outubro 09, 2006


scott fitgerald # 5

O que mais apreciei neste romance de Fitzgerald
foi a arguta e rigorosa observação da progressão
de um processo insidioso de desamor, culminando
no acto final, cirúrgico e irreversível de divórcio!


Quase lembra Descartes:  Amor e o Ódio: “O amor é uma emoção da alma, causada pelos movimentos dos espíritos, que a incita a unir-se voluntariamente aos objectos que lhe parecem ser úteis”. E o ódio é uma emoção, causada pelos espíritos, que incita a alma a querer estar separada dos objectos que se lhe apresentam como nocivos.”

Nota: - Com a expressão “causadas pelos espíritos”, Descartes pretende distinguir estas paixões — que dependem do corpo — quer dos juízos, quer das emoções que estes só por si excitam, e que levam também a alma a unir-se ( ) ou a separar-se, voluntariamente, das coisas que considera boas ou más.
Com a expressão “voluntariamente”, Descartes pretende abstrair do Desejo — que é uma paixão distinta e se refere ao futuro — para atentar no aspecto do consentimento pelo qual o amante se considera unido ao que ama, de sorte que se imagina como um todo, “de que se pensa ser apenas uma parte, sendo a outra a coisa amada”, e, ao contrário, no Ódio, se considera só como um todo, inteiramente separado da coisa a que se tem aversão.

outubro 05, 2006

scott fitzgerald # 4



Relógio d’Água) Na costa aprazível da Riviera francesa, a cerca de meio caminho entre Marsellha e a fronteira italiana, fica um vasto hotel imponente, pintado de cor-de-rosa. Várias palmeiras lhe refrescam a frontaria pesada, e diante dele estende-se uma praiazinha deliciosa. Ainda há dez anos era pouco frequentado, depois da debandada da clientela inglesa, mas há pouco tempo tornou-se ponto de reunião de banhistas ilustres e elegantes, e já o rodeiam inúmeros bangalós. Quando, porém, se inicia esta história há apenas uma dúzia de vivendas antigas, e os seus telhados jazem como nenúfares apodrecidos no meio do pinhal denso que vai do Hotel Gausse ou dos Estrangeiros até Cannes, a cinco milhas de distância. (op. cit., p. 9)

«On the shore of French Riviera, about half-way between Marseilles and the Italian border, stood a large, proud, rose-coloured hotel. Deferential palms cooled its flushed façade, and before it stretched a short dazzling beach. Now it has become a summer resort of notable and fashionable people; in 1925 it was almost deserted after its English clientele went north in April; only the cupolas of a dozen of old villas rotted like water lilies among the massed pines between Gausse’s Hôtel des Étrangers and Cannes, five miles away.» (op. cit., p. 65)

outubro 04, 2006

scott fitzgerald # 3





Penguin) «In the spring of 1917, when Doctor Richard Diver first arrived in Zürich, he was twenty-six years old, a fine age for a man, indeed the very acme of bachelorhood. Even in the wartime days it was a fine age for Dick, who was already too valuable, too much of a capital investment to be shot off in a gun. Years later it seemed to him that even in this sanctuary he did not escape lightly, but about that he never fully made up his mind — in 1917 he laughed at the idea, saying apologetically that the war didn’t touch him at all. Instructions from his local board were that he was to complete his studies in Zürich and take a degree as he had planned.» (op. cit., p. 3)

«Na Primavera de 1917, quando chegou a Zürich, o doutor Richard Diver tinha vinte e seis anos, bela idade para um homem, verdadeiro apogeu do estado de solteiro. Até em tempos bélicos era óptima idade para Dick, que já se tornara pessoa de valor, de excessivo valor para morrer na guerra. Anos depois parecia-lhe que, mesmo no santuário em que estivera, não lhe escapara de todo, mas a esse respeito nunca se compenetrou deveras: em 1917 ria-se com tal ideia, dizendo, como desculpa, que a guerra lhe não tocava nem de leve. As normas recebidas da Junta de Instrução da sua terra estatuíam que ele devia concluir os seus estudos em Zürich e formar-se conforme projectara.» (op.cit., p. 161)

outubro 03, 2006

scott fitzgerald # 2

Na verdade, ler uma tradução ajuda, no meu caso, porque inúmeras são as palavras cujo significado só aproximadamente, e com erros, se tira pelo sentido. Ler na língua original, embora com esse inconveniente, dá o som mudo da linguagem e o estilo do raciocínio e dos afectos das personagens.

A leitura em paralelo é assim como um filme legendado! :)


Para minha surpresa, porém, constatei que as duas edições tinham um começo do romance completamente diferente! Enquanto a versão inglesa inicia a narrativa em 1917-19 com a chegada do Doutor Dick Diver a Zürich e o seu primeiro encontro com a enferma Nicole Warren, a edição portuguesa, situa ambos, já casados e com dois filhos, na costa aprazível da Riviera francesa levando uma existência de sonho num idílico fare niente.

outubro 02, 2006

scott fitzgerald # 1





portrait of madam boucard
tamara de lempicka

Pela primeira vez li em paralelo — com umas cinquenta páginas de desfasamento — a tradução e o original de uma obra literária: Terna é a noite de Scott Fitzgerald, nas edições inglesa e portuguesa da Penguin e Relógio d’Água


F. Scott Fitzgerald, Tender is the night (1934),
Penguin Books, New-York, 1997

F. Scott Fitzgerald, Terna é a noite («Tender is the night», 1934),
Trad. Cabral do Nascimento, Relógio d'Água, Lisboa 1991.