maio 21, 2010



(continuação)

«Era o chefe de escritório, um ancião quase cego.
Os óculos enormes, encavalitados no nariz,
davam-lhe parecenças de animal pré-histórico.

De rosto colado ao processo que ia folheando,
perguntou, em tom já resignado:

— O que é?
— Vou ausentar-me por instantes.
— Não faças cerimónia, meu filho. Acredita

que muita pena teremos não te vendo aqui.

A ironia da resposta não era coisa que fizesse El Kordi hesitar.
Estava dede há muito habituado a estas insolências oratórias.
E nem sequer ignorava que o chefe de escritório considerava
a sua saída benéfica; a presença de El Kordi só prejudicava
o bom andamento do trabalho. Era um mau exemplo para
os companheiros de infortúnio.

— Adeus a todos!
— Não te julgues obrigado a voltar — disse Ezedina Efêndi.

— Demora o tempo todo que for necessário.

El Kordi sacudiu os ombros e sem um olhar para os colegas,
murchos e anafados, pôs-se a andar.»

:)

(fim do extracto)

Albert Cossery, Mendigos e Altivos
(«Mendiants et Orgueilleux», 1955),
Trad. Júlio Henriques, Antígona,
Lisboa, 2002, pp. 115-16

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