maio 16, 2010



«Sayed Karam deixava-se descer até este universo lúcido e transparente. Penetrava na rua com uma ternura comovida, a mesma ternura que teria manifestado por uma criatura sofredora. Também a rua lhe parecia extravagante, mas de uma extravagância pobre, resignada e abandonada a si própria. Era o produto calmo da matéria, e não dos caprichos de um cérebro transtornado. A matéria trabalhada, amassada e usada pelos homens que lhe tinham insuflado a alma. Em cada pedra do caminho, era visível a sua imagem desorientada e amedrontada. A rua exprimia a perturbadora angústia de uma colectividade; não era um indivíduo orgulhoso a gabar-se da sua história. Era humana e grande na sua aflição por gritar a dor de toda uma multidão. E Sayed Karam assistia impotente a este grito dos homens através da matéria.»


Albert Cossery, Os homens esquecidos de Deus
(«Les hommes oubliées de Dieu», 1927)
Trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa, 2002, p.129

2 comentários:

mdsol disse...

:)

vbm disse...

São todas excelentes
as singulares histórias
de albert cossery :)