abril 15, 2011


Vou estar fora [do experimental]
uma pluralidade de dias.

Até depois,
Vasco

abril 13, 2011



Depois de mim



Dourados, como frutos maduros,
erguer-se-ão as manhãs
sobre os azuis,
floridos de espumas.
A escama da lua boiará
nas águas da noite
sem mim,
depois de mim.


Luísa Dacosta, A maresia e o sargaço dos dias

abril 11, 2011




Rosto


Nunca vieste
quando o desejo
fazia um entalhe de sofrimento e apelo
na polpa, madura, do dia.


Nunca vieste
quando um golpe de luar
abria ao lado do meu corpo
um lençol fresco, para acolher-te.


A tua boca não prendeu
a flor dos meus lábios.
Nunca calei no teu beijo
a indizível palavra.


Nunca vieste


Respirei-te no sonho.
A morte terá o teu rosto desconhecido.


Luísa Dacosta, A maresia e o sargaço dos dias

abril 09, 2011



Solidão


Como quem tece um xale
para o frio da alma
invento os teus braços
nos meus ombros,
o verão da tua boca
na minha pele.
No meu outono, agreste,
invento-te.
E a tua lembrança,
que não foi nem houve,
porque não existes
ou o teu destino é longe
e noutro lugar
atravessa a noite.


Luísa Dacosta, A maresia e o sargaço dos dias

abril 07, 2011



Chove na tarde fria de Porto Alegre
Trago sozinho o verde do chimarrão
Olho o cotidiano, sei que vou embora
Nunca mais, nunca mais

Chega em ondas a música da cidade
Também eu me transformo numa canção
Ares de milonga vão e me carregam
Por aí, por aí

Ramilonga, Ramilonga

Sobrevôo os telhados da Bela Vista
Na Chácara das Pedras vou me perder
Noites no Rio Branco, tardes no Bom Fim
Nunca mais, nunca mais

O trânsito em transe intenso antecipa a noite
Riscando estrelas no bronze do temporal
Ares de milonga vão e me carregam
Por aí, por aí

Ramilonga, Ramilonga

O tango dos guarda-chuvas na Praça XV
Confere elegância ao passo da multidão
Triste lambe-lambe, aquém e além do tempo
Nunca mais, nunca mais

Do alto da torre a água do rio é limpa
Guaíba deserto, barcos que não estão
Ares de milonga vão e me carregam
Por aí, por aí

Ramilonga, Ramilonga

Ruas molhadas, ruas da flor lilás
Ruas de um anarquista noturno
Ruas do Armando, ruas do Quintana
Nunca mais, nunca mais

Do Alto da Bronze eu vou pra Cidade Baixa
Depois as estradas, praias e morros
Ares de milonga vão e me carregam
Por aí, por aí

Ramilonga, Ramilonga

Vaga visão viajo e antevejo a inveja
De quem descobrir a forma com que me fui
Ares de milonga sobre Porto Alegre
Nada mais, nada mais

abril 06, 2011



Teima

Inútil, sem razão,
o meu amor permanece
para além do tempo
e do sofrimento.

Luísa Dacosta, op.cit.
Foto: adriana calcanhoto

abril 05, 2011



Luar

Na crista das vagas,
o embalo da lua
lembra-me os teus braços,
acorda o meu desejo de ser tua.


Mas tu já te foste,
não mais voltarás.
O tempo não permite
passar adiante
e colher atrás.


Dói-me na crista das vagas
o embalo da lua.


Luísa Dacosta, op.cit.

abril 04, 2011



Três desejos breves


I
Pudesse a minha sede
transformar-te em fonte.


II
Íntima como o sangue
seja a minha lembrança em ti.


III
Não como um corpo,
mas como um pensamento
em ti quero ficar.


Luísa Dacosta, A maresia e o sargaço dos dias,
Asa, Porto, 2011, colecção "Frente e Verso"

abril 03, 2011



APELO

Atravessa os campos da noite
e vem.

A minha pele
ainda cálida de sol
te será margem.

Nas fontes, vivas,
do meu corpo
saciarás a tua sede.

Os ramos dos meus braços
serão sombra rumorejante
ao teu sono, exausto.

Atravessa os campos da noite
e vem.



Luísa Dacosta, A maresia e o sargaço dos dias,
Asa, Porto, 2011, colecção "Frente e Verso"

abril 02, 2011




VOO

Com as nuvens,
A migração das aves,
A direcção dos ventos,
Asa solta, vou ao teu encontro
Por cima dos ares.

Mas tu és miragem.
Como alcançar-te?



Luísa Dacosta, A maresia e o sargaço dos dias,
Porto, Asa, 2010, colecção Frente e Verso.