janeiro 14, 2010

os mistérios de eleusis xxxii



Perséfona (séria): — A minha augusta e sábia mãe proibiu-mo.
«Não escutes a voz de Eros, disse-me, não colhas as flores do prado.
Senão, serás a mais miserável das Imortais!»

janeiro 13, 2010

os mistérios de eleusis xxxi



Eros (olhando-a inflamado): — Sim, Perséfona,
mas com uma condição, que primeiro vás
colher comigo uma flor no prado,
a mais bela de todas!

janeiro 12, 2010

os mistérios de eleusis xxx



Perséfona : — A minha ciência acaba aqui
e a memória falha-me. Ajudar-me-ás a
bordar a continuação?

janeiro 11, 2010

os mistérios de eleusis xxix



Eros: — Se as conheço! A história dos Deuses.
Mas, porque paras tu no Caos?
É lá que a luta começa.

Não irás bordar a guerra dos Titãs,
o nascimento dos homens
e os seus amores?

janeiro 10, 2010

os mistérios de eleusis xxviii



Perséfona : — Ver-me a mim própria! Seria possível?
(Cora.) Mas reconheces tu estas figuras?

janeiro 09, 2010

os mistérios de eleusis xxvii


Eros: — De boa vontade, eis-me ao teu lado e aos teus pés.
Que véu maravilhoso! Parece que mergulhou no azul dos teus olhos.
Que figuras admiráveis bordaste com as tuas mãos, menos belas
contudo que a divina bordadeira, que nunca se contemplou
a si própria num espelho. (Sorri maliciosamente.)

janeiro 08, 2010

os mistérios de eleusis xxvi



Perséfona (volta a sentar-se): — Dizem que és manhoso
e o teu rosto é a própria inocência; dizem-te todo
poderoso e pareces um frágil adolescente;
dizem-te traiçoeiro, e quanto mais
te olho nos olhos, mais o meu
coração desabrocha,
e mais confiança sinto por ti,
belo jovem alegre. Dizem que és sábio

e hábil. Podes ajudar-me a bordar este véu?

janeiro 07, 2010

os mistérios de eleusis xxv



Eros (sai do bosque na forma
de um adolescente alado
):

—Chamas-me, Perséfona?
Estou aqui.

janeiro 06, 2010

os mistérios de eleusis xxiv



O coro: — Desgraçada! Detém-te!

janeiro 05, 2010

os mistérios de eleusis xxiii



Perséfona (tira as mãos do rosto, que mudou de expressão;
sorri através das lágrimas): — Patetas que sois!
Insensata que eu era! Lembro-me agora,
ouvi-o dizer nos mistérios olímpicos:
Eros é o mais belo dos Deuses;

sobre um carro alado
preside às evoluções dos Imortais,
na mistura das primeiras essências.

É ele que conduz os homens ousados, os heróis,
do fundo do Caos aos cumes do Éter. Ele sabe tudo;
como o Príncipe-Fogo, atravessa os mundos e
tem as chaves do céu e da terra!
Quero vê-lo!

janeiro 04, 2010

A cantora Lhasa de Sela morreu



When my lifetime had just ended
And my death had just begun
I told you I'd never leave you
But I knew this day would come

Give me blood for my blood wedding
I am ready to be born
I feel new
As if this body were the first I'd ever worn

I need straw for the straw fire
I need hard earth for the plow
Don't ask me to reconsider
I am ready to go now

I'm going in I'm going in
This is how it starts
I can see in so far
But afterwards we always forget
Who we are

I'm going in I'm going in
I can stand the pain
And the blinding heat
'Cause I won't remember you
The next time we meet

You'll be making the arrangements
You'll be trying to set me free
Not a moment for the meeting
I'll be busy as a bee

You'll be talking to me
But I just won't understand
I'll be falling by the wayside
You'll be holding out your hand

Don't you tempt me with perfection
I have other things to do
I didn't burrow this far in
Just to come right back to you

I'm going in I'm going in
I have never been so ugly
I have never been so slow
These prison walls get closer now
The further in I go

I'm going in I'm going in
I like to see you from a distance
And just barely believe
And think that
Even lost and blind
I still invented love

I'm going in
I'm going in
I'm going in

os mistérios de eleusis xxii



O coro: — Oh! Virgem divina, não é senão um sonho, mas
tomará conta do teu corpo, e tornar-se-á uma realidade
inelutável, e o teu céu desaparecerá como um sonho vão,
se tu cedes ao teu desejo culpável.

Obedece a esse aviso saudável, retoma a tua agulha e
tece o teu véu. Esquece o astucioso, o impudente,
o criminoso Eros!

janeiro 03, 2010

os mistérios de eleusis xxi



Perséfona - (com os olhos fixos no vazio e cheios de espanto):
— Será uma recordação? Será um pressentimento terrível?
O Caos… os homens…. o abismo das gerações,
o grito das paridelas, os clamores furiosos

do ódio e da guerra… a agonia da morte!

Compreendo, vejo tudo isso,

e esse abismo atrai-me,
toma-me, preciso sair.

Eros nele me mergulha com a sua tocha incendiária.
Ah! vou morrer! Para longe este sonho horrível!
(Cobre o rosto com as mãos e soluça.)

janeiro 02, 2010



Advertido pelo que do filme disse analima dos Dias Imperfeitos,
fui ver Parlez-moi de la pluie de Agnès Jaoui
com Jean-Pierre Bacri, ambos judeus,
franceses, ela natural da Tunísia,
ele da Argélia.

Já conhecia J.-P. Bacri do notável filme
Le goût des autres e esperei assim
um belo momento de cinema:
- e foi! Talvez não perdesse
em ser um pouco mais
intelectualizado...

mas é realmente
uma estória singela
contada com grande
maestria, graça
e beleza.

:))

- Sem dúvida, aquele repórter
cinematográfico conseguia
pôr à vontade os entrevistados.

Só era desastroso, por afinal,
não os conseguir sequer filmar!

lol

os mistérios de eleusis xx



O coro: — Não procures saber mais.
As questões perigosas foram a perdição
dos homens e mesmo dos Deuses.

janeiro 01, 2010

os mistérios de eleusis xix



Perséfona (levanta-se e afasta o véu): — Eros!
O mais antigo e contudo o mais jovem dos Deuses,
fonte inesgotável de alegria e choro
— pois, assim me falaram de ti —
deus terrível,

o único desconhecido e invisível dos Imortais,
o único desejável, misterioso Eros!

que perturbação, que vertigem
me assalta ao teu nome!

dezembro 31, 2009

os mistérios de eleusis xviii



As ninfas: — Não penses nisso. Porquê essa vã questão?

dezembro 30, 2009

Música recolhida numa
das melhores "emissoras"
da blogspotsphere,

a pretérito mais-que-perfeito

os mistérios de eleusis xvii



Perséfona: — Sobre este véu azul de dobras intermináveis,
bordo, com a minha agulha de marfim, as figuras
inumeráveis dos seres e de todas as coisas.

Terminei a história dos Deuses:
bordei o Caos terrível de
cem cabeças e
mil braços.

Dele deverão surgir os seres mortais.
Quem, então, os fez nascer?

O Pai dos Deuses disse-me que foi Eros.
Mas nunca o vi, ignoro a sua forma.

Assim, quem me pintará o seu rosto?

dezembro 29, 2009

os mistérios de eleusis xvi



O coro das ninfas: — Ó Perséfona! Ó Virgem, Ó casta noiva
do Céu, que bordas as figuras dos Deuses no teu véu,
possas tu nunca conhecer as ilusões vãs
e os inúmeros males da terra.

A eterna Verdade sorri-te. O Teu esposo celeste, Dionisos,
espera-te no Empíreo. Por vezes ele aparece-te sob a forma
de um sol longínquo; seus raios acariciam-te;
respira o teu sopro e bebes a sua luz…

Antecipadamente, vós vos possuís!…
Ó Virgem, quem é mais feliz do que tu?

dezembro 28, 2009

os mistérios de eleusis xv



Perséfona: — Sim, mãe augusta e respeitável,
por essa luz que te envolve e que me é cara,
prometo-o, e que os Deuses me castiguem
se não cumprir o meu juramento.

dezembro 27, 2009

os mistérios de eleusis xiv



Deméter: — Filha amada dos Deuses,
conserva-te nesta gruta até eu regressar
e borda o meu véu.

O céu é a tua pátria e o universo é teu.
Tu vês os Deuses; eles acorrem à tua chamada.

Mas não escutes a voz de Eros, o ardiloso,
de olhar suave e pérfidos conselhos.

Guarda-te de sair da gruta e
nunca colhas as sedutoras flores da terra;
o seu perfume perturbador e funesto
far-te-ia perder a luz do sol
e até a memória.

Borda o meu véu e
sê feliz até ao meu regresso
com as ninfas tuas companheiras.


Então, no meu carro de fogo, atrelado de serpentes,
levar-te-ei aos esplendores do Éter, sob a via láctea.

dezembro 26, 2009

os mistérios de eleusis xiii



Hermes: — Deméter dá-nos dois presentes maravilhosos:
os frutos, para que não vivamos como os animais e a iniciação
que dá uma esperança mais doce a todos que nela participam.

Prestai atenção às palavras que ides ouvir e às coisas que ides ver.

dezembro 25, 2009

os mistérios de eleusis xii



Chegavam dois a dois, a uma clareira.
Ao fundo viam-se rochas e uma gruta. Á frente,
um prado com ninfas deitadas em volta de uma fonte.

Ao fundo da gruta, avistava-se Perséfona, sentada num trono,
nua até à cintura como uma Psiqué, o seu busto esbelto
emergindo casto de uma túnica enrolada como
um vapor de azul nos seus flancos.

Ela parecia feliz, inconsciente da sua beleza
e bordando um longo véu de fios multicores.

Deméter, sua mãe, está de pé,
perto dela, com o ceptro na mão.

dezembro 24, 2009

os mistérios de eleusis xi



Vários dias passavam-se a seguir
em abluções, orações e instrução.

Na noite do último dia, os neófitos
reuniam-se na parte mais secreta
do bosque sagrado para aí
assistir à ascensão
de Perséfona.

dezembro 23, 2009

os mistérios de eleusis x



E declaravam com gestos solenes:

«Ó aspirantes dos Mistérios, eis que estais na morada de Proserpina.
Tudo que ides ver, vai surpreender-vos. Aprendereis
que a vida presente não é mais do que um manto
de sonhos mentirosos e confusos.

O sono que vos envolve numa zona de trevas,
arrasta os vossos sonhos e os vossos dias na sua corrente,
como nuvens passageiras que se desfazem ao olhar.

Mas no além, estende-se uma zona de luz eterna.

Que Perséfona vos seja propícia e
ela mesmo vos ensine a franquear o rio das trevas
e a penetrar até à Deméter Celeste.»

dezembro 22, 2009

os mistérios de eleusis ix



Então as sacerdotisas de Proserpina
saíam do templo em túnicas imaculadas,
braços nus, coroadas de narcisos.

Então alinhavam ao alto da escadaria
e entoavam uma melodia grave ao modo dórico.

dezembro 21, 2009

Solstício de Inverno

Em 2009, o Solstício de Inverno ocorre no dia 21 de Dezembro às 17h47m. Este instante marca o início do Inverno no Hemisfério Norte, a estação mais fria do ano, que se prolonga por 88,99 dias. A Primavera chegará com o próximo Equinócio, no dia 20 de Março de 2010 às 17h32m.

Os solstícios (em Junho e Dezembro) são os pontos da eclíptica em que o Sol atinge as posições máxima e mínima de altura em relação ao equador, isto é, pontos em que a declinação do Sol atinge extremos: máxima no solstício de Verão e mínima no solstício de Inverno.

in Modus Vivendi

os mistérios de eleusis viii



Conduzia os principiantes
a um pequeno templo de colunas jónicas
dedicado à grande virgem Perséfona.

O gracioso santuário escondia-se ao fundo
de um vale tranquilo, no meio de um bosque sagrado.

dezembro 20, 2009



Gracias a tu cuerpo hoy
Por haberme esperado
Tuve que perderme pa'
llegar hasta tu lado

Gracias a tus brazos hoy
Por haberme alcanzado
Tuve que alejarme pa'
llegar hasta tu lado

Gracias a tus manos hoy
Por haberme aguantado
Tuve que quemarme
Pa'llegar hasta tu lado

os mistérios de eleusis vii



Os pequenos mistérios celebravam-se todos os anos
em Fevereiro, num burgo vizinho de Eleusis.

Os aspirantes eram recebidos por
um padre assimilado a Hermes.

Este era o guia, o mediador,
o intérprete dos mistérios.

dezembro 19, 2009

os mistérios de eleusis vi



A história de Psiqué-Perséfona
era para cada alma uma revelação surpreendente.

A vida explicava-se como uma expiação ou uma prova.

Aquém e além do seu presente terrestre, o homem
descobria um passado e um futuro divinos.

dezembro 18, 2009

os mistérios de eleusis v



No seu íntimo, o mito é a representação simbólica
da história da alma, a sua descida ao mundo material,
os sofrimentos nas trevas do esquecimento, depois
a sua reascensão e regresso à vida divina:
o drama da queda e redenção
na forma helénica.

dezembro 17, 2009

os mistérios de eleusis iv



O mito de Céres e sua filha Proserpina
forma o núcleo do culto de Eleusis.

Toda a iniciação roda e desenvolve-se
em volta do círculo luminoso.

dezembro 16, 2009

os mistérios de eleusis iii



Os padres de Eleusis ensinaram sempre a grande doutrina
esotérica que lhes viera do Egipto. Mas, no decurso
das idades revestiram-na do encanto de uma
mitologia plástica e fascinante.

Por uma arte subtil e profunda, esses sedutores
souberam servir-se das paixões terrestres
para exprimir as ideias celestes.

dezembro 15, 2009

os mistérios de eleusis ii



Se o povo reverenciava em Céres a terra mãe
e a deusa da agricultura, os iniciados
viam-na como a luz celeste, mãe das almas,
e a inteligência divina, mãe dos Deuses cósmicos.

O seu culto era servido por sacerdotes da Ática.


Diziam-se filhos da Lua, quer dizer,
mediadores entre a Terra e o Céu,
oriundos da esfera onde
se encontra a ponte

pela qual as almas descem e sobem.

dezembro 14, 2009

os mistérios de eleusis i

Porque aí vem mais um Natal
e um Solstício de Inverno
vou recontar e registar
neste blog

a bela estória
de Deméter e Perséfona,
um dos mitos natalícios
dos Mistérios de Elêusis




Os mistérios de Eleusis foram, na antiguidade grega e latina,
objecto de uma veneração especial. Em tempos imemoriais,
uma colónia grega vinda do Egipto trouxe à tranquila baía
de Eleusis o culto da grande Ísis sob o nome de Deméter
ou a mãe universal.

Desde então Eleusis conservou-se um centro de iniciação.
Deméter e sua filha Perséfona presidiam aos grandes mistérios.

dezembro 13, 2009



Nunca pensei assistir na vida
a um concerto de José Cid!
Não é que o ache mau cantor
e compositor: não acho; e

orgulho-me que ele contrarie,
com a sua criatividade
e talento, esse predomínio
asfixiante da música anglo-
-saxónica: é com produtores
como José Cid que se contribui
para substituir importações!

O facto é que nunca me moveria
a ir a ouvi-lo, salvo a circunstância
inesperada de ter sido convidado
para acompanhar duas senhoras,
todos nós, elas, eu e o Cid cantor,
todos da mesma idade e geração.

Gostei de ver que o artista
tem o seu auditório fiel;
é um prazer ver o prazer
das pessoas, felizes com o seu
ídolo! :) Uma coisa, porém,
é deplorável: o volume imbecil
das colunas de som! Para quando
a Asae dos espectáculos musicais!?

:)

dezembro 11, 2009



«Não tenho sentimento nenhum político ou social.
Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico.
Minha pátria é a língua portuguesa.

Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal,
desde que não me incomodassem pessoalmente.

Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto,
não quem escreve mal português, não quem não sabe sintaxe,
não quem escreve com ortografia simplificada,

mas a página mal escrita, como pessoa própria,
a sintaxe errada, como gente em que se bata,
a ortografia sem ípsilon, como o escarro directo
que me enoja independentemente de quem o cuspisse.

Sim, porque a ortografia também é gente.
A palavra é completa vista e ouvida.

E a gala da transliteração greco-romana
veste-ma do seu vero manto régio,
pelo qual é senhora e rainha.»


Bernardo Soares, Livro do Desassossego,
Assírio & Alvim, ed. Richard Zenith,
Lisboa 1998, #259.

dezembro 10, 2009



Coração! Esquecê-lo-emos!
Tu e eu – esta noite!
Tu poderás esquecer o calor que nos deu –
Eu esquecerei a luz!

Quando o tiveres feito, peço-te que me digas
Para que eu possa recomeçar!
Apressa-te! Senão, enquanto te demoras
Lembrá-lo-ei!

------ // ------

Heart! We will forget him!
You and I – tonight!
You may forget the warmth he gave –
I will forget the light!

When you have done, pray tell me
That I may straight begin!
Haste! Lest while you're lagging
I remember him!


Emily Dickinson (1830-86), Poemas
Trad. Nuno Júdice, Ed. Cotovia, Lisboa, 2000

dezembro 09, 2009



Pois meus olhos não deixam de chorar
Tristezas que não cansam de cansar-me
Pois não abranda o fogo em que abrasar-me
Pode quem eu jamais pude abrandar
Não canse o cego amor de me guiar
A parte donde não saiba tornar-me
Nem deixe o mundo todo de escutar-me
Enquanto me a voz fraca não deixar
E se em montes, em rios, ou em vales
Piedade mora ou dentro mora amor
Em feras, aves, plantas, pedras, águas
Ouçam a longa história de meus males
E curem sua dor com minha dor
Que grandes mágoas podem curar mágoas


Ana Moura canta Camões

dezembro 08, 2009



Eu amo o amor.
O amor é vermelho.
O ciúme é verde.
Meus olhos são verdes.
Mas são verdes tão escuros que na fotografia saem negros.
Meu segredo é ter os olhos verdes e ninguém saber.


Clarice Lispector, Onde estiveste de noite,
Relógio d'Água, s/d, p. 72

dezembro 07, 2009



Toda a beleza sente-se no ventre,
mesmo a que a janela traz aos olhos
ou os instrumentos de som deixam no ouvido.
Tudo o que a mão palpa, com doçura ou ardor,
tudo o que nos comove ou nos exalta
ata-nos no ventre um nó dentro do corpo.


(fiama hasse pais brandão)

dezembro 06, 2009


Denis, M., La dormeuse ou jeune fille endormie (1892)
imagem in Branco no Branco

«O silêncio brilha acariciado.»

Eugénio de Andrade,
As nascentes da ternura,
in "Ostinato Rigore"

dezembro 05, 2009

Na pré-adolescência
do tempo de Salazar,


Sabe-se lá,
Frederico Valério,
Silva Tavares,
Amália Rodrigues



Lá porque ando em baixo agora
Não me neguem vossa estima
Que os alcatruzes da nora
Quando chora
Não andam sempre por cima
Rir da gente ninguém pode
Se o azar nos amofina
E se Deus não nos acode
Não há roda que mais rode
Do que a roda da má sina.

Sabe-se lá
Quando a sorte é boa ou má
Sabe-se lá
Amanhã o que virá
Breve desfaz - se
Uma vida honrada e boa
Ninguém sabe, quando nasce
Pró que nasce uma pessoa.

O preciso é ser-se forte
Ser-se forte e não ter medo
Eis porque às vezes a sorte
Como a morte
Chega sempre tarde ou cedo
Ninguém foge ao seu destino
Nem para o que está guardado
Pois por um condão divino
Há quem nasça pequenino
Pr'a cumprir um grande fado.

dezembro 04, 2009


«Se tudo é cognoscível a quem está no reino
do conhecimento com as beatas palavras (felizes)
geradas no horizonte, a tarde esplêndida
acende como uma tocha a madrugada. Este silêncio
místico prepara a tábua rasa das comparações.»



(fiama hasse pais brandão)

dezembro 03, 2009

Gosto :):

dezembro 02, 2009

«Tive sempre uma repugnância física pelas coisas secretas
— intrigas, diplomacia, sociedades secretas, ocultismo.
Sobretudo me incomodaram sempre estas duas últimas coisas
— a pretensão, que têm certos homens, de que, por entendimentos
com Deuses ou Mestres ou Demiurgos, sabem — lá entre eles,
exclusos todos nós outros — os grandes segredos
que são os caboucos do mundo.

Não posso crer que isso seja assim.
Posso crer que alguém o julgue assim.
Por que não estará essa gente toda doida, ou iludida?
Por serem vários? Mas há alucinações colectivas.

O que sobretudo me impressiona,
nesses mestres e sabedores do invisível,
é que, quando escrevem para nos contar
ou sugerir os seus mistérios,
escrevem todos mal.

Ofende-me o entendimento
que um homem seja capaz de dominar o Diabo
e não seja capaz de dominar a língua portuguesa.

Por que há o comércio com os demónios
ser mais fácil que o comércio com a gramática?»

Bernardo Soares

dezembro 01, 2009


«Era uma vez uma ausência
que andava em missão de viagem.

Quando chegava a uma encruzilhada
dava três voltas sobre si própria
para perder por completo
a noção do caminho
por onde viera

atingindo assim com regularidade
as regiões efémeras do esquecimento.


Depois regressava a casa.»

:))

ana hatherly, 463 tisanas,
Quimera, 2006, #72

novembro 30, 2009



Não sei se precisamos de notícias; precisamos,
Certamente, de saber. O jornal apaga os passos
Que foi dando, ficando à espera de que haja mais.
O espaço vazio é mero arquivo. Decorrido um
Ror de tempo nessa aventura (tendo-lhe eu, entretanto,
Pago uma fortuna), as notícias sempre e sempre,
Vai tornando o saber mais evasivo. «Não sei que
Pensar», não é certamente um objectivo.

:)


Maria Gabriela Llansol, O começo de um livro é precioso
Assírio & Alvim, Lisboa, 2003, p.103

novembro 29, 2009


Imagem: pesquisa google

«Uma voz, em face da sua mente, é muito susceptível
De ser influenciada. Antes de mais, pela mente. Tornar-
-Se uma mera incandescência. O rebordo do tom,
A inteligência com que se coloca, a certeza
Da frequência de onda, servem-se, todavia, mutuamente.
Mente e voz, vi-as hoje deitadas na mesma cama. Dormiam
A sesta, uma na outra envoltas. Não era necessário sonhar
Na luz branca. Depois, levantaram-se daquele amor,
E foram sentar-se à mesma mesa. Na toalha branca
Que partilham, a alvura cruzada com a limpidez dos
Copos é a imagem nua que sente. Sua qualidade ___
É difusa e, no entanto, focalizada.»

Maria Gabriela Llansol, O começo de um livro é precioso
Assírio & Alvim, Lisboa, 2003, p.138

novembro 28, 2009

Não lhe seguindo o exemplo,
uma bela fotografia de gabriela llansol



«Não me esqueço de que preferes que não se fale de ti
porque receias uma imagem que te guarde.

Mas, com todo o rigor,
um rosto que volta
é uma imagem que se desfaz.

A fonte é sempre a mesma
mas o aspecto adianta-se, imprevisível;

a tal ponto que a vontade se exerce,
não a captar a imagem,
mas a desposar a força que a gerou.»

Mª Gabriela Llansol,
Contos do mal errante

novembro 27, 2009

Em contraponto,
Torga implacável,
lúcido e inconformado:


BALADA DA MORGUE

Olho este corpo morto aqui deitado
E sinto impulsos de beijá-lo e ter
Como ele não sei que enfado
Por quem vive e quer viver

Que bruta sinceridade!
Que vaidade!
Que mentira! Que verdade!
Todo nu! Só tatuado
De livores,
Arco-íris gangrenado,
De mil cores.

Não é de mulher, não é;
Nem de homem, nem de animal
Irracional.
É de anjo predestinado
Que foi sacrificado
Para dar a noção exacta da renúncia.

Ai dos enclausurados em sarcófagos!
Ai de quem morre vestido!
Nesta luxúria da morgue
Há todo o satanismo
Que nos foi prometido
No final...
São os gestos parados,
Os olhos vidrados,
Os ouvidos tapados,
Os sexos castrados,
E por cima de tudo o silêncio das bocas.

Quero
Amar este sol da terra
Que mostra o calor do céu.
O alto céu onde mora
Um Deus que na mesma hora
Nos criou e nos perdeu.


Miguel Torga, Rampa (1930)
in "Antologia Poética"
Gráfica de Coimbra,

4ª ed.,1994, p.19

novembro 25, 2009

Outro dia olhei pra os teus olhos, ó Vida!
E pareceu-me que me afundava no insondável.

Mas tu pescaste-me cá p’ra fora com um anzol de ouro;
riste escarninha, quando eu te chamei insondável.

«É o que dizem todos os peixes», disseste tu;
«o que eles não podem sondar, é insondável».

Mas eu sou apenas mutável e bravia,
e em tudo mulher, e nada virtuosa.

Embora vós homens me chameis «profunda» ou
«fiel», ou «eterna», ou «misteriosa».

«Mas vós, homens, presenteais sempre
com as vossas próprias virtudes, ó virtuosos!»

Assim se ria ela, a incrível; mas eu nunca creio nela
nem no seu riso quando diz mal de si mesma.


E quando um dia eu estava a falar a sós com a minha brava

..................................................................................Sabedoria,
disse-me ela, colérica: «Tu queres, tu desejas, tu amas, e
é só por isso que tu louvas a Vida!»

Quase lhe ia dando uma má resposta,
dizendo a verdade à minha Sabedoria encolerizada;
e não há pior resposta
do que «dizermos a verdade» à nossa Sabedoria.

São assim as relações entre nós três.
Do fundo, do fundo amo apenas a Vida
— e, em verdade, amo-a mais quando a odeio!

Mas se gosto também da Sabedoria
(e por vezes demasiado),
é porque ela me faz lembrar muito a Vida!

Tem os olhos dela, o mesmo riso
e até a mesma caninha de pescar, de ouro:
que culpa tenho eu que ambas se pareçam tanto?


E quando uma vez a Vida me perguntou: Quem é essa

......................................................................Sabedoria?
— respondi vivamente: «Ah, sim! a Sabedoria!

Tem-se sede dela e nunca se fica satisfeito,
olha-se através de véus, lança-se a mão a redes.

Se é bela? Que sei eu!
Mas ainda serve de isca às carpas mais velhas.

É mutável e caprichosa;
muitas vezes a vi morder o beiço
e pentear-se a arrepia-pelo.

Talvez seja má e falsa,
e mulher em tudo;
mas quando diz mal de si mesma é quando é mais sedutora.»


Quando isto disse à Vida, riu-se ela maldosa, cerrando
............................................................................os olhos.
«De quem é que estás tu a falar?» — disse ela —
«de mim, sem dúvida?

E mesmo que tivesses razão —
é coisa que se me diga assim na cara?
Mas agora fala-me lá da tua Sabedoria!»

Ai, e então abriste de novo os olhos ó Vida amada!
E de novo me pareceu que me afundava no insondável.


:)))

(Assim cantou Zaratustra, poema em prosa)

novembro 24, 2009



Blog Instigante

A Grande Jóia atribuiu-me este selo de reconhecimento. Sensibilizado, agradeço com o meu muito obrigado. Este prémio visa distinguir os «blogs que, além da assiduidade das postagens e do esmero com que são feitos, nos provocam a necessidade de reflectir, questionar, aprender e – sobretudo – que instigam almas e mentes à procura de conhecimento e sabedoria.», pelo que indico aquele que me instiga a reflectir para lá de qualquer pseudo evidência dogmática...

Catharsis

novembro 23, 2009

Lembrando Montesquieu,
evocado no blog
ângulo recto


«Um homem sincero na corte de um príncipe
é um homem livre entre escravos.»


Montesquieu

novembro 21, 2009

Livro. — O que é um livro que nem mesmo sabe levar-nos para além de todos os livros?

(Gaia Ciência, Livro III, § 248)

novembro 11, 2009


Café Guarany,
o meu 'poiso'
nos próximos dias!

:))

novembro 10, 2009



«Ao escrever sobre mim na 1ª pessoa, sufocara-me
e tornara-me invisível, o que me impedia de
encontrar aquilo que buscava.»
(p.72)

Eis onde cessa a expressão pela palavra
por a paixão obliterar a percepção da realidade

«Gwyn era uma fogueira de beleza, um ser incandescente,
uma tempestade no coração de todo e qualquer homem
que parasse a apreciá-la, e aquele instante em
que a vi pela primeira vez é, sem dúvida,
um dos mais assombrosos momentos
da minha vida.»
(p.191)

Mas, na ficção, como na vida,
o imprevisível acontece

«O revólver estava apontado a nós e, sem mais
nem menos, numa simples fracção de segundo,
o universo inteiro tinha mudado.»
(p.52)

Porque o que parece improvável,
não é menos real do que tudo
o que é possível

«… parecia-me improvável [ ] Porém,
as probabilidades não contam quando se trata
de acontecimentos reais, e só porque é improvável
que determinada coisa aconteça, não podemos concluir
que não acontecerá.»
(p.15)


Assim, o novo romance de Paul Auster,
intermediando o consequente com o imprevisto,
o lógico com o surpreendente,
numa narrativa fluente
mas de sentido


indecidido,
nem falso nem verdadeiro.

novembro 08, 2009

A propósito da clareza. — Quando se escreve é não somente para ser compreendido, mas também para não o ser. Um livro não fica diminuído pelo facto de um indivíduo qualquer o achar obscuro: ( ) Qualquer espírto um pouco distinto, qualquer gosto um pouco elevado escolhe os seus auditores; ao escolhê-los fecha a porta aos outros. As regras delicadas de um estilo nascem todas daí: são feitas para afastar, para manter a distância, para condenar o «acesso» de uma obra; para impedir alguns de compreender, e para abrir o ouvido aos outros, os tímpanos que nos são parentes.

Quanto a mim, digo-o aqui para nós, não permitirei nem à minha ignorância nem à minha vivacidade que me impeçam de vos ver claramente, ó meus amigos: ( ) Porque me sirvo dos problemas profundos como se fossem banhos frios: mal entro, saio logo. Este método, há-de dizer-se, impede de descer o suficiente, de ir ao fundo? trata-se de superstição de hidrófobo ( ) falam sem experiência. Ah! se soubessem como o frio torna as pessoas ágeis!... E de resto, diga-se de passagem: acreditais realmente que uma coisa se mantenha obscura porque não fizemos mais do que aflorá-la, deitar-lhe um olhar de passagem, lançar-lhe uma vista de olhos de pasagem? ( ) Há pelo menos certas verdades ( ) que só é possível apanhá-las de surpresa: é surpreender ou largar... Enfim a minha exigência tem outra vantagem: ( ) sou forçado a ser muitas vezes rápido para que me compreendam ainda mais rápidamente.

Eis o que diz respeito à minha brevidade; já o mesmo não sucede tão brilhantemente com a minha ignorância, que não dissimulo. ( ) O que vem a ser necessário para que um espírito se alimente? nenhuma fórmula pode responder à pergunta, mas ( ). Não é a gordura que um bom dançarino pretende obter da sua alimentação ( ) ... e não conheço nada que um filósofo goste mais do que ser um bom dançarino.

(Gaia Ciência, Livro V, § 381)

novembro 06, 2009


E por hoje me terem lembrado Fernando Pessoa,
aqui deixo o superior texto 199 do Desassossego:


«[ ] Porque um dos detalhes característicos
da minha atitude espiritual é que a atenção
não deve ser cultivada exageradamente,
e mesmo o sonho deve ser olhado alto,
com uma consciência aristocrática
de o estar fazendo existir.

Dar demasiada importância ao sonho
seria dar demasiada importância, afinal,
a uma coisa que se separou de nós próprios,
que se ergueu, conforme pôde, em realidade,
e que, por isso, perdeu o direito absoluto
à nossa delicadeza para com ela.»

(edição de Richard Zenith)

Soberbo!
:))

novembro 04, 2009

Efeito da mais antiga religiosidade. — O homem irreflectido imagina que só a vontade é actuante; querer seria uma coisa simples, encarada tal como é, indeduzível, compreensível por si mesma. Este homem imagina que quando faz alguma coisa, quando, por exemplo, vibra um soco, é ele que bate, e que bateu porque o queria fazer. Não vê nisso nenhum problema; o sentimento de ter querido basta-lhe não somente para admitir a causa e o efeito mas ainda para imaginar que compreende a sua relação. Não sabe nada do mecanismo da acção, do cêntuplo e subtil trabalho que tem de ser efectuado para que chegue a bater, do mesmo modo que não imagina a capacidade total da vontade para operar a menor parte desse trabalho. A vontade é para ele uma força que age de maneira mágica: acreditar na vontade como na causa de efeitos é acreditar em forças que agem por magia. ( ) Os princípios «não há efeito sem causa» ( ), aparecem-nos como generalizações de princípios muito mais limitados, tais como estes: «agiu-se, quis-se» ( ); mas nos tempos primitivos da humanidade ( ) os primeiros não eram generalizações dos segundos, eram os segundos que eram interpretações dos primeiros. ( ) Contráriamente [aos que acreditam que o querer é simples e imediato] ponho os princípios seguintes: em primeiro lugar, para que um querer se forme é necessário que exista uma representação de prazer e de desprazer. Em segundo lugar: que uma violenta excitação produza uma sensação de prazer ou de desprazer, é assunto do intelecto interpretador, que, aliás, na maior parte das vezes, opera sem que o saibamos. Em terceiro lugar: só há prazer, desprazer e vontade nos seres intelectuais; a enorme maioria dos organismos ignora-os.

(Gaia Ciência, Livro III, § 127)

novembro 03, 2009


Modigliani, imagem in Modus Vivendi
«Nenhuma depressão acompanha o prazer.»

André Breton, O amor louco, («L’amour fou», 1937)

novembro 02, 2009

INTERPRETAÇÃO

Se me explico, então me implico:
A mim mesmo não me posso interpretar.
Mas quem suba o seu próprio caminho,
A minha imagem leva a uma luz mais clara.


(Poema de Nietzsche, trad. Paulo Quintela)

novembro 01, 2009

A vida não é um argumento. — Arranjamos para nós um mundo no qual possamos viver, admitindo a existência de corpos, de linhas, de superfícies, de causas e de efeitos, de movimento e de repouso, de forma e de fundo: não fossem esses artigos de fé, ninguém hoje suportaria a vida! Mas isso não prova nada em seu favor. A vida não é um argumento; porque o erro poderia encontrar-se entre as condições da vida.

(Gaia Ciência, Livro III, § 121)