setembro 06, 2016




CANTO DA ARTE BREVE

Horácio enganou-se ao contar
os longos anos da vida breve vivida.
O periquito que ganhou a plumagem
há uma semana, e morre mal concebe
as cores no seu corpo, é apenas breve.
O meu relógio de caixa alta, Cronos,
que como um animal ferino me segue,
é também um ser de pulso escasso
e fugaz. No sexto dia pára , e espera
que eu de novo lhe ofereça o seu bafo.
Só os meus imensos dias jamais cabem
nos versos escritos ou ditos, quotidianos,
e se somarmos as horas dos sentidos
é curta a memória e alonga-se o desejo.

Os afectos, os silêncios, os sinais
são a diversa linguagem dos meus dias
e o corpo soma a sua soma em vida.
Nunca a Arte mais se demorou
do que estas mãos que são frugais:
o pouco pão e a água abundam
nos muitos anos longos de penúria.
E é tão vária e imprecisa a vida
que não pode ficar toda contida
em palavras que apenas a resumem.
Os bens que entesourei excedem
a Arte que quisesse neles contentar-se.
Ó morte, se a vida é longa e breve
soma-lhe ainda a mudez e a cegueira
e dá tu aos versos a medida inteira.

Fiama Hasse Pais Brandão, in Cantos do Canto,
Relógio d’Água, Lisboa, 1995

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