maio 31, 2010

(continuação 3)

«Despidos de quaisquer escrúpulos e conduzidos pelos seus interesses sórdidos, desonraram e transformaram uma raça de senhores em lamentáveis operários cobertos de porcaria, à imagem e semelhança do seu próprio proletariado, gemendo nas sombrias cidades industriais.

Por um salário vergonhoso, aqueles distintos nómadas haviam perdido a sua nobreza e a sua liberdade, e viviam confinados em barracas carcomidas pela traça, sobrecarregados de preocupações materiais absurdas, cada vez mais prolíficas e das quais não tinham outrora consciência.»

(continua)

Albert Cossery, Uma ambição no deserto,
(«Une ambition dans le désert», 1975),
trad. Ernesto Sampaio, Antígona,

Lisboa, 2002, pp. 15-6-7


desonraram e transformaram uma raça de senhores



em lamentáveis operários cobertos de porcaria

maio 30, 2010

(continuação 2)

«O desapontamento das empresas petrolíferas instaladas no território do emirado havia regozijado Samantar [face aos] resultados negativos obtidos pelos engenheiros da corja [ ].

Samantar desconfiava de tudo o que a terra podia esconder debaixo dos seus passos; sobretudo quando aqueles exploradores não estavam longe. Tinham invadido os emirados limítrofes, os quais, para grande infelicidade, possuíam imensos e inegáveis recursos petrolíferos.»

(continua)

Albert Cossery, Uma ambição no deserto,
(«Une ambition dans le désert», 1975),
trad. Ernesto Sampaio, Antígona,

Lisboa, 2002, pp.15-6-7

O desapontamento das empresas petrolíferas...

maio 29, 2010

(continuação 1)

«Mas o que horrorizava Samantar sobremaneira
era aquilo que os tecnocrtas ocidentais
denominavam no seu jargão barroco
«expansão económica».

Protegidos por esta fórmula de bruxa malvada,
os antigos colonialistas esmifravam-se por fazer
perpetuar as suas rapinas, introduzindo em povos
sãos — que não precisavam de possuir um carro
para fazer prova da sua presença sobre esta terra
— a psicose do consumo.»

(continua)

Albert Cossery, Uma ambição no deserto,
(«Une ambition dans le désert», 1975),
trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa,

2002, pp. 15-6-7

... a psicose do consumo.

maio 28, 2010



Preferia-a a Alegre, Cavaco e Nobre,
na Presidência da República
Mais um conto excelente
de albert cossery:



«O xeque Ben Kadem, Primeiro-ministro do emirado
de Dofa, interroga-se sobre como conseguir um papel
na cena internacional, encontrando-se ele à frente
de um Estado miserável, completamente eclipsado
pelos Estados vizinhos, produtores de petróleo.

Inventa um estratagema: simular atentados à bomba,
reivindicados por uma denominada Frente de Libertação
fantasma... » :))

(continua)

Albert Cossery, Uma ambição no deserto,
(«Une ambition dans le désert », 1975),

trad. Ernesto Sampaio, Antígona,
Lisboa, 2002

eclipsado pelos Estados vizinhos,
produtores de petróleo

maio 27, 2010


"Dance Me To The End Of Love"

Dance me to your beauty with a burning violin
Dance me through the panic 'til I'm gathered safely in
Lift me like an olive branch and be my homeward dove
Dance me to the end of love
Dance me to the end of love
Oh let me see your beauty when the witnesses are gone
Let me feel you moving like they do in Babylon
Show me slowly what I only know the limits of
Dance me to the end of love
Dance me to the end of love

Dance me to the wedding now, dance me on and on
Dance me very tenderly and dance me very long
We're both of us beneath our love, we're both of us above
Dance me to the end of love
Dance me to the end of love

Dance me to the children who are asking to be born
Dance me through the curtains that our kisses have outworn
Raise a tent of shelter now, though every thread is torn
Dance me to the end of love

Dance me to your beauty with a burning violin
Dance me through the panic till I'm gathered safely in
Touch me with your naked hand or touch me with your glove
Dance me to the end of love
Dance me to the end of love
Dance me to the end of love
(continuação 3)

«Teymour invejava a ignorância deles;
pelo menos não sofriam nada
e não tinham o desejo
nem a possibilidade
de se entregar a comparações.

O que não era, infelizmente, o seu caso.»

(fim da transcrição)

Albert Cossery, Uma conjura de saltimbancos,
(«Un complot de saltimbanques», 1975),
trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa, 2001, pp. 7-8


Teymour invejava a ignorância deles

maio 26, 2010

(continuação 2)

«Semelhante confissão não teria nenhuma hipótese
de ser compreendida por aqueles labregos
que deviam sem dúvida imaginar
que habitavam uma cidade feérica.

Nunca acreditariam na existência
de outros lugares na terra mais agradáveis
do que a sua própria cidade.»

(continua)

Albert Cossery, Uma conjura de saltimbancos,
(«Un complot de saltimbanques», 1975),
trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa, 2001, pp. 7-8

Nunca acreditariam na existência
de outros lugares na terra mais agradáveis

maio 25, 2010

(continuação 1)

«Aliás, não devia esperar qualquer consolação daqueles espíritos obtusos, incapazes de avaliar no seu justo valor a incomensurável desgraça da sua situação. Como poderia explicar-lhes que o motivo do desespero que sentia [era] a visão da sua cidade natal e a aterradora perspectiva de aí ter de permanecer o tempo suficiente para morrer de aborrecimento.»

(continua)

Albert Cossery, Uma conjura de saltimbancos,
(«Un complot de saltimbanques», 1975),
trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa, 2001, pp. 7-8


Aliás, não devia esperar qualquer consolação
daqueles espíritos obtusos

maio 24, 2010

«Sentado na esplanada do café, Teymour sentia-se tão infeliz como um piolho na cabeça de um careca. Toda a sua atitude exprimia a ociosidade, o vazio mórbido, a desolação que lhe afectava a alma naquele instante memorável em que voltava a decobrir a sua cidade natal depois de seis anos de ausência no estrangeiro. [ ]

De ar completamente desvairado, parecia entorpecido pela dor; uma dor sufocante e que ia aumentando à medida que o seu olhar tentava assimilar com viva repugnância a ínsipida paisagem circundante. [ ]

De tempos a tempos, fechava os olhos, e o seu rosto tomava então uma expressão de êxtase nostálgico, como se ele se houvesse retirado para um mundo de gráceis recordações, um mundo a que ainda estava ligado por laços quase carnais.

Mas estes efémeros mergulhos num passado recente, [ ] mais não faziam do que aumentar-lhe a pena, pelo contraste que estabeleciam com a implacável realidade que o assaltava assim que reabria os olhos. [ ] ele tinha consciência do que o seu aspecto podia apresentar de estranho para os outros clientes [ ] que começavam a observá-lo com uma atenção inquieta.»

(continua)

Albert Cossery, Uma conjura de saltimbancos,
(«Un complot de saltimbanques», 1975),
trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa, 2001, pp. 7-8


Sentado na esplanada do café, Teymour sentia-se tão infeliz...

maio 23, 2010

«Todos os países tinham o seu contingente de imbecis, de sacanas e de putas. Era preciso ser um débil mental para acreditar que se passavam coisas importantes noutros lados. A única diversidade era a da linguagem e a única novidade era que os mesmos imbecis, sacanas e putas se exprimiam numa língua diferente. Medhat recusava-se a absolver a aberração dos que aprendiam toda a espécie de idiomas estrangeiros a fim de penetrar o sentido das mesmas palermices que podiam ouvir na sua terra, sem precisar de se deslocar e gratuitamente. Pela sua parte, nunca se sentira tentado a percorrer o planeta à procura de sensações ditas transcendentes por se situarem em hemisférios distantes. De que servia mudar de continente, aspirar a outros climas, se não se conseguia ver, em primeiro lugar, o que se passa à nossa volta?» (texto da contracapa)



Albert Cossery, Uma conjura de saltimbancos,
(«Un complot de saltimbanques», 1975),

trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa, 2001

maio 22, 2010



«O HOMEM, alto e de ombros largos, estava de pé na quitanda,
qual múmia em seu sarcófago. Era uma lojeca estreita [ ];
estava cheia de frascos com essências aromáticas e unguentos
e de garrafinhas com elixires contra a impotência e a esterilidade.
[ ] Com gestos sabiamente medidos, o homem desarrolhou
uma minúscula garrafinha e apresentou-a ao olfacto
duma cliente, de pé na soleira da porta.

— Uma gotinha só deste perfume e os homens hão-de
ficar pelo beicinho e a morrer por ti — anunciou ele.
— Olha que não quero matar ninguém — respondeu
a mulher a rir. — É só para agradar ao meu marido.
— Nesse caso não ta vendo — disse o homem.
— Não te vendo porque tenho pena dele. Pelo menos doido fica.

— Aziago dia! Por que estás tu para aí com essas parvoíces?
Fico com ela. — Sendo assim, por ser para ti são só dez piastras.

— Dez piastras! Valha-me Alá! Queres decerto arruinar-me!
Olha, eu é que fico doida. Pega lá o dinheiro.
Apalpou as dobras da mélaia, tirou de lá um lenço,
desatou-o e contou a importância.
O comerciante entregou-lhe a garrafinha.
— Vais ver — disse ele. — Hás-de ficar-me
reconhecida eternamente. Nunca mais
o teu marido poderá repudiar-te,
há-de ser-lhe impossível viver
longe desse perfume.
— Pois sim, bastará ele cá vir buscar mais.
— Pelo Profeta! Julgas tu que eu lho vendia?!
A mulher foi-se embora com a garrafinha de perfume
e o homem virou-se então para [o interior da loja].»


:))

Albert Cossery, Mendigos e Altivos
(«Mendiants et Orgueilleux», 1955),
Trad. Júlio Henriques, Antígona,
Lisboa, 2002, pp.201-2

maio 21, 2010



(continuação)

«Era o chefe de escritório, um ancião quase cego.
Os óculos enormes, encavalitados no nariz,
davam-lhe parecenças de animal pré-histórico.

De rosto colado ao processo que ia folheando,
perguntou, em tom já resignado:

— O que é?
— Vou ausentar-me por instantes.
— Não faças cerimónia, meu filho. Acredita

que muita pena teremos não te vendo aqui.

A ironia da resposta não era coisa que fizesse El Kordi hesitar.
Estava dede há muito habituado a estas insolências oratórias.
E nem sequer ignorava que o chefe de escritório considerava
a sua saída benéfica; a presença de El Kordi só prejudicava
o bom andamento do trabalho. Era um mau exemplo para
os companheiros de infortúnio.

— Adeus a todos!
— Não te julgues obrigado a voltar — disse Ezedina Efêndi.

— Demora o tempo todo que for necessário.

El Kordi sacudiu os ombros e sem um olhar para os colegas,
murchos e anafados, pôs-se a andar.»

:)

(fim do extracto)

Albert Cossery, Mendigos e Altivos
(«Mendiants et Orgueilleux», 1955),
Trad. Júlio Henriques, Antígona,
Lisboa, 2002, pp. 115-16

maio 20, 2010

Abel Mateus - 19 Maio 2010

Uma lição magistral
de economia política
e política económica.




«ERAM ONZE DA MANHÃ. Sentado à secretária do Ministério das Obras Públicas, El Kordi entediava-se. [ ] As moscas esvoaçavam no escritório, vinham pousar-lhe no nariz. El Kordi tentou apanhar algumas, com a intenção de as entregar a atroz destino, mas a verdade é que elas levaram sempre a melhor. Estava de tal modo entontecido que nem agilidade tinha para este passatempo. Sem remédio, assenhoreou-se mais uma vez — vezes que já não tinham conta — do jornal parado em cima da secretária, e pôs-se de novo a percorrê-lo com os olhos. Enormes títulos proclamavam estar o mundo inteiro a armar-se, com vista a uma futura guerra. [ ] E que fazia ele, enquanto tais manobras se operavam? Ali ficava, sossegadamente sentado a uma secretária, vulmerável e sem defesa. Tinha de agir, de fazer qualquer coisa [ ] Levantou-se
— Ezedine Efêndi!»


(continua)


Albert Cossery, Mendigos e Altivos
(«Mendiants et Orgueilleux», 1955),
Trad. Júlio Henriques, Antígona,
Lisboa, 2002, pp. 115-16

maio 19, 2010



«Gohar, professor universitário de Literatura e Filosofia,
levado pelo nojo que a Universidade lhe inspira,
decide tornar-se mendigo, conduzindo-nos,
através das oscilantes ciladas da moral,
a um conhecimento sumamente eufórico das peias
com que a civilização modernizadora
abafa quase à nascença a vida verdadeira.»

Albert Cossery, Mendigos e Altivos
(«Mendiants et Orgueilleux», 1955),
Trad. Júlio Henriques, Antígona,
Lisboa, 2002, pp. 115-16

maio 18, 2010

«O sol mal se via, por detrás das pesadas
nuvens que sem cessar o perseguiam.
Era um sol de inverno, factício,
brilhante mas sem calor.

De vez em quando um vento frio
varria toda a extensão dos campos,
pondo a ondear os altos caules do milho.

Toda a campina parecia então erguer-se,
como uma onda, mas aos poucos abrandando,
voltando à sua taciturna desolação.»





Albert Cossery, Mandriões no Vale Fértil,
(«Les Fainéants dans la Vallée Fertile», 1948),
trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa, 1999, P.10

maio 17, 2010



«O guarda Gohloche personificava a maldade
mais detestável: a maldade posta ao serviço
dos grandes da terra. Uma maldade paga.
Já não lhe pertencia. Tinha-a vendido
a gente mais competente que a usava
para subjugar e mortificar todo um povo
miserável. Já não era senhor da sua maldade.
Devia conduzi-la e dirigi-la segundo certas
regras cuja atrocidade não variava.»




Albert Cossery, Os homens esquecidos de Deus
(«Les hommes oubliées de Dieu», 1927)
Trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa, 2002, p.62

maio 16, 2010



«Sayed Karam deixava-se descer até este universo lúcido e transparente. Penetrava na rua com uma ternura comovida, a mesma ternura que teria manifestado por uma criatura sofredora. Também a rua lhe parecia extravagante, mas de uma extravagância pobre, resignada e abandonada a si própria. Era o produto calmo da matéria, e não dos caprichos de um cérebro transtornado. A matéria trabalhada, amassada e usada pelos homens que lhe tinham insuflado a alma. Em cada pedra do caminho, era visível a sua imagem desorientada e amedrontada. A rua exprimia a perturbadora angústia de uma colectividade; não era um indivíduo orgulhoso a gabar-se da sua história. Era humana e grande na sua aflição por gritar a dor de toda uma multidão. E Sayed Karam assistia impotente a este grito dos homens através da matéria.»


Albert Cossery, Os homens esquecidos de Deus
(«Les hommes oubliées de Dieu», 1927)
Trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa, 2002, p.129

maio 15, 2010

.....................................

«A investigação policial deu origem a uma descoberta sensacional. Não a do assassino, que não tardou, mas uma descoberta de outro interesse, profundamente humana. O vendedor de hortaliça tinha sucumbido, ao que parece, sob a pressão fortíssima de um penico em terracota que lhe atirou à cabeça, da janela do seu pardieiro, Radwan Ali, o homem mais pobre do mundo. A profunda humanidade do acontecimento residia no seguinte: o penico com que Radwan Ali tinha atingido o vendedor era o único bem, o único móvel da sua casa, e não hesitara em sacrificá-lo para salvaguardar o sono de toda a rua. Perante um tal sentido de sacrifício, até os próprios polícias ficaram confundidos.» (Texto na contracapa)


Albert Cossery, Os homens esquecidos de Deus
(«Les hommes oubliées de Dieu», 1927)
Trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa, 2002, p.129

maio 14, 2010



A página e meia de texto d'As cores da infâmia
acima transcrita é a notável abertura
do último romance de Cossery.

Uma viagem ao Cairo
que nenhuma agência
de viagens oferecerá! :)

maio 13, 2010

(continuação 11)

«De longe em longe chegava,
difundida pelos altifalantes,
a voz dos pregadores às portas
das mesquitas.»

(Fim da transcrição)

Albert Cossery, As cores da infâmia,
(«Les couleurs de l’infamie», 1999),
trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa, 2000

«... às portas das mesquitas.»

maio 12, 2010

(continuação 10)

«a consciência de estar simplesmente viva
parecia aniquilar nela qualquer outra consideração.»

(continua)

Albert Cossery, As cores da infâmia,
(«Les couleurs de l’infamie», 1999),
trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa, 2000

«a consciência de estar simplesmente viva...»

maio 11, 2010

(continuação 9)

«Contornando obstinadamente todos os obstáculos
e ciladas erguidos no seu caminho, esta populaça
que nada repelia e que nenhum objectivo
parecia atrair exclusivamente,

prosseguia o seu périplo
nos meandros da cidade
investida pela decrepitude

no meio dos silvos das buzinas,
da poeira, do lixo e dos charcos

sem denotar o menor sinal
de agressividade ou de protesto;

(continua)

Albert Cossery, As cores da infâmia,
(«Les couleurs de l’infamie», 1999),
trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa, 2000

«... esta populaça que nada repelia...»

maio 10, 2010

(continuação 8)

«Eléctricos cobertos de cachos humanos como num dia de revolução
abriam lentamente passagem sobre as linhas atravancadas
pela massa constrangedora de uma populaça
há muito tempo treinada na estratégia
da sobrevivência.»

(continua)

Albert Cossery, As cores da infâmia,
(«Les couleurs de l’infamie», 1999),
trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa, 2000

«... cobertos de cachos humanos...»

maio 09, 2010

(continuação 7)

«Em certos sítios, o rebentamento de um cano de esgoto
formava um pântano tão largo como um rio,
onde as moscas pululavam e de onde
saíam eflúvios de inomináveis
fedores.

Miúdos nus e sem vergonha achavam graça
em salpicar-se uns aos outros
com esta água putrefacta,
único antídoto contra o calor.»


(continua)

Albert Cossery, As cores da infâmia,
(«Les couleurs de l’infamie», 1999),
trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa, 2000

«Em certos sítios... »

«Miúdos nus e sem vergonha...»

maio 08, 2010

(continuação 6)

«A vetustez destas habitações
evocava a imagem de futuros túmulos
e dava a impressão, neste país altamente
turístico, de que aquelas ruínas indecisas
haviam adquirido por tradição valor de antiguidades
e permaneciam por consequência intocáveis.»

(continua)

Albert Cossery, As cores da infâmia,
(«Les couleurs de l’infamie», 1999),
trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa, 2000

«A vetustez destas habitações
evocava a imagem de futuros túmulos...»

maio 07, 2010

(continuação 5)

«Ladeando as artérias deixadas ao abandono
pelos serviços de conservação e limpeza,
imóveis prometidos a próximos desabamentos

(e cujos proprietários há muito
que tinham varrido do espírito
qualquer sobranceria de possidentes)

exibiam nas varandas e terraços convertidos
em abrigos precários os trapos coloridos
da miséria como se fossem
bandeiras de vitória.»

(continua)

Albert Cossery, As cores da infâmia,
(«Les couleurs de l’infamie», 1999),
trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa, 2000

«varandas e terraços convertidos
em abrigos precários...»

maio 06, 2010

(continuação 4)

«Nesta ambiência selvaticamente perturbada,
os carros avançavam como se fossem
engenhos sem condutor, sem ligar
às luzes dos semáforos,

transformando assim para o peão qualquer
veleidade de atravessar a rua
num gesto suicidário.»

(continua)

Albert Cossery, As cores da infâmia,
(«Les couleurs de l’infamie», 1999),
trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa, 2000

«Nesta ambiência selvaticamente perturbada,
os carros avançavam...»

maio 05, 2010

(continuação 3)

«Hordas de migrantes vindas de todas as províncias
— cheias de ilusões dementes sobre a prosperidade
de uma capital transformada em formigueiro —
tinham-se aglutinado com a população autóctone
e praticavam um nomadismo urbano
de um pitoresco desastroso.»

(continua)

Albert Cossery, As cores da infâmia,
(«Les couleurs de l’infamie», 1999),
trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa, 2000

«Hordas de migrantes vindas de todas as províncias...»

maio 04, 2010

(continuação 2)

«Impermeável ao drama e à desolação, esta chusma de gente
carreava uma espantosa variedade de personagens
pacificadas pela sua ociosidade;

operários sem trabalho, artesãos sem clientela,
intelectuais desinteressados da glória,
funcionários administrativos expulsos
das repartições por falta de cadeiras,

diplomados pela universidade vergados ao peso
de uma ciência estéril, enfim, os eternos trocistas,
filósofos amorosos da sombra e da quietude que dela emana,
para quem a deterioração espectacular da sua cidade
tinha sido especialmente concebida para
lhes aguçar o espírito crítico.»

(continua)

Albert Cossery, As cores da infâmia,
(«Les couleurs de l’infamie», 1999),
trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa, 2000

«... uma espantosa variedade de personagens
pacificadas pela sua ociosidade...»

«... funcionários administrativos expulsos
das repartições por falta de cadeiras...»

«... enfim, os eternos trocistas, filósofos amorosos
da sombra e da quietude que dela emana...»

maio 03, 2010

(continuação 1)

«Dir-se-ia que todos estes passeantes estóicos
sob a avalanche incandescente de um sol em fusão
mantinham, na sua vagabundagem infatigável,
uma benévola cumplicidade com o inimigo
invisível que minava os alicerces e
as estruturas de uma capital
outrora resplandecente.»

(continua)

Albert Cossery, As cores da infâmia,
(«Les couleurs de l’infamie», 1999),
trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa, 2000

«... o inimigo invisível que minava os alicerces e
as estruturas de uma capital outrora resplandecente.»

maio 02, 2010

«A MULTIDÃO HUMANA que deambulava ao ritmo descuidado
de um vaguear estival pelos passeios intransitáveis
da cidade milenária de Al Qahira, parecia
acomodar-se com serenidade, e até com
um certo cinismo, à degradação
incessante e irreversível
que a rodeava.»

(continua)



Albert Cossery, As cores da infâmia,
(«Les couleurs de l’infamie», 1999),
trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa, 2000

«... à degradação incessante e irreversível que a rodeava»

maio 01, 2010

Ando a ler, deliciado, os sete ou oito romances
escritos por Albert Cossery ao longo da sua vida
de emigrado em Paris até à sua morte, há já uns
dois anos, na sua provecta idade de nonagenário!

Figura notável, companheiro dos intelectuais
de Saint-Germain-des-Près, desde Albert Camus,
a Boris Vian, Juliette Greco e outros.





Conhecido como o "Voltaire do Nilo" :)
a sua prosa cuidada, rigorosa, expressiva,
transporta-nos para esse mundo subjugado
pela pobreza, a degradação e a miséria
da milenária cidade de Al-Qahira, no
Egipto pré e pós-revolucionário
de Abdel Nasser.