maio 22, 2010



«O HOMEM, alto e de ombros largos, estava de pé na quitanda,
qual múmia em seu sarcófago. Era uma lojeca estreita [ ];
estava cheia de frascos com essências aromáticas e unguentos
e de garrafinhas com elixires contra a impotência e a esterilidade.
[ ] Com gestos sabiamente medidos, o homem desarrolhou
uma minúscula garrafinha e apresentou-a ao olfacto
duma cliente, de pé na soleira da porta.

— Uma gotinha só deste perfume e os homens hão-de
ficar pelo beicinho e a morrer por ti — anunciou ele.
— Olha que não quero matar ninguém — respondeu
a mulher a rir. — É só para agradar ao meu marido.
— Nesse caso não ta vendo — disse o homem.
— Não te vendo porque tenho pena dele. Pelo menos doido fica.

— Aziago dia! Por que estás tu para aí com essas parvoíces?
Fico com ela. — Sendo assim, por ser para ti são só dez piastras.

— Dez piastras! Valha-me Alá! Queres decerto arruinar-me!
Olha, eu é que fico doida. Pega lá o dinheiro.
Apalpou as dobras da mélaia, tirou de lá um lenço,
desatou-o e contou a importância.
O comerciante entregou-lhe a garrafinha.
— Vais ver — disse ele. — Hás-de ficar-me
reconhecida eternamente. Nunca mais
o teu marido poderá repudiar-te,
há-de ser-lhe impossível viver
longe desse perfume.
— Pois sim, bastará ele cá vir buscar mais.
— Pelo Profeta! Julgas tu que eu lho vendia?!
A mulher foi-se embora com a garrafinha de perfume
e o homem virou-se então para [o interior da loja].»


:))

Albert Cossery, Mendigos e Altivos
(«Mendiants et Orgueilleux», 1955),
Trad. Júlio Henriques, Antígona,
Lisboa, 2002, pp.201-2

Sem comentários: