agosto 28, 2014

SEARA

Qualquer lugar onde tenha havido trigo
guarda sempre dele algum sinal
que não deixa esquecer a antiga seara

— aquela que ondulava aos ventos de Maio
igual a um rebanho verde subindo encosta acima,
sem pastor nem cães para o guiar.
(Quem precisa de guias quando é Maio?)

Talvez se trate de uma questão de cheiro.
Ou de algum outro sentido
que ainda está por identificar.
Ou de uma espécie ignorada de memória
que se agarra ao lugar e nele persiste.

Seja o que for,
anda ainda no ar a presença de espigas
mesmo quando o desuso as expulsou
e ervas bravias lhes tomaram o lugar

– e por isso tanto nos magoa
toda a terra de que lavoura alguma
já não extrai o pão.

a.m. pires cabral, gaveta de fundo,
Lisboa, Tinta da China, 2013, p. 16

Sem comentários: