maio 24, 2010

«Sentado na esplanada do café, Teymour sentia-se tão infeliz como um piolho na cabeça de um careca. Toda a sua atitude exprimia a ociosidade, o vazio mórbido, a desolação que lhe afectava a alma naquele instante memorável em que voltava a decobrir a sua cidade natal depois de seis anos de ausência no estrangeiro. [ ]

De ar completamente desvairado, parecia entorpecido pela dor; uma dor sufocante e que ia aumentando à medida que o seu olhar tentava assimilar com viva repugnância a ínsipida paisagem circundante. [ ]

De tempos a tempos, fechava os olhos, e o seu rosto tomava então uma expressão de êxtase nostálgico, como se ele se houvesse retirado para um mundo de gráceis recordações, um mundo a que ainda estava ligado por laços quase carnais.

Mas estes efémeros mergulhos num passado recente, [ ] mais não faziam do que aumentar-lhe a pena, pelo contraste que estabeleciam com a implacável realidade que o assaltava assim que reabria os olhos. [ ] ele tinha consciência do que o seu aspecto podia apresentar de estranho para os outros clientes [ ] que começavam a observá-lo com uma atenção inquieta.»

(continua)

Albert Cossery, Uma conjura de saltimbancos,
(«Un complot de saltimbanques», 1975),
trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa, 2001, pp. 7-8

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