agosto 31, 2014

Mas a sombra existir e não existir,
o que depende não só da matriz
mas de «haver sol ou não haver»,

continua a ser explicado pelo poeta,
nas fases II e III do poema
A folha e a sombra dela


(continua)

agosto 30, 2014

A  FOLHA  E  A  SOMBRA  DELA

Para maior facilidade de compreensão,
tomemos um exemplo: uma árvore
a que o Outono sucessivamente
arrebatou todas as folhas – menos uma.

Essa folha poupada pelo Outono
parece solitária na nudez da árvore.
Porém, se o sol abrir, logo projecta
uma sombra no chão.

Reparem, agora que justamente
acaba de abrir o sol:
a sombra da árvore, e algures no meio
da sombra dos ramos em desordem
a sombra da tal folha solitária.
É insofismável: ela está lá, existe.

Digamos, pois, que por ter umasombra,
a folha não está inteiramente só:
ela tem, cá em baixo, uma réplica exacta.
(Bem entendido: uma réplica incolor,
incorpórea. Mas deixemos isso agora,
que podia levar-nos muito longe.)

Para já, digamos apenas que, embora
dependendo da folha para existir,
a sombra é exterior a ela.
Uma espécie de alter ego à distância,
mas também algo que uma simples nuvem
que oculte o sol ocultará também.

Ou seja, a sombra existe e não existe:
isso não depende apenas de ter uma matriz,
mas também de haver sol ou não haver.

a.m. pires cabral, gaveta de fundo,
Lisboa, Tinta da China, 2013, p. 61-2

agosto 29, 2014

FECHOU  A  ESCOLA  EM  GRIJÓ

   Ao Frederico Amaral Neves

Dantes ouviam-se as crianças a caminho da escola
e eram como pássaros de som nas manhãs de Grijó.
Não eram muitas, mas as vozes joviais
davam sinal de que a aldeia resistia,
continha à distância o deserto que a ronda
como a alcateia ronda uma rês tresmalhada.


Agora as crianças, todas as manhãs,
são acondicionadas como mercadorias
numa viatura com vocação de furgoneta.
Lembram judeus amontoados
em vagões jota a caminho de algures.
Vão aprender em terra estranha o que os seus pais
e os pais dos seus pais aprenderam em Grijó.


a.m. pires cabral, gaveta de fundo,
Lisboa, Tinta da China, 2013, p. 33

agosto 28, 2014

SEARA

Qualquer lugar onde tenha havido trigo
guarda sempre dele algum sinal
que não deixa esquecer a antiga seara

— aquela que ondulava aos ventos de Maio
igual a um rebanho verde subindo encosta acima,
sem pastor nem cães para o guiar.
(Quem precisa de guias quando é Maio?)

Talvez se trate de uma questão de cheiro.
Ou de algum outro sentido
que ainda está por identificar.
Ou de uma espécie ignorada de memória
que se agarra ao lugar e nele persiste.

Seja o que for,
anda ainda no ar a presença de espigas
mesmo quando o desuso as expulsou
e ervas bravias lhes tomaram o lugar

– e por isso tanto nos magoa
toda a terra de que lavoura alguma
já não extrai o pão.

a.m. pires cabral, gaveta de fundo,
Lisboa, Tinta da China, 2013, p. 16






























Só conhecia de nome, a.m. pires cabral.
Mas folheando a [i]gaveta do fundo[/i]
fiquei encantado com a expressiva simplicidade
do que o poeta nos faz ver.

Destaco três poemas,
que me lembram como a agricultura
e a educação deste país desgovernado,
se desterritorializa e despovoa
num ensombramento progressivo
de «cinzas, pó e nada»!

agosto 08, 2014

agosto 05, 2014

O sistema (monetário) tem de ser mudado, não pode continuar a anarquia de o endividamento automaticamente equivaler a emissão de moeda. É verdade que a economia de um país não é nunca um reflexo mimético da economia de uma família - nem esta uma mimese da de um país como ensaiou o grupo Espírito  Santo! - mas, justamente por serem abordagens distintas importa ancorar o crédito e o endividamento a algum rigor que imponha a exigência de uma preferência por aplicações não apenas individual mas também colectivamente rentáveis! Antigamente, a sóbria e difícil extracção de ouro, disciplinava preços, valorizava poupanças e requeria boas taxas de retorno de investimento para avançar empréstimos.  Depois, a ligação do ouro ao dólar, nos acordos de Bretton Woods, prosseguiu mais aliviadamente essa disciplina. A partir da 2ª crise de petróleo de 1979, e dado o desgoverno em que o dólar já andava com a administração Nixon e a guerra do Vietnam, tudo se desregulou e o único critério de emprestar dinheiro passou a ser a especialidade dos investimentos puramente inflacionários em bolhas especulativas que arruínam países e populações. Ora, é bom que as respectivas explosões de bolhas passem também a rebentar como verdadeiras implosões nas mãos manipuladoras das próprias especulações, para que os bancos e os mutuantes aprendam a distinguir quem trabalha e produz a riqueza de um povo, de quem somente vigariza os incautos e aparvalhados zés ninguém!
"O bom gosto costuma ser sempre
um ante-gosto das palavras mais modestas.»

Nietzsche, in Para Além do Bem e do Mal
(«Jenseits von Gut und Böse»), trad.
de Hermann Pflüger, Guimarães Editores,
Lisboa, 1958, aforismo 186, p. 91