novembro 04, 2009

Efeito da mais antiga religiosidade. — O homem irreflectido imagina que só a vontade é actuante; querer seria uma coisa simples, encarada tal como é, indeduzível, compreensível por si mesma. Este homem imagina que quando faz alguma coisa, quando, por exemplo, vibra um soco, é ele que bate, e que bateu porque o queria fazer. Não vê nisso nenhum problema; o sentimento de ter querido basta-lhe não somente para admitir a causa e o efeito mas ainda para imaginar que compreende a sua relação. Não sabe nada do mecanismo da acção, do cêntuplo e subtil trabalho que tem de ser efectuado para que chegue a bater, do mesmo modo que não imagina a capacidade total da vontade para operar a menor parte desse trabalho. A vontade é para ele uma força que age de maneira mágica: acreditar na vontade como na causa de efeitos é acreditar em forças que agem por magia. ( ) Os princípios «não há efeito sem causa» ( ), aparecem-nos como generalizações de princípios muito mais limitados, tais como estes: «agiu-se, quis-se» ( ); mas nos tempos primitivos da humanidade ( ) os primeiros não eram generalizações dos segundos, eram os segundos que eram interpretações dos primeiros. ( ) Contráriamente [aos que acreditam que o querer é simples e imediato] ponho os princípios seguintes: em primeiro lugar, para que um querer se forme é necessário que exista uma representação de prazer e de desprazer. Em segundo lugar: que uma violenta excitação produza uma sensação de prazer ou de desprazer, é assunto do intelecto interpretador, que, aliás, na maior parte das vezes, opera sem que o saibamos. Em terceiro lugar: só há prazer, desprazer e vontade nos seres intelectuais; a enorme maioria dos organismos ignora-os.

(Gaia Ciência, Livro III, § 127)

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