dezembro 11, 2009
«Não tenho sentimento nenhum político ou social.
Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico.
Minha pátria é a língua portuguesa.
Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal,
desde que não me incomodassem pessoalmente.
Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto,
não quem escreve mal português, não quem não sabe sintaxe,
não quem escreve com ortografia simplificada,
mas a página mal escrita, como pessoa própria,
a sintaxe errada, como gente em que se bata,
a ortografia sem ípsilon, como o escarro directo
que me enoja independentemente de quem o cuspisse.
Sim, porque a ortografia também é gente.
A palavra é completa vista e ouvida.
E a gala da transliteração greco-romana
veste-ma do seu vero manto régio,
pelo qual é senhora e rainha.»
Bernardo Soares, Livro do Desassossego,
Assírio & Alvim, ed. Richard Zenith,
Lisboa 1998, #259.
2 comentários:
Neste caso, o desassossego que a nossa língua, a portuguesa, nos provoca, quando é mal-tratada :) Uma inquietação da qual partilho.
Li recentemente esta passagem do livro no blogue da Maria Josefa Paias. Depois do Natal, tenciono mergulhar de novo nesta obra, pois já lá vai largo tempo que a li...
Um abraço e um bom domingo, Vasco :)
Bom Natal, Ana.
:)
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