fevereiro 24, 2008


Tamara de Lempicka,
Portrait of Suzy Solidor, 1933
.
Deixei o meu coração no caminho das provas
E faço-o correr vinculado a teus passos.
O vento trouxe-me hoje o teu perfume
E entreguei-lhe o coração em agradecimento.

Djalal Al-Din Rumi, Rubaiyat


fevereiro 21, 2008

Já a raiz é rio

As raizes
depois de pensadas
pesam

Um fio
com o peso da germinação
então um rio
condiz
raiz
com o chão

Já a raiz é rio
e sai do chão
com peso para cima
tal como cai
do pensamento a rima.

É mais perfeito o peso
da raiz
quando se diz
que o pensamento a gera

fiama hasse pais brandão, F de Fiama,
Teorema, Lisboa, 1986, p. 14

fevereiro 20, 2008



As janelas
.
As janelas
por onde entram as silvas,
a púrpura pisada,
o aroma das tílias, a luz em declínio,
fazem deste abandono
uma beleza devastadora
e sem contorno.

Eugénio de Andrade, Rente ao dizer
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fevereiro 19, 2008


Luiz Pinto - Corpo de Mulher in blog "O Dono do Caos"
«Não é a consciência que determina a existência;
é a existência que determina a consciência.»

fevereiro 16, 2008



EURÍDICE

Há uma pequena ruga de silêncio
A macular-te o rosto...
Que secreto desgosto
Ocultas ao teu velho companheiro?
Preciso de sabê-lo, bem amada.
O tempo é traiçoeiro,
E quero a tua imagem preservada.

Mulher de Orfeu, minha mulher, portanto,
É o encanto
Da eterna juventude
Que dás ao nosso lar imaginado.
Sem ela, que seria
Desta humana harmonia
Em que temos vivido lado a lado?

Diapasão que afina a minha lira,
A tua voz preced a minha voz.
Ouvir-te é começar...
Não emudeças, pois, musa da vida!
O poema é o luar:
A luz do sol, apenas reflectida...

Miguel Torga

fevereiro 15, 2008




Uns quinhentos anos antes da Era Cristã, alguém
escreveu: «Chuang Tzu sonhou que era uma borboleta e não sabia,
ao acordar, se era um homem que sonhara ser uma borboleta
ou uma borboleta que sonhava agora ser um homem.»

Assim o perfume estonteante
dos roseirais dos jardins de Alhambra.

fevereiro 14, 2008

Para lá da caveira e do vivente
persiste inteligível a ideia da beleza.

Ela instaura assim,
a unidade do ser e do pensar,

pelo que há um só mundo,
o do ser que se dá a ver,

— aquilo que aparece,
seja qual for o modo de aparecer.





«A beleza é a única ideia inteligível que se dá a ver

fevereiro 13, 2008

Breve tratado lógico-filosófico
de dois meus avatares:



«O coração tem razões
que a razão desconhece.»


«A razão tem emoções
que o coração desconhece.»






fevereiro 02, 2008

Escreveu Alberto Caeiro:

«Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar se ela sente.
Não me perco a chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ela ser uma pedra,
Gosto dela porque ela não sente nada,
Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.»



Mas isto lembra-me Espinosa,
na sua "Parábola da Pedra que Sente":


«… conceba-se uma coisa muito simples:
p. ex., uma pedra recebe de uma causa externa que a impele
uma certa quantidade de movimento,
e cessando a impulsão da causa externa
ela continuará a mover-se necessariamente.

… Conceba-se agora, se o quiserdes,
que a pedra enquanto continua a mover-se,
pensa e sabe que se esforça,
tanto quanto pode,
para se mover.

Esta pedra seguramente,
uma vez que tem consciência do seu esforço somente,
o que não lhe é de modo algum indiferente,
julgar-se-á ser muito livre e
que não se preserva no seu movimento senão porque o quer

«Tal é a liberdade humana que todos se gabam de possuir
e que consiste nisso só que os homens têm consciência dos seus desejos
e ignoram as causas que os determinam.»

fevereiro 01, 2008

1 do 2



AS ESCADAS

As escadas que subíamos
Eram iluminadas
Pelas claras clarabóias
Dos prazeres

Subíamos
E descíamos
Por delicadas picardias saborosas

Ah!
Que cenas inclinadas
As escadas
Dos teus braços


Ana Hatherly, A neo-Penélope,
&etc, Lisboa, 2007