setembro 29, 2016


pintura: athena reveuse

Muito justa reflexão de Walter Benjamin in "Acervo filosófico", sobre a banalização do que é único enquanto criação. Lembra-me a distinção entre Física e Geometria, ponto físico e ponto matemático; este, exacto mas não real; aquele, real mas inexacto. Leibniz o ensina. Valéry, sublinha-o.

«La peinture permet de regarder les choses
en tant qu’elles ont été une fois contemplées avec amour.»

Paul Valéry, "Tel Quel", § 337.

setembro 06, 2016




CANTO DA ARTE BREVE

Horácio enganou-se ao contar
os longos anos da vida breve vivida.
O periquito que ganhou a plumagem
há uma semana, e morre mal concebe
as cores no seu corpo, é apenas breve.
O meu relógio de caixa alta, Cronos,
que como um animal ferino me segue,
é também um ser de pulso escasso
e fugaz. No sexto dia pára , e espera
que eu de novo lhe ofereça o seu bafo.
Só os meus imensos dias jamais cabem
nos versos escritos ou ditos, quotidianos,
e se somarmos as horas dos sentidos
é curta a memória e alonga-se o desejo.

Os afectos, os silêncios, os sinais
são a diversa linguagem dos meus dias
e o corpo soma a sua soma em vida.
Nunca a Arte mais se demorou
do que estas mãos que são frugais:
o pouco pão e a água abundam
nos muitos anos longos de penúria.
E é tão vária e imprecisa a vida
que não pode ficar toda contida
em palavras que apenas a resumem.
Os bens que entesourei excedem
a Arte que quisesse neles contentar-se.
Ó morte, se a vida é longa e breve
soma-lhe ainda a mudez e a cegueira
e dá tu aos versos a medida inteira.

Fiama Hasse Pais Brandão, in Cantos do Canto,
Relógio d’Água, Lisboa, 1995

setembro 05, 2016


Quatrième dialogue

«MACHIAVEL : Vous êtes un grand penseur, mais vous ne connaissez pas l’inépuisable lâcheté des peuples ; je ne dis pas de ceux de mon temps, mais de ceux du vôtre ; rampants devant la force, sans pitié devant la faiblesse, implacables pour des fautes, indulgents pour des crimes, incapables de supporter les contrariétés d’un régime libre, et patients jusqu’au martyre pour toutes les violences du despotisme audacieux, brisant les trônes dans des moments de colère, et se donnant des maîtres à qui ils pardonnent des attentats pour le moindre desquels ils auraient décapité vingt rois constitutionnels.»


Maurice Joly (1821-1878), ‘’Dialogue aux enfers entre Machiavel et Montesquieu (1864)’’