outubro 31, 2010



Não há como vê-lo
nesta noite sem luar —
estou deitada e desperta,
os seios ardendo em desejo
e o coração em chamas.


Ono No Komachi (834?-?)

outubro 29, 2010



«Quebrei os meus compromissos por causa do amigo;
seria capaz de quebrar a amizade por causa do amor.»

(Hölderlin)

outubro 27, 2010


Quadro de Melyta

«Não sei se este pensamento elucida o dia, se a noite.
Veio às cinco da manhã, e às dezoito do mesmo dia.
Aqui o deixo__________________________ a ilha é

Um lugar onde o mar ruge por todos os lados. Quando
O vento a submerge, batem nas rochas e nas escarpas
Peixes, assinalados por terem morrido em vão.»



Maria Gabriela Llansol, O começo de um livro é precioso
Assírio & Alvim, Lisboa, 2003, p.196

outubro 25, 2010



«Mas a ti nem mil impropérios
seriam capazes de te morder.
Tal é o impudor inato que possuis.»


Eurípedes, Medeia (1344-5)

outubro 23, 2010



«As folhas da bananeira são suficientemente amplas
para ocultarem uma paixão. Quando expostas às
intempéries recordam-me ora a cauda ferida de
uma fénix ora um leque verde rasgado pelo vento.
A bananeira floresce. Todavia as suas flores nada
têm de atraente. O mesmo acontece com o tronco
enorme. Talvez por isso a bananeira acabou por
conquistar o meu coração. Sento-me debaixo dela
enquanto o vento e a chuva a fustigam.»


Matsuo Bashô, O gosto solitário do orvalho,
Assírio & Alvim, Lisboa, 2003, p. 15

outubro 21, 2010



Do Raio de Sol

Raio de Sol na ombreira da porta,
na trave da cadeira, vindo da gelosia,
peço-te para amanhã voltares
mais arqueado pela esfericidade da Terra,
um raio não decididamente recto
cravado no meu tórax côncavo,
mas no meu coração curvo como um globo


Fiama Hasse Pais Brandão, As fábulas

outubro 19, 2010



Devota como ramo
curvado pelos nevões
alegre como fogueira
nas colinas esquecidas

sobre acutíssimas lâminas
em branca camisa de urtigas,
te ensinarei, minha alma,
este passo do adeus...


----- // -----

Devota come ramo
curvato da molte nevi
allegra come fallò
per colline d'oblio,

su acutissime làmine
in bianca maglia d'ortiche,
ti insegnerò, mia anima,
questo passo d'addio...


Cristina Campo, O Passo do Adeus,
Trad de José Tolentino Mendonça;
Assírio & Alvim, pp. 38-39

outubro 15, 2010

outubro 13, 2010



Numa destrinça subtil,
cada um traz a sua ausência.

Mas há uma escala graduada
de valores libidinais,

onde a muda ausência da amada,
muda a beleza dessa ausência.


(texto de gabriela llansol adaptado)

outubro 11, 2010



Paul Valéry: Le cimetière marin

Ce toit tranquille, où marchent des colombes,
Entre les pins palpite, entre les tombes;
Midi le juste y compose de feux
La mer, la mer, toujours recommencée
O récompense après une pensée
Qu'un long regard sur le calme des dieux!

outubro 10, 2010


Ismael Nery, Figura, c. 1927/1928
óleo s/ tela, 105 x 69,2 cm

O CORPO OCUPA A FIGURA

Assombra-me o som parcimonioso da flauta, com limites,
pelo declive. O meio-dia é a hora em que assoma o corpo,
flamejando, progredindo para o exterior ou para o interior
do progresso para a proximidade. Não passar pelo Nada,
a escutar a fonia dos animais animados. Não recuar perante
a Natureza, ofensiva portadora da dor, terrífica separação.
Com os sentidos perante a ordem possível. Uma única gare
torna a coesão soma das partes coagindo-se; aquela vem,
cabendo ainda no olhar de acesso. O individual é definido
por uma discordância interior. Justaposição do caos sereno à cena,
por um ovíparo que esvoaça tal como no soalho tenebroso
prosseguem melros.1 Meio-dia! Trinos! O corpo ocupa a figura,
desocupa-a. No panorama o som voador de flauta desliza
no corpo ensombrecido pela sombra do corpo da figura.

1 «Ce toit tranquille où marchent des colombes», P. Valéry


Fiama Hasse Pais Brandão


Nota:-As linhas diferem, em extensão, dos versos originais.

outubro 05, 2010

Madame Bovary



La faculté du bovarisme c’est
«le pouvoir départi à l’homme
de se concevoir autre qu’il n’est.» (
Jules de Gaultier)
_____________________________________________

«[ ] voici, avec Mme Bovary, un être pourvu d’une énergie plus forte. Aussi la fausse conception qu’elle prend d’elle-même va-t-elle se traduire par de tout autres conséquences. Mme Bovary échappe au ridicule par la frénésie; avec elle, l’erreur sur la personne devient un élément du drame. Au service de l’être imaginaire qu’elle a substitué à elle-même elle emploi toute l’ardeur qui la possède. Pour se persuader qu’elle est ce qu’elle veut être, elle ne se tient pas [à des] gestes décoratifs […], mais elle ose accomplir des actes véritables. Or elle entreprend sur le réel avec des moyens qui ne sont valables qu’à l’égard de la fiction. La conception sentimentale qu’elle s’est formée d’elle même exige un effet une sensibilité différente de celle qui est la sienne, en même temps que des circonstances différentes de celles dont elle dépend.»

Jules de Gaultier,
in op.cit., p.549

outubro 04, 2010

Madame Bovary



Flaubert declarou no seu julgamento
do Tribunal do Sena:
«Madame Bovary, c’est moi!»,

Porém, os seus leitores declaram:
«Madame Bovary c'est l'humanité!»

outubro 03, 2010

Madame Bovary



«O pano preto, juncado de pétalas brancas,
levantava-se por vezes descobrindo o caixão.

Os portadores, fatigados, iam mais vagarosos;
e o féretro avançava por intercadências contínuas,
como uma chalupa baçouçando entre as ondas.

Chegaram. Os homens continuaram até um sítio baixo,
onde a cova estava aberta. No meio da relva.

Agruparam-se em torno; e enquanto o padre falava,
a terra vermelha, puxada para os bordos,
escorregava pelos cantos, sem ruído,
continuamente.

Depois de disporem as quatro cordas,
impeliram o ataúde. Carlos viu-o descer.
Descia sempre.

Por fim ouviu-se o embate,
as cordas subiram rangendo.

Então Bournisien pegou na pá que Lestoboudois
lhe estendia; e com a mão esquerda deitou-a cheia
de terra, vigorosamente, enquanto aspergia com a direita;
e a madeira do caixão, no choque com os grossos torrões,
produziu o ruído formidável que soa aos nossos ouvidos
como o eco da eternidade.»

op. cit., p.361

outubro 02, 2010

Madame Bovary



«Estava bom tempo; era um daqueles dias de Março claros e agrestes, em que o Sol reluz num céu pálido. Habitantes de Rouen, endomingados, passeavam com ar satisfeito. Ema chegou ao adro da igreja. Saíam da missa da tarde; a multidão escoava-se pelos três portais, como um rio pelos três arcos de uma ponte, e, no meio, mais imóvel que um rochedo, estava o guarda.

Lembrou-se ela então do dia em que, ansiosa e cheia de esperança, caminhara sob aquela grande nave que se alongava na sua frente, menos profunda que o seu amor; e continuou a andar, chorando debaixo do véu, aturdida, cambaleante, quase a desfalecer.»

op.cit., p.320

outubro 01, 2010

Madame Bovary



«Elle n’en continuait pas moins à lui écrire des lettres amoureuses,
en vertu de cette idée, qu’une femme doit toujours
écrire à son amant.

Mais, en écrivant, elle percevait un autre homme, un fantôme
fait de ses plus ardents souvenirs, de ses lectures les plus belles,
de ses convoitises les plus fortes; et il devenait à la fin si
véritable, et accessible, qu’elle en palpitait émerveillée,
sans pouvoir néanmoins le nettement imaginer,

tant il se perdait, comme un dieu,
sous l’abondance de ses attributs.»

:)
(destaque meu)

op. cit., p.429