louvas a Vida!»
Quase lhe ia dando uma má resposta,
dizendo a verdade à minha Sabedoria encolerizada;
e não há pior resposta
do que «dizermos a verdade» à nossa Sabedoria.
São assim as relações entre nós três.
Do fundo, do fundo amo apenas a Vida
— e, em verdade, amo-a mais quando a odeio!
Mas se gosto também da Sabedoria
(e por vezes demasiado),
é porque ela me faz lembrar muito a Vida!
Tem os olhos dela, o mesmo riso
e até a mesma caninha de pescar, de ouro:
que culpa tenho eu que ambas se pareçam tanto?
E quando uma vez a Vida me perguntou: Quem é essa
......................................................................Sabedoria?
— respondi vivamente: «Ah, sim! a Sabedoria!
Tem-se sede dela e nunca se fica satisfeito,
olha-se através de véus, lança-se a mão a redes.
Se é bela? Que sei eu!
Mas ainda serve de isca às carpas mais velhas.
É mutável e caprichosa;
muitas vezes a vi morder o beiço
e pentear-se a arrepia-pelo.
Talvez seja má e falsa,
e mulher em tudo;
mas quando diz mal de si mesma é quando é mais sedutora.»
Quando isto disse à Vida, riu-se ela maldosa, cerrando
............................................................................os olhos.
«De quem é que estás tu a falar?» — disse ela —
«de mim, sem dúvida?
E mesmo que tivesses razão —
é coisa que se me diga assim na cara?
Mas agora fala-me lá da tua Sabedoria!»
Ai, e então abriste de novo os olhos ó Vida amada!
E de novo me pareceu que me afundava no insondável.
:)))
(Assim cantou Zaratustra, poema em prosa)novembro 24, 2009
Blog Instigante
A Grande Jóia atribuiu-me este selo de reconhecimento. Sensibilizado, agradeço com o meu muito obrigado. Este prémio visa distinguir os «blogs que, além da assiduidade das postagens e do esmero com que são feitos, nos provocam a necessidade de reflectir, questionar, aprender e – sobretudo – que instigam almas e mentes à procura de conhecimento e sabedoria.», pelo que indico aquele que me instiga a reflectir para lá de qualquer pseudo evidência dogmática...
Catharsis
novembro 23, 2009
evocado no blog
ângulo recto
«Um homem sincero na corte de um príncipe
é um homem livre entre escravos.»
Montesquieu
novembro 21, 2009
novembro 10, 2009
«Ao escrever sobre mim na 1ª pessoa, sufocara-me
e tornara-me invisível, o que me impedia de
encontrar aquilo que buscava.» (p.72)
Eis onde cessa a expressão pela palavra
por a paixão obliterar a percepção da realidade
«Gwyn era uma fogueira de beleza, um ser incandescente,
uma tempestade no coração de todo e qualquer homem
que parasse a apreciá-la, e aquele instante em
que a vi pela primeira vez é, sem dúvida,
um dos mais assombrosos momentos
da minha vida.» (p.191)
Mas, na ficção, como na vida,
o imprevisível acontece
«O revólver estava apontado a nós e, sem mais
nem menos, numa simples fracção de segundo,
o universo inteiro tinha mudado.» (p.52)
Porque o que parece improvável,
não é menos real do que tudo
o que é possível
«… parecia-me improvável [ ] Porém,
as probabilidades não contam quando se trata
de acontecimentos reais, e só porque é improvável
que determinada coisa aconteça, não podemos concluir
que não acontecerá.» (p.15)
Assim, o novo romance de Paul Auster,
intermediando o consequente com o imprevisto,
o lógico com o surpreendente,
numa narrativa fluente
mas de sentido
indecidido,
nem falso nem verdadeiro.
novembro 08, 2009
Quanto a mim, digo-o aqui para nós, não permitirei nem à minha ignorância nem à minha vivacidade que me impeçam de vos ver claramente, ó meus amigos: ( ) Porque me sirvo dos problemas profundos como se fossem banhos frios: mal entro, saio logo. Este método, há-de dizer-se, impede de descer o suficiente, de ir ao fundo? trata-se de superstição de hidrófobo ( ) falam sem experiência. Ah! se soubessem como o frio torna as pessoas ágeis!... E de resto, diga-se de passagem: acreditais realmente que uma coisa se mantenha obscura porque não fizemos mais do que aflorá-la, deitar-lhe um olhar de passagem, lançar-lhe uma vista de olhos de pasagem? ( ) Há pelo menos certas verdades ( ) que só é possível apanhá-las de surpresa: é surpreender ou largar... Enfim a minha exigência tem outra vantagem: ( ) sou forçado a ser muitas vezes rápido para que me compreendam ainda mais rápidamente.
Eis o que diz respeito à minha brevidade; já o mesmo não sucede tão brilhantemente com a minha ignorância, que não dissimulo. ( ) O que vem a ser necessário para que um espírito se alimente? nenhuma fórmula pode responder à pergunta, mas ( ). Não é a gordura que um bom dançarino pretende obter da sua alimentação ( ) ... e não conheço nada que um filósofo goste mais do que ser um bom dançarino.
(Gaia Ciência, Livro V, § 381)
novembro 06, 2009
aqui deixo o superior texto 199 do Desassossego:
«[ ] Porque um dos detalhes característicos
da minha atitude espiritual é que a atenção
não deve ser cultivada exageradamente,
e mesmo o sonho deve ser olhado alto,
com uma consciência aristocrática
de o estar fazendo existir.
Dar demasiada importância ao sonho
seria dar demasiada importância, afinal,
a uma coisa que se separou de nós próprios,
que se ergueu, conforme pôde, em realidade,
e que, por isso, perdeu o direito absoluto
à nossa delicadeza para com ela.»
(edição de Richard Zenith)
Soberbo!
:))
novembro 04, 2009
(Gaia Ciência, Livro III, § 127)
novembro 03, 2009
novembro 02, 2009
novembro 01, 2009
(Gaia Ciência, Livro III, § 121)
outubro 31, 2009
(Gaia Ciência, Livro III, § 112)
outubro 30, 2009
Diebenkorn, R.Untitled
(Reclining nude, right arm raised)
(1965) in Branco no Branco
«Pensamento medieval: quantos anjos podem caber
em cima da cabeça de um alfinete? E quantos
em cima da minha cabeça?
E o que é que isso interessa?
O cosmos é vagaroso e eu
estou presa do lado de fora das grades.»
Ana Hatherly, Tisana #432
outubro 29, 2009
este blog "just perfect",
como a Catharsis
o qualificou :):
As causas
Todas as gerações e os poemas.
Os dias e nenhum foi o primeiro.
A frescura da água na garganta
De Adão. O ordenado Paraíso.
O olho decifrando a maior treva.
O amor dos lobos ao raiar da alba.
A palavra. O hexâmetro. Os espelhos.
A Torre de Babel e a soberba.
A lua que os Caldeus observaram.
As areias inúmeras do Ganges.
Chuang Tzu e a borboleta que o sonhou.
As maçãs feitas de ouro que há nas ilhas.
Os passos do errante labirinto.
O infinito linho de Penélope.
O tempo circular, o dos estóicos.
A moeda na boca de quem morre.
O peso de uma espada na balança.
Cada vã gota de água na clepsidra.
As águias e os fastos, as legiões.
Na manhã de Farsália Júlio César.
A penumbra das cruzes sobre a terra.
O xadrez e a álgebra dos Persas.
Os vestígios das longas migrações.
A conquista de reinos pela espada.
A bússola incessante. O mar aberto.
O eco do relógio na memória.
O rei que pelo gume é justiçado.
O incalculável pó que foi exércitos.
A voz do rouxinol da Dinamarca.
A escrupulosa linha do calígrafo.
O rosto do suicida visto ao espelho.
O ás do batoteiro. O ávido ouro.
As formas de uma nuvem no deserto.
Cada arabesco do caleidoscópio.
Cada remorso e também cada lágrima
Foram precisas todas essas coisas
Para que um dia as nossas mãos se unissem.
Jorge Luís Borges, História da noite,
in Obras Completas, Vol. III,
Círculo de Leitores,
Lisboa, 1998, p. 203
outubro 28, 2009
que consegui perceber, na sua
tão subtil sensualidade:
.........................SUBJACENTE
O instante em que se torna incompreensível não ouvir a
...............................................chuva semelhante
ao tom humano instrumentos que são as vozes autênticas
em que contornas debaixo do flanco e da espádua sobre
...........................................................madeira
subjacente a minha forma. O que eu ouvi era apenas a epiderme
junto à raiz das tábuas que me sustinha que provém
.................................................constantemente
da árvore assim como súplica e êxtase do amor paralelo
a um início no mundo inaudível. Se me disseres para além
.......................................................do pavimento
do tecto ouvirmos uma voz infantil eu afasto o tímpano de um
................................................................berço
porque a atenção rigorosa se esquiva aos sons de que duvido
se fixa no centro da passagem do corpo ao longo de todo
.......................................................o espírito
como uma consciência pelo interior da sua inconsciência
........................................................ tornada
vibrante e inacessível às lágrimas aos ruídos excedentes.
A parte mais próxima do corpo próximo é idêntica ao meu
.....................................................corpo rodeado
de significações e da convenção dos sentidos habituais
que o meu desconhecimento transforma em inverosimilhança.
O artifício da chuva o brado de uma silhueta distanciando-se
de uma criança puderam logo ser reconstituidos depois do
................................................tempo atravessar
a extensão de pólo a pólo do meu corpo subjacente.
fiama hasse pais brandão
:)
Estou deveras contente e feliz
por a 'minha' estimada leitora
do blog Catharsis ter atribuído
a este modesto acervo de leituras
o prémio de blog "Just Perfect"!
Lamento não poder prosseguir
a cadeia apreciativa de blogs
porque ainda estou muito ignorante :(,
mas logo que consiga fá-lo-ei com muito gosto :)
outubro 27, 2009
"A Jóia"
«Ela refulge. Essa ela sem igual.
Ela é sempre única. E tem sagrada cólera.
Mas quando é colar de pérolas
brilha macia como uma piedade de Ave-Maria.
Colar de pérolas precisa de estar em contacto
com a pele da gente para receber nosso calor.
Senão fenece.
Uma, duas, três, sete,
quantos ovos peroláceos de madrepérola?
E termina com um delicadíssimo fecho
de brilhantes engastados em ouro branco.»
Clarice Lispector, Um sopro de vida,
cit. in Carlos Mendes de Sousa,
Clarice Lispector - Figuras da Escrita,
Centro de Estudos Humanísticos,
Universidade do Minho,
Braga, 2000, p.143
outubro 26, 2009
Recebi o Selinho do Divã da Grande Jóia!
Fiquei contente, pois se lembrou de mim.
Mas esta obrigação de agora me deitar nele,
embaraça-me posto que o que diga será
diferente do que poderia dizer!...
As regras são as seguintes:
1. Postar o Selo - Está feito.
2. Dizer quem me indicou- Grande Jóia.
3. Escrever três conflitos que me levaram ao Divã - Ei-los:
— Só no meu próprio divã me deito; o único contacto tido com um psicólogo,
há muitos anos, redundou num insucesso absoluto, por o especialista me
ter achado muito esperto, mas não o suficiente para o convencer! E, assim, acabou a terapia! Digamos, até: — esse foi o meu primeiro caso de divã!
— Outro caso: a net! A primeira vez que nela interagi, apaixonei-me! Felizmente, por pessoa amiga menos enamorada do que eu. De modo que tudo correu bem. Aprendi a lição: paixão, só na realidade; não, na net. :)
— Último caso: dou comigo a pensar que a net rouba-me mais tempo
do que devia… É verdade, é um estímulo a ler, a pensar;
mas melhor seria se se-originasse na vida social
em vez de neste espaço dessensualizado…
4. Passar o selinho a seis amigos…? Não posso, não tenho coragem. Talvez um dia… :)
outubro 25, 2009
(Gaia Ciência, Livro III, § 111)
outubro 24, 2009
(Gaia Ciência, Livro III, § 110)
outubro 14, 2009
(Gaia Ciência, Livro III, § 109)
outubro 13, 2009
outubro 12, 2009
PERFUME DA ROSA
Quem bebe, rosa, o perfume
Que de teu seio respira?
Um anjo, um silfo? Ou que nume
Com esse aroma delira?
Qual é o deus que, namorado,
De seu trono te ajoelha,
E nesse néctar encantado
Bebe oculto, humilde abelha?
- Ninguém? – Mentiste: essa frente
Em languidez inclinada,
Quem ta pôs assim pendente?
Dize, rosa namorada.
E a cor de púrpura viva
Como assim te desmaiou?
E essa palidez lasciva
Nas folhas quem ta pintou?
Os espinhos que tão duros
Tinhas na rama lustrosa,
Com que magos esconjuros
Tos desarmaram, ó rosa?
E porquê, na hástia sentida
Tremes tanto ao pôr do Sol?
Porque escutas tão rendida
O canto do rouxinol?
Que eu não ouvi um suspiro
Sussurrar-te na folhagem?
Nas águas desse retiro
Não espreitei a tua imagem?
Não a vi aflita, ansiada…
- Era de prazer ou de dor?
- Mentiste, rosa, és amada,
E tu também amas, flor.
Mas ai!, se não for um nume
O que em teu seio delira,
Há-de matá-lo o perfume
Que nesse aroma respira.
Almeida Garrett, Folhas Caídas
outubro 11, 2009
O Fado nasceu um dia,
quando o vento mal bulia
e o céu o mar prolongava,
na amurada dum veleiro,
no peito dum marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.
Ai, que lindeza tamanha,
meu chão , meu monte, meu vale,
de folhas, flores, frutas de oiro,
vê se vês terras de Espanha,
areias de Portugal,
olhar ceguinho de choro.
Na boca dum marinheiro
do frágil barco veleiro,
morrendo a canção magoada,
diz o pungir dos desejos
do lábio a queimar de beijos
que beija o ar, e mais nada,
que beija o ar, e mais nada.
Mãe, adeus. Adeus, Maria.
Guarda bem no teu sentido
que aqui te faço uma jura:
que ou te levo à sacristia,
ou foi Deus que foi servido
dar-me no mar sepultura.
Ora eis que embora outro dia,
quando o vento nem bulia
e o céu o mar prolongava,
à proa de outro veleiro
velava outro marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.
outubro 01, 2009
setembro 30, 2009
poético da primeira
à última página.
«África é o mais sensual dos continentes.»
«Assim que saímos da cidade,
desabou o céu: nunca vi tamanho dilúvio.
Tivemos que parar porque a estrada
não oferecia segurança.
[ ]
Pensava que sabia o que era chover.
Naquele momento, porém, eu revia os verbos
e receava que, em lugar da viatura,
deveria ter alugado um barco.
Depois de a chuva terminar, porém,
é que sucedeu a inundação:
um dilúvio de luz.
Intensa, total, capaz de cegar.
E me surgiram quase indistintas:
a água e a luz. Ambas em excesso, ambas
confirmando a minha infinita pequenez.
Como se houvesse milhares de sóis,
incontáveis fontes de luz
dentro e fora de mim.
Eis o meu lado solar,
nunca antes revelado.
Todas as cores descoloriram,
todo o espectro se tornou num
lençol de brancura.»
(p. 184-5)
setembro 28, 2009
(Gaia Ciência, Livro V, § 374)
O que nada surpreende
setembro 27, 2009
(Gaia Ciência, Livro III, § 124)
setembro 26, 2009
Roy Lichtenstein in Modus Vivendi
PARA NOVOS MARES
Para lá — quero eu ir; e em mim
E nos meus pulsos confio.
Aberto o mar, para o azul
Vara de Génova o meu navio.
Tudo novo e mais novo aos olhos brilha,
Por sobre Espaço e Tempo o Meio-Dia dorme —:
Só o teu olhar, ó Infinidade!,
Olha pra mim, enorme!
Poema de Nietzsche
Tradução de Paulo Quintela
setembro 25, 2009
de Margueritte Duras.
Pela estranheza e impressão
que causa nalguns espectadores
fico com grande curiosidade
de o ver...
Como poderei?
Em que grande ecrã vai?
Contudo, adivinho,
causa a impressão
que me deixou
o seu livro
Verão 80
«Disse para comigo
que se continuava a escrever sobre
o corpo morto do mundo e,
do mesmo modo
sobre o corpo morto do amor.
Que era nos estados de ausência
que o escrito se engolfava
para não substituir nada do que
tinha sido vivido
ou suposto tê-lo sido,
mas para ali consignar
o deserto por ele deixado.»
(Marguerite Duras, Verão 80)
(Gaia Ciência, Livro III, § 253)
setembro 24, 2009
setembro 23, 2009
(Gaia Ciência, Livro I, § 3)
setembro 22, 2009
"Alta Velocidade à Meia- Noite"
CANAIS FERROVIÁRIOS
O reflexo aqui é o ponto estável
num mundo percorrido; a imagem
exausta na lívida ou na escura noite
em que no teu rosto havia a densidade
dos vapores que eram o opaco. Regresso
a esse ciclo, ao vidro; são duas noites vivas e cindidas,
laterais. A, do lado, de águas que eram espaço
negro, e negras, a esfera absoluta. Imaginar?
Do outro lado, de uma ou de outra noite, o rebordo
das luzes, entre clarões. Seria
essa recta ou o infindável? Vou neste afastamento
agora entre o metálico, a porcelana, o vidro.
Nesta soturna câmara são punidos
presença, luzes, fogos nus. De fora dos meus olhos
ou no interior do mundo que Hegel me dissera ser dos olhos,
sendo por sua vez os olhos o precipício
para a alma, e alma exactamente só no mundo e não algures.
Só tu depois do espaço e do início,
na escrita deixaste-me o teu rosto, porém cercado de ferragens
e mais móvel do que o meu. Que vidro te cobria
que sem moveres o corpo, este e o rosto diminuíram
lentamente entre hastes e os cais ferroviários.
Não te perdi, só a distância assim aumenta entre dois corpos
e o tempo da memória oculta imagens.
Neste labor nocturno em que vejo
sobre campos de cereais o opalino
e contra o foco forte incandescente, a corrupção das vinhas,
noite absoluta. Tão coesa que confunde mesmo a da memória,
noite do rio, noite, o não saber.
A meio deste sítio transformável
em zonas de sentido e zonas nulas,
em faixas metalúrgicas e dúvidas, nestas imagens mistas,
pois novamente a água oscila no jarro biselado.
Só depois do extenso e tempo, o discurso inverte
estas propostas: uma cancela branca,
o quer que se ilumine nessa dispersa esfera (ainda) dos campos.
Na retina, imagem pronta
para o próximo ponto de fusão, para que não se perca nunca
sendo imagem, a tua boca chegada a um lugar distante
é a mais confusa boca e permanente.
fiama hasse pais brandão
«À medida que o meu horizonte se alarga,
as imagens que me cercam parecem desenhar-se
sobre um fundo mais uniforme e tornarem-se
indiferentes para mim.
Quanto mais contraio esse horizonte,
tanto mais os objectos que ele circunscreve
se escalonam distintamente de acordo com
a maior ou menor facilidade do meu corpo
para tocá-los e movê-los.
Eles devolvem, portanto, ao meu corpo,
como faria um espelho, a sua influência eventual;
ordenam-se conforme os poderes crescentes
ou decrescentes do meu corpo.
Os objectos que cercam o meu corpo
reflectem a acção possível do meu corpo sobre eles.»
[Assim sendo], o que [isto] significa [é] que
a minha percepção [do mundo] traça precisamente
no conjunto das imagens, à maneira de uma sombra
ou de um reflexo, as acções virtuais ou possíveis
do meu corpo [ ].
Donde, provisoriamente, estas duas definições:
Chamo de matéria o conjunto das imagens,
e de percepção da matéria, essas mesmas
imagens relacionadas à acção possível
de uma certa imagem determinada,
o meu corpo.
Henri Bergson, Matéria e Memória,
Livraria Martins Fontes, S. Paulo, 1990, p. 12-13.