janeiro 31, 2011



Pintor português e amigo de Michelangelo,
Francisco de Holanda (1517-1584)
foi o primeiro a introduzir a filosofia
num tratado artístico, Da Pintura Antigua (1548),
derrubando a definição redutora da pintura
como “imitação da Natureza”.

Inspirado por Michelangelo e pela filosofia
de Platão, Holanda afirma que a pintura
é uma declaração do pensamento que exige
uma ascensão espiritual até as Idéias,
às quais o grande artista deve logo
dar forma, no papel, pelo desenho.

No contexto da teoria da arte do século XVI,
dominada pela imitação da Natureza,
Francisco de Holanda se distingue
por sua vontade de dar uma base
filosófica à sua arte.

Sob a influência do grande modelo de Michelangelo,
cuja arte e cuja poesia estão impregnadas
do neoplatonismo florentino da sua juventude,
Holanda adoptou esse sistema filosófico.


Sylvie Deswarte-Rosa,
Prisca Pictura e Antiqua Novitas
— Francisco de Holanda e a
taxonomia das figuras antigas

janeiro 29, 2011

Vittoria Colonna

Vittoria Colonna


A quale strazio la mia vita adduceAmor, che oscuro il chiaro sol mi rende,
E nel mio petto al suo apparire accende
Maggior disio della mia vaga luce!

Tutto il bel che natura a noi produce,
Che tanto aggrada a chi men vede e intende,
Più di pace mi toglie e sì m'offende,
Ch'ai più caldi sospir mi riconduce.

Se verde prato e se fior vari miro,
Priva d'ogni speranza trema l'alma
Chè rinverde il pensier del suo bel frutto

Che morte svelse. A lui la grave salma
Tolse un dolce e brevissimo sospiro,
E a me lasciò l'amaro eterno lutto


------ // ------

A QUALE STRAZIO...

A que tormento a vida me reduzamor que obscuro o claro sol me prende
e no meu peito ao renascer acende
maior desejo da perdida luz!

Beleza que Natura nos produz
que tanto agrada a quem não dela entende,
mais minha paz me tolhe e mais me ofende,
que a mais quentes suspiros me conduz.

Se verdes prados e se flores miro,
privada de esperanças. me arreceio,
pois reverdece a ideia daquel fructo

que a morte me colheu. Do grave seio
ela tirou brevíssimo suspiro.
e a mim deixou-me o amargo e eterno luto.



Vittoria Colonna

janeiro 27, 2011



Comigo me desavim,
Vejo-me em grande perigo;
Não posso viver comigo,
Não posso fugir de mim.

Antes que este mal tivesse,
Da outra gente fugia.
Agora já fugiria
De mim se de mim pudesse.

Que cabo espero ou que fim,
Deste cuidado que sigo,
Pois trago a mim comigo,
Tamanho imigo de mim.


Sá de Miranda

janeiro 25, 2011

Vittoria Colonna


Sebastiano del Piombo, Vittoria Colonna

O che tranquillo mar, che placid’ onde
Solcava un tempo in bel spalmata barca,
Di bei favori, e d’ util merci carca,
L’ aer sereno avea, l’ aure seconde.
Il Ciel, ch’ or suoi benigni lumi asconde,
Dava luce di nebbia e d’ ombra scarca;
Non dee creder alcun, che sicur varca,
Mentre al principio il fin non corrisponde.
L’ avversa stella mia, l’ empia fortuna
Scoperser poi l’ irate inique fronti,
Dal cui furor cruda procella insorge.
Venti, pioggia, saette il Cielo aduna,
Mostri d’ intorno a divorarmi pronti;
Ma l’ alma ancor sua tramontana scorge.

------- // ------

ON the calm billows of that tranquil sea,
A gallant bark with swelling sails was seen,
Freighted with treasures, moving proud and free,
With favouring breezes and with skies serene.
But soon thick clouds obscured the heavenly ray,
With fearful gloom the awful tempest rose ;
And none, who saw the dawning of that day,
Foretold how dark would be the evening's close.
So did my stars on me their aspects change,
By adverse winds o'er waves of sorrow driven,
Oppressed by cruel fates and fortunes strange,
Lorn, reft, and stricken by the shafts of heaven,
Gathering around me, threatening storms appear,
But still my soul beholds her polestar near.

janeiro 23, 2011



FECHAR OS OLHOS

precisas de conhecer a insatisfação das palavras
para escreveres bem.
as subsequências têm de ser uma absorção
linguística do momento histórico.
qualquer produção
tem de mover-se como detonação de entranhas
desde o tempo passado até à arquitectura
da conversão actual.
é impossível fechares os olhos quando tudo
é cortado em metades e essas metades
procuram metades alheias e formam novos todos.
a literatura, onde quer que exista, faz deslizar
as palavras que mais não são do que documentos
contendo novas invenções do mundo,
novos pares de invenções do mundo.
e é assim onde quer que elas sejam ditas. em qualquer
situação minimamente provável.
a palavra que falta ao pensamento é livre. pode
ser dita. escrita. e viciar-se no branco polar
de uma distância verbal. e tu:
continuas a falar. e eu: não consigo ouvir-te.


Sylvia Beirute
inédito

janeiro 21, 2011

janeiro 19, 2011



Se eu estiver a discorrer sobre a loucura não reconheço que
.......................................................aquele cedro
possa ter sido objecto de uma descrição menos verídica
do que a minha porque todas as divergências se aglomeram
na variedade. O castelo de nuvens que a janela aproxima vindo
............................................................do horizonte
o azul que se dilui os ossos das árvores cravados cravejados
ou qualquer assunto da visão de um louco autor do soneto

são o primeiro verso decassílabo da paragem do pensamento
e da continuação da paisagem que percorre a película do globo.
Se eu ouvir que a rede das veias se pode entrelaçar ao coração
...........................................................no momento
em que diamantes de sol o atingem da forma que fora descrita
para a passagem dos átomos desde a primeira fase épica da
................................................................memória
em que eu enumerei as ilhas homéricas como passagens
.....................................................subterrâneas
entre os cérebros dos aedos e os meus pressentimentos
................................................interpreto a razão
como a relação extrínseca de palavras simultaneamente
distribuídas pela desordem ou mosaico.

Perdidas segundo a ordenação dos encantamentos da angústia da
.........................................................ficção humana.
Disseminadas pelas línguas estranhas entre si mas saudosas da
...................................................................origem
da expressão silenciosa contemplativa entre os penhascos
..................................................que sobrepunha
apenas os contornos do basalto às faces contornadas por um
..........................................................olhar lúcido

o olhar que depende da iluminação imediata simples
para se poisar no círculo de uma forca que traçaram os ramos
na bifurcação de uma haste. O cadáver ou estátua luminosa
............................................................concentra
as linhas visuais que se dispersam no prisma verde. A
........................................................indiferença
pela verdade atrai para junto de mim qualquer objecto mesmo
................................................................informe
mesmo que a emoção destrua as formas fixas para sempre
.......................................................lentamente.

fiama hasse pais brandão


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Bem que precisava um lógico, um filósofo, um poeta
me ajudasse a interpretar este poema de fiama!

Só, apercebo-o misterioso e sinto-me inseguro
do seu significado que imaginativamente
deslindo como indico a seguir.

Logo o primeiro enunciado me deixa perplexo
porque aceitar com tolerância diferentes
descrições de um objecto como igualmente
verídicas, por suas divergências se reputarem
como simples variedade de uma mesma realidade
parece-me não um discorrer sobre a loucura
de uma mente mas sim uma deleuziana
e pacífica aceitação da alteridade!

E, se é razoável assim pensar,
porquê fiama afirma que isso
é o caso do discorrer sobre a loucura!?

Como tornear a minha impressão inicial
num contrário de si própria?

Ela parece iniciar a explicação da tese
exemplificando com situações em que assevera
que, ao fim e ao cabo, qualquer assunto da visão
de um louco equivale à paragem do pensamento
e ao mero fluir da realidade que impressiona
a visão, os sentidos, de um louco.

Porque, o que faz um louco, uma mente poética?

Pois bem, aje erraticamente como a própria
indeterminação dos átomos, entrelaça o fluir
do sangue ao raiar do sol no coração,
apropriando a inspiração poética
aos seus íntimos pressentimentos.

Como assim procede, a razão, para o louco,
limita-se a uma relação extrínseca e aleatória
das palavras às coisas, aos eventos, ao mundo…

Palavras perdidas, ordenadas segundo a angústia
da condição humana consciencializada
numa narrativa ficcional.

Mais, palavras disseminadas
por línguas estranhas entre si.

Mas, línguas e falas saudosas
da sua origem comum: a silenciosa
contemplação da pura, insensível,
externalidade — os penhascos — ,
contraposta à vívida presença
e testemunho de um olhar lúcido,
dependente, sim, de uma iluminação
imediata que intelige a morte
na consciência da precariedade
de estar vivo, lucidez de figuras
destinadas à dispersão. Daí,
a indiferença pela verdade,
polarizadora de objectos
informes, a emoção
a destruir lentamente
todas as formas fixas.


Ou seja,
tudo isto talvez se compreenda
como típico de uma mente louca…

E não há antídoto?
Há, evidentemente.
Uma forma de ser homem!

Que é simples: — Não interessa
que tudo acabe, nem a indiferença
do mundo. Porque tudo o que eu faço
não é indiferente aos que amo e me amam,
pelo que essa é a diferença que destitui
a importância do mundo.

:)

janeiro 17, 2011

janeiro 15, 2011



ANTES DO POEMA

antes do poema.
antes do poema tens de resolver
os problemas da tua inexistência, dizem eles.
eu não existo, dizem eles.
ou existo num corpo que não é meu, um corpo
de tumulto e consciência
sem objecto ou uma sorte que impeça
que cada palavra coabite
com o seu espírito.

e as suas mentes exercitam
a minha inexistência,
agora sei, numa existência sem
elementos e princípios,
enquanto eu, entre inteira e primaveril,
existo para mim e para ti se quiseres,
existo para o sol
e para a chuva, existo para o poema,
sou o poema.
este poema. este momento.
histórico.

antes do poema.
antes do poema, tens de resolver
os problemas
da tua inexistência, dizem eles,
sem saberem do que falam,
embora eu
estranhamente e numa banheira de gelo,
acabe por concordar,
e me apeteça dexistir.


Sylvia Beirute
inédito

janeiro 13, 2011



«C'est l'habileté pure de ne vivre qu'en poète
— car toutes choses peuvent se regarder ainsi
et s'analyser d'abord en jeux d'élements
simples, contrastés , rythmés et composés —
il faut ensuite en extraire la signification et se dire:
ceci est un symbole de moi-même qui,
sur mon être spirituel,
m'apprend quelque chose.
C'est une inconnue algébrique à dégager.»

Paul Valéry, Lettres à quelques-uns

janeiro 11, 2011



«…tout travail analytique …
implique la résolution de l'object choisi
en des élements tels que
leurs combinaisons immédiates,
purement différentielles,
reestituent toutes les propriétés de cet object.»


Paul Valéry, Lettres à quelques-uns

janeiro 09, 2011

janeiro 07, 2011



“Rios d’Alma “, de Teresa Gonçalves Lobo.

Boa Memória

Se cortassem o Danúbio às fatias
ninguém veria uma mutilação.
A água abre-se em duas
e refaz-se mal o corte finda.
Só que o azul se tinge
do suor da lâmina.
Mas é belo que um rio guarde
a cor dos sacrifícios.


Fernando Namora

janeiro 05, 2011


Eric White

«[ ]
Também assim, quando Platão nos disse
que o Bom tão-somente é o Belo,
logo soubemos que todo o amor,
como a beleza, era na carne, no ponto axial.»


Fiama Hasse Pais Brandão,
in "Jardim de aromas para cegos"

janeiro 03, 2011


Bouguerau, imagem e poema in Modus Vivendi

Afrodite
(em grego, Αφροδίτη),
deusa grega da beleza,
do amor e da procriação

Afrodite

Formosa.
Esses peitos pequenos, cheios.
Esse ventre, o seu redondo espraiado!
O vinco da cinta, o gracioso umbigo, o escorrido
das ancas, o púbis discreto ligeiramente alteado,
as coxas esbeltas, um joelho único suave e agudo,
o coto de um braço, o tronco robusto, a linha
cariciosa do ombro...
Afrodite, não chorei quando te descobri?
Aquele museu plácido, tantas memórias da Grécia
e de Roma!
Tantas figuras graves, de gestos nobres e de
frontes tranquilas, abstractas...
Mas aquela sala vasta, cheia, não era uma necró-
pole.
Era uma assembleia de amáveis espíritos, divaga-
dores, ente si trocando serenas, eternas e nunca
desprezadas razões formais.

Afrodite, Afrodite, tão humana e sem tempo...
O descanso desse teu gesto!
A perna que encobre a outra, que aperta o corpo.
A doce oferta desse pomo tentador: peito e ventre.
E um fumo, uma impressão tão subtil e tão pro-
vocante de pudor, de volúpia, de reserva, de
abandono...
Já passaram sobre ti dois mil anos?

Estranha obra de um homem!
Que doçura espalhas e que grandeza...
És o equilíbrio e a harmonia e não és senão corpo.
Não és mística, não exacerbas, não angústias.
Geras o sonho do amor.

Praxíteles.
Como pudeste criar Afrodite?
E não a macerar, delapidar, arruinar, na ânsia de
a vencer, gozar!
Tinha de assim ser.
Eternizaste-a!
A beleza, o desejo, a promessa, a doce carne...

Irene Lisboa

janeiro 01, 2011


imagem in «externalismo.blogspot.com»

A metáfora da memória como aviário

«Vê então, se também é possível possuir assim o saber, sem o ter.
É como se alguém tivesse caçado umas aves silvestres, pombas
ou quaisquer outras, construísse em casa um pombal e
tomasse conta delas; diríamos que de certo modo
sempre as tem, porque sem dúvida as possui,
não?»

Platão, Teeteto, 197c