(continuação)
«Era o chefe de escritório, um ancião quase cego.
Os óculos enormes, encavalitados no nariz,
davam-lhe parecenças de animal pré-histórico.
De rosto colado ao processo que ia folheando,
perguntou, em tom já resignado:
— O que é?
— Vou ausentar-me por instantes.
— Não faças cerimónia, meu filho. Acredita
que muita pena teremos não te vendo aqui.
A ironia da resposta não era coisa que fizesse El Kordi hesitar.
Estava dede há muito habituado a estas insolências oratórias.
E nem sequer ignorava que o chefe de escritório considerava
a sua saída benéfica; a presença de El Kordi só prejudicava
o bom andamento do trabalho. Era um mau exemplo para
os companheiros de infortúnio.
— Adeus a todos!
— Não te julgues obrigado a voltar — disse Ezedina Efêndi.
— Demora o tempo todo que for necessário.
El Kordi sacudiu os ombros e sem um olhar para os colegas,
murchos e anafados, pôs-se a andar.»
:)
(fim do extracto)
Albert Cossery, Mendigos e Altivos
(«Mendiants et Orgueilleux», 1955),
Trad. Júlio Henriques, Antígona,
Lisboa, 2002, pp. 115-16
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