maio 20, 2010



«ERAM ONZE DA MANHÃ. Sentado à secretária do Ministério das Obras Públicas, El Kordi entediava-se. [ ] As moscas esvoaçavam no escritório, vinham pousar-lhe no nariz. El Kordi tentou apanhar algumas, com a intenção de as entregar a atroz destino, mas a verdade é que elas levaram sempre a melhor. Estava de tal modo entontecido que nem agilidade tinha para este passatempo. Sem remédio, assenhoreou-se mais uma vez — vezes que já não tinham conta — do jornal parado em cima da secretária, e pôs-se de novo a percorrê-lo com os olhos. Enormes títulos proclamavam estar o mundo inteiro a armar-se, com vista a uma futura guerra. [ ] E que fazia ele, enquanto tais manobras se operavam? Ali ficava, sossegadamente sentado a uma secretária, vulmerável e sem defesa. Tinha de agir, de fazer qualquer coisa [ ] Levantou-se
— Ezedine Efêndi!»


(continua)


Albert Cossery, Mendigos e Altivos
(«Mendiants et Orgueilleux», 1955),
Trad. Júlio Henriques, Antígona,
Lisboa, 2002, pp. 115-16

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