«Sayed Karam deixava-se descer até este universo lúcido e transparente. Penetrava na rua com uma ternura comovida, a mesma ternura que teria manifestado por uma criatura sofredora. Também a rua lhe parecia extravagante, mas de uma extravagância pobre, resignada e abandonada a si própria. Era o produto calmo da matéria, e não dos caprichos de um cérebro transtornado. A matéria trabalhada, amassada e usada pelos homens que lhe tinham insuflado a alma. Em cada pedra do caminho, era visível a sua imagem desorientada e amedrontada. A rua exprimia a perturbadora angústia de uma colectividade; não era um indivíduo orgulhoso a gabar-se da sua história. Era humana e grande na sua aflição por gritar a dor de toda uma multidão. E Sayed Karam assistia impotente a este grito dos homens através da matéria.»
Albert Cossery, Os homens esquecidos de Deus
(«Les hommes oubliées de Dieu», 1927)
Trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa, 2002, p.129
(«Les hommes oubliées de Dieu», 1927)
Trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa, 2002, p.129
2 comentários:
:)
São todas excelentes
as singulares histórias
de albert cossery :)
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