Causa e Efeito. — Costumamos empregar a palavra «explicação», e o que seria necessário dizer é «descrição», para designar aquilo que nos distingue de estágios anteriores de conhecimento e de ciência. Sabemos descrever melhor do que os nossos predecessores, explicamos tão pouco como eles. Descobrimos sucessões múltiplas nos pontos em que o homem e o sábio ingénuos das civilizações precedentes viam apenas duas coisas, «causa» e «efeito», como se dizia; aperfeiçoámos a imagem do devir, mas não fomos além dessa imagem. Em cada caso a série das «causas» apresenta-se-nos mais completa; deduzimos: é preciso que esta ou aquela coisa tenha sido precedida para que se lhe suceda outra; mas isso não nos leva a compreender nada. ( ) Só operamos com coisas que não existem, linhas, superfícies, corpos, átomos, tempos divisíveis e espaços divisíveis...; como havia de existir sequer possibilidade de explicar quando começamos por fazer de qualquer coisa uma imagem, a nossa imagem! ( ) aprendemos a descrever-nos a nós próprios cada vez mais exactamente descrevendo as coisas e a sua sucessão. Causa e efeito: trata-se de uma dualidade que decerto nunca existirá; assistimos, na verdade, a uma continuidade de que isolamos algumas partes; do mesmo modo que, do movimento, nunca percebemos mais do que pontos isolados, não o vemos, concluimos pela sua existência. ( ) Uma inteligência que visse causa e efeito como uma continuidade, e não, à nossa maneira, como um retalhar arbitrário, a inteligência que visse a vaga dos acontecimentos, negaria a ideia de causa e efeito e de qualquer condicionalidade.
(Gaia Ciência, Livro III, § 112)
(Gaia Ciência, Livro III, § 112)
2 comentários:
É isto. O Nietzsche aqui aborda essa problemática: o ser, na sua essência pode não ser separável, analiticamente considerado, mas sim uma unidade primordial qualquer, que nos está vedada parcialmente, guiando-nos nós pela razão.
Ainda assim, é racionalmente que considero ser-nos o mundo perceptível. E é deste modo que nos é permitido fazer incidir alguma luz verdadeira sobre a realidade (a nossa).
Bom domingo :)
:)
Do Bergson, passei a ver que sentido prossegue a inteligência: a percepção do real enquanto conotado favorável ou desfavoravelmente à sobrevivência. Igualmente, mostra como os sentidos seleccionam, isolam, os caracteres suficientes à certeza da conclusão.
Contudo, agora que parte da humanidade pode prolongada e duradoiramente abstrair da problemática da sobrevivência - e, talvez não, face à ameaça do desequilíbrio ecológico -, é de arriscar entender as coisas do mundo do modo mais alheado possível de existirmos ou não a fim de observar como as coisas se relacionam entre si, segundo a lógica da sua própria "objectualidade"... :)
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