SEARA
Qualquer lugar onde tenha havido trigo
guarda sempre dele algum sinal
que não deixa esquecer a antiga seara
— aquela que ondulava aos ventos de Maio
igual a um rebanho verde subindo encosta acima,
sem pastor nem cães para o guiar.
(Quem precisa de guias quando é Maio?)
Talvez se trate de uma questão de cheiro.
Ou de algum outro sentido
que ainda está por identificar.
Ou de uma espécie ignorada de memória
que se agarra ao lugar e nele persiste.
Seja o que for,
anda ainda no ar a presença de espigas
mesmo quando o desuso as expulsou
e ervas bravias lhes tomaram o lugar
– e por isso tanto nos magoa
toda a terra de que lavoura alguma
já não extrai o pão.
a.m. pires cabral, gaveta de fundo,
Lisboa, Tinta da China, 2013, p. 16
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