dezembro 31, 2010
dezembro 28, 2010
«Pela primeira vez, há muito tempo,
pensei na minha mãe.
Julguei ter compreendido porque é que,
no fim de uma vida, arranjara um “noivo”,
porque é que fingira recomeçar.
Também lá, em redor desse asilo
onde as vidas se apagavam, a noite
era como uma treva melancólica.
Tão perto da morte, a minha mãe
deve ter-se sentido libertada
e pronta a tudo reviver.
Como se esta grande cólera me tivesse limpo
do mal, esvaziado da esperança, diante
desta noite carregada de sinais
e de estrelas, eu abria-me
pela primeira vez
à terna indiferença do Mundo.»
(Albert Camus, O estrangeiro)
Um texto mágico,
a que costumo associar este outro:
«Em que meditas, meu amigo?
Será nos teus antepassados?
Todos eles são pó no pó.
Meditas nas virtudes deles?
Repara só como sorrio.
Toma desta copa e bebamos,
Ouvindo sem inquietação
O grande silêncio do mundo.»
Omar Khayyam, Rubaiyat
dezembro 24, 2010
dezembro 22, 2010
Astrónomos da Agência Espacial Norte-Americana (NASA)
identificaram o buraco negro mais pequeno até agora conhecido.
O J1650 tem uma massa quatro vezes maior do que o nosso Sol
e o tamanho aproximado de uma grande cidade.
Que no espaço de uma grande cidade
caiba uma massa quatro vezes a do Sol,
- a qual é 333 mil vezes a da Terra -,
é caso para nos deixar abismados
com tão absoluta diferença
em relação ao nosso
mundo familiar!
...
dezembro 20, 2010
Epístola para os amados
Ainda vos amo, porque aqui não há só tempo
e o amor, no tempo, é tão intenso e absoluto,
que transborda do tempo para o não-presente.
Havendo tempo e não-tempo, eu vos confesso agora
que em parques ao poente ainda vos estou a amar.
E não que vos ofereça hoje alucinados versos,
mas porque do meu tempo sois donos, como os poemas
que eu escrevo do tempo para o não-tempo, sempre.
Fiama Hasse Pais Brandão
dezembro 15, 2010
dezembro 13, 2010
Anton Einsle, head and upper torso of a reclining woman
img in "Branco no Branco"
«[ ] O que é preciso é ser
como se já não fôssemos,[ ],
pois o resto não nos pertence.»
cecília meirelles
dezembro 10, 2010
Para a meg, herself :):
Não queiras mais que a gratuita lucidez
do instante sem caminho Não julgues que ele é mais
do que a casual aragem de não ser mais nada
do que o voluptuoso fluir de um puro vazio
Em distraído vagar como uma leve nuvem
torna-te vago também deixa ascender em ti
essa torre ténue que quer a transparência
e a graça flexível de pertencer ao ar
Não queiras conhecer o que há por trás desse fulgor puro
se é que há algo por detrás Aceita a sua dádiva gratuita
porque ele é precisamente nulo
e tão essencial como o ar que se respira
António Ramos Rosa, As Palavras,
Campo das Letras, Porto, 2001
Não queiras mais que a gratuita lucidez
do instante sem caminho Não julgues que ele é mais
do que a casual aragem de não ser mais nada
do que o voluptuoso fluir de um puro vazio
Em distraído vagar como uma leve nuvem
torna-te vago também deixa ascender em ti
essa torre ténue que quer a transparência
e a graça flexível de pertencer ao ar
Não queiras conhecer o que há por trás desse fulgor puro
se é que há algo por detrás Aceita a sua dádiva gratuita
porque ele é precisamente nulo
e tão essencial como o ar que se respira
António Ramos Rosa, As Palavras,
Campo das Letras, Porto, 2001
dezembro 09, 2010
UM JARDIM (AZEITÃO)
Se eu disser que havia uma cascata
_________________________de jardins
descrevo a casa com o traçado do seu estilo
ou uma associação vulgar sobre as quedas curvas
_____________________________________da folhagem
Desci pelos socalcos da mansão com o terror
de qualquer alma ou ânimo poder
__________________________vogar
preso aos aromas pela mesma sensibilidade
que me fazia sentir as flores como punhais
_________________________________ou ameaças
Tombou-me aos pés todo o corpo natural
____________________________daquele jardim
configurado.
A nova folhagem saia do tear
____________________tal como a vi
orvalhada e gélida nesse paço arruinado
próprio na minha época para simbolizar o desértico.
Estes prismas já perderam o sentido
____________________________dos seus traços originais,
o seu estilo ou figura legível há duas centenas de anos.
Hoje a hera envolve com nós excessivos as torres.
Das janelas ovais só existe este texto
____________________________porque não as vejo
ocultas no volume estilizado híbrido,
que une a casa ao jardim e a um lago, repartido
entre o mundo vegetal, a aparência da casa
_______________________________que se reflecte
e a intenção decorativa
________________que eu não confirmo.
Não lamento que o tempo desdoire os cálices
__________________________________ácidos
do enxame. Nem que a água estagne no fosso
no ponto por onde passo entre os espectros
_______________________________do pomar
para outra sequência irreconhecível. Desejo no pensamento
aqueles meses em que era perfeita a relação
_______________________________entre tudo
o que aqui é disperso, o único momento vivo
em que o plano do arquitecto, assim como o do paisagista,
________________________e a vitalidade dos moradores
concebiam o estilo pelo qual a presença destes insectos
atordoados nesta cascata seca era ordenada e emocionava.
Porque cada coisa existe pela conjunção
_______________________________das suas formas,
a pata do escaravelho é nula como elemento do estilo,
a não ser que eu aceite uma parcela da destruição
_________________________como outra existência
actual, o estado posterior das figuras
que decaíram ou o das emoções desaparecidas
entre o tecido de símbolos ocultos de uma geração.
Fiama Hasse Pais Brandão
dezembro 07, 2010
dezembro 05, 2010
Lorenzo Bartolini (1777-1850)
Incêndio numa hipótese de amor
Encontrei o segredo, a chave de vidro
das palavras que escrevo; e tenho medo.
Talvez nos campos imensos, onde o lírio floresce,
na margem de rio que abriga, de manhã cedo,
os teus pés de ninfa, num engano de idade,
me tenhas visto à sombra de um rochedo;
e se os teus lábios, entreabertos num torpor
de romã, me tocaram num sonho bêbedo,
deles só lembro, imprecisos, fluxos
de incêndio numa hipótese de amor.
Nuno Júdice
dezembro 03, 2010
«Houve um ano em que as andorinhas se esqueceram de partir.
Comovidos, os deuses adiaram o começo do inverno.
Nesse ano, uma mulher e um homem se fundiram em barco
feito vento e partiram sem rumo e sem dar notícias:
como se fora de cinza o nome que usaram. Agora, nenhum horário
retarda o êxodo das últimas andorinhas em direcção ao sol.
Diz-me, meu amor, onde se cruza a tua sombra com a minha.
Diz-me em que crónica de espanto te tornaste o marinheiro
que debandou de encontro ao deslumbramento das manhãs.»
Graça Pires, Reino da Lua
dezembro 01, 2010
Tentação
Vénus lançada à praia pelo mar inquieto,
Inquietas os meus olhos, sátiros cansados.
Vem de ti uma luz que o sol não tem,
E sózinha povoas o areal.
Que me queres, nesta idade sonolenta
Dos sentidos?
Lembrar-me e convidar-me a renegar
Os desejos despidos?
Como se algum poeta se esquecesse
E arrependesse
Dos antigos pecados cometidos!
Miguel Torga, Antologia Poética
novembro 29, 2010
ASAS MALIGNAS
Vejo sobre a grandiosa árvore de palma
a contraluz as cegonhas como aracnídeos
talvez através de um véu de cassa. Esta visão
isola-me do mundo e beneficamente
reconduz-me depois aos significados
que formam o mundo. Nunca as cegonhas
me tornaram excêntrica de mais,
apenas íntima a elas e estranha
a outros restos de sentido.
A brisa que confunde as asas temíveis
com as varas agitadas de palma,
a restante brisa que sopra em outras copas,
qualquer outra árvore que dobrando-se
simula também um par de asas malignas,
toda essa aragem dupla que redemoinha
entre árvores firmes eleva as telas frágeis
das asas. Que mensagem posso dar
para além da aberração dos colos
enlaçados como um insecto a estrebuchar
num precipício real elevado?
Até os fios da teia na treva
mesmo que se assemelhem a folhas
são cada vez mais angulosos, embutidos
na noite como garras. O casal de cegonhas
é um alvo demasiado fascinante
para eu sustentar o olhar nos seus círculos.
Entre a noite e as imagens que me suscita
esse ponto branco, o par, giram em volta
frestas luminosas, para que alguém as agrupe
num indício. O resto do tufo das árvores
tornou-se uma imagem desapercebida
porque já desde o princípio o seu movimento
ofuscado contrastava com as asas negras.
Fiama Hasse Pais Brandão
novembro 27, 2010
novembro 25, 2010
Aleksandr Aleksandrovich Deineka,
Jovem Mulher com um Livro (1934)
«De difícil memória era, sim, para raros.
O que aconteceu com a Poesia foi que
esta matéria sem tempo facilmente
se memoriza no espaço gráfico.
E a terrível democracia leitora
multiplicou então estes papéis
silenciosos e multiplicou
os olhos silenciosos
que sabem ler,
acabando com o melódico analfabetismo.
Fiama Hasse Pais Brandão
novembro 23, 2010
(M. Jagger/K. Richards)
Please allow me to introduce myself
I'm a man of wealth and taste
I've been around for a long, long years
Stole many a man's soul and faith
And I was 'round when Jesus Christ
Had his moment of doubt and pain
Made damn sure that Pilate
Washed his hands and sealed his fate
Pleased to meet you
Hope you guess my name
But what's puzzling you
Is the nature of my game
I stuck around St. Petersburg
When I saw it was a time for a change
Killed the czar and his ministers
Anastasia screamed in vain
I rode a tank
Held a general's rank
When the blitzkrieg raged
And the bodies stank
Pleased to meet you
Hope you guess my name, oh yeah
Ah, what's puzzling you
Is the nature of my game, oh yeah
(woo woo, woo woo)
I watched with glee
While your kings and queens
Fought for ten decades
For the gods they made
(woo woo, woo woo)
I shouted out,
"Who killed the Kennedys?"
When after all
It was you and me
(who who, who who)
Let me please introduce myself
I'm a man of wealth and taste
And I laid traps for troubadours
Who get killed before they reached Bombay
(woo woo, who who)
Pleased to meet you
Hope you guessed my name, oh yeah
(who who)
But what's puzzling you
Is the nature of my game, oh yeah, get down, baby
(who who, who who)
Pleased to meet you
Hope you guessed my name, oh yeah
But what's confusing you
Is just the nature of my game
(woo woo, who who)
Just as every cop is a criminal
And all the sinners saints
As heads is tails
Just call me Lucifer
'Cause I'm in need of some restraint
(who who, who who)
So if you meet me
Have some courtesy
Have some sympathy, and some taste
(woo woo)
Use all your well-learned politesse
Or I'll lay your soul to waste, um yeah
(woo woo, woo woo)
Pleased to meet you
Hope you guessed my name, um yeah
(who who)
But what's puzzling you
Is the nature of my game, um mean it, get down
(woo woo, woo woo)
Woo, who
Oh yeah, get on down
Oh yeah
Oh yeah!
(woo woo)
Tell me baby, what's my name
Tell me honey, can ya guess my name
Tell me baby, what's my name
I tell you one time, you're to blame
Oh, who
woo, woo
Woo, who
Woo, woo
Woo, who, who
Woo, who, who
Oh, yeah
What's my name
Tell me, baby, what's my name
Tell me, sweetie, what's my name
Woo, who, who
Woo, who, who
Woo, who, who
Woo, who, who
Woo, who, who
Woo, who, who
Oh, yeah
Woo woo
Woo woo
novembro 21, 2010
novembro 19, 2010
Christopher Latham Sholes, inventor que deu início à indústria
de máquinas de escrever. Sholes acreditava que sua invenção
fora fundamental na emancipação feminina, pois possibilitou
que a mulher ingressasse no mercado de trabalho dos escritórios.
(Herkimer County Historical Society)
«Escrevem à máquina em face deste campo; milhões de folhas
de papel para triliões de folhas de árvores; mulheres sentadas
oito horas por dia a escrever cartas e a dar forma lapidar
à evidência. Senhor doutor, senhor ovo de sabedoria,
senhor de gema perdida; é o meio-dia das duas
horas livres para continuar à tarde; com
este horário de contenção biológica,
com esta incubadora de leis,
política vai gerando político,
eternamente.
Acumulam-se informaçóes, mas
o Estado, composto por estes
milhões de homens machos
que vomitam frases
e testículos e
lugares comuns de há séculos,
não vota a lei do seu desaparecimento.»
Maria Gabriela Llansol, Uma data em cada mão
- Livro de Horas I, Lisboa, Assírio & Alvim, 2010, p. 95
novembro 17, 2010
novembro 16, 2010
Se uma coisa existe, esse facto prova que ela é possível.
Uma coisa comprovada possível, mas que não exista,
que espécie de realidade tem? A realidade deve
restringir-se ao que existe ou também
alargar-se ao que é possível existir?
E não haverá coisas possíveis
de existir que nós, humanos,
desconhecemos, como aliás
desconhecemos muitas
coisas que existem?
Ora, pergunto,
essas coisas
ignotas,
mas
existentes
ou
possíveis,
são ainda realidade?
E se nós,
que meditamos
sobre a realidade,
nem sequer existíssemos,
mas o mundo fosse tal como
o conhecemos (e desconhecemos),
o que seria então a realidade sem
ninguém para a percepcionar,
senão potencialmente?
novembro 15, 2010
novembro 13, 2010
novembro 11, 2010
novembro 09, 2010
Regressar ao objecto. Partilhar a figura
na ressurreição. A ausência
não é o nada, mas o manancial.
De um lado e de outro, vigiam-nos
as formas naturais consonantes.
Conseguiremos atenuar na Natureza
o afastamento. Assim como tu,
ela assgura-me a emoção.
A separação é o abstracto
de vários vestígios. Um vestígio
do próximo reconhecimento.
Tanto mais sei que regressas ao abismo
da minha memória subtil. És tu quem se ausenta
entre uma ala de árvores. Pertences
à Natureza, tanto quanto te pertences.
Fiama Hasse Pais Brandão
novembro 08, 2010
Portugal produz por ano bens e serviços no valor de aprox.
150 mil milhões de euros, 30 mil milhões de contos.
Ao estrangeiro deve cerca de 300 mil milhões,
i.e. 2 anos de produção; metade da dívida
é do Estado, a outra metade é devida
pelos bancos, empresas e famílias.
Mudar esta dependência dos credores
exige que as empresas, o estado,
as famílias paguem
o que devem,
aceitando manter algum nível de dívida
digamos entre ¼ ou ½ da produção anual,
ou seja entre 37 e 80 milhões de euros.
Uma redução do endividamento desta grandeza,
de 300 para digamos 50 mil milhões, em p.e.,
5 anos, exigiria uma amortização anual
de 50 mil milhões, ou seja 1/3 do produto
anual, um quadrimestre de produção.
Se alargarmos o período de redução da dívida
de 5 para 10 anos, mesmo assim, 2 meses
de produção e rendimento
teriam de aplicar-se
anualmente ao
pagamento
da dívida.
Vendo o problema em termos per capita,
na perspectiva de rendimento de um
assalariado ou pensionista,
2/14 a 4/14 avos do rendimento anual
algo como 15 a 30 % do salário ou pensão
tem de ser pago aos credores,
ou na forma de redução do consumo
ou na de passar a produzir
em 3 dias tanto quanto
antigamente
em 4 dias;
isto em paralelo com idêntico
sacrifício nos rendimentos
dos pensionistas, rentistas,
capitalistas e usurários.
No quadro desta situação
é inadmissível não exigir
austeridade a todas
as instituições e classes sociais.
novembro 07, 2010
Les sabots d'Hélène
Etaient tout crottés
Les trois capitaines
L'auraient appelée vilaine
Et la pauvre Hélène
Etait comme une âme en peine
Ne cherche plus longtemps de fontaine
Toi qui as besoin d'eau
Ne cherche plus, aux larmes d'Hélène
Va-t'en remplir ton seau
Moi j'ai pris la peine
De les déchausser
Les sabots d'Hélèn'
Moi qui ne suis pas capitaine
Et j'ai vu ma peine
Bien récompensée
Dans les sabots de la pauvre Hélène
Dans ses sabots crottés
Moi j'ai trouvé les pieds d'une reine
Et je les ai gardés
Son jupon de laine
Etait tout mité
Les trois capitaines
L'auraient appelée vilaine
Et la pauvre Hélène
Etait comme une âme en peine
Ne cherche plus longtemps de fontaine
Toi qui as besoin d'eau
Ne cherche plus, aux larmes d'Hélène
Va-t'en remplir ton seau
Moi j'ai pris la peine
De le retrousser
Le jupon d'Hélèn'
Moi qui ne suis pas capitaine
Et j'ai vu ma peine
Bien récompensée
Sous le jupon de la pauvre Hélène
Sous son jupon mité
Moi j'ai trouvé des jambes de reine
Et je les ai gardés
Et le cœur d'Hélène
N'savait pas chanter
Les trois capitaines
L'auraient appelée vilaine
Et la pauvre Hélène
Etait comme une âme en peine
Ne cherche plus longtemps de fontaine
Toi qui as besoin d'eau
Ne cherche plus, aux larmes d'Hélène
Va-t'en remplir ton seau
Moi j'ai pris la peine
De m'y arrêter
Dans le cœur d'Hélèn'
Moi qui ne suis pas capitaine
Et j'ai vu ma peine
Bien récompensée
Et dans le cœur de la pauvre Hélène
Qu'avait jamais chanté
Moi j'ai trouvé l'amour d'une reine
Et moi je l'ai gardé
novembro 06, 2010
novembro 04, 2010
SEGREDO
Não contes do meu
vestido
que tiro pela cabeça
nem que corro os
cortinados
para uma sombra mais espessa
Deixa que feche o
anel
em redor do teu pescoço
com as minhas longas
pernas
e a sombra do meu poço
Não contes do meu
novelo
nem da roca de fiar
nem o que faço
com eles
a fim de te ouvir gritar
Maria Teresa Horta
novembro 02, 2010
imagem in blog 'coisas minhas'
«Diz toda a Verdade mas di-la tendenciosamente –
O êxito está no Circuito
É demasiado brilhante para o nosso enfermo Prazer
A esplêndida surpresa da Verdade
Como o Relâmpago se torna mais fácil para as Crianças
Com uma amável explicação
A Verdade deve ofuscar gradualmente
Ou cada homem ficará cego –»
Emily Dickinson
outubro 31, 2010
outubro 29, 2010
outubro 27, 2010
Quadro de Melyta
«Não sei se este pensamento elucida o dia, se a noite.
Veio às cinco da manhã, e às dezoito do mesmo dia.
Aqui o deixo__________________________ a ilha é
Um lugar onde o mar ruge por todos os lados. Quando
O vento a submerge, batem nas rochas e nas escarpas
Peixes, assinalados por terem morrido em vão.»
Maria Gabriela Llansol, O começo de um livro é precioso
Assírio & Alvim, Lisboa, 2003, p.196
outubro 25, 2010
outubro 23, 2010
«As folhas da bananeira são suficientemente amplas
para ocultarem uma paixão. Quando expostas às
intempéries recordam-me ora a cauda ferida de
uma fénix ora um leque verde rasgado pelo vento.
A bananeira floresce. Todavia as suas flores nada
têm de atraente. O mesmo acontece com o tronco
enorme. Talvez por isso a bananeira acabou por
conquistar o meu coração. Sento-me debaixo dela
enquanto o vento e a chuva a fustigam.»
Matsuo Bashô, O gosto solitário do orvalho,
Assírio & Alvim, Lisboa, 2003, p. 15
outubro 21, 2010
outubro 19, 2010
Devota como ramo
curvado pelos nevões
alegre como fogueira
nas colinas esquecidas
sobre acutíssimas lâminas
em branca camisa de urtigas,
te ensinarei, minha alma,
este passo do adeus...
----- // -----
Devota come ramo
curvato da molte nevi
allegra come fallò
per colline d'oblio,
su acutissime làmine
in bianca maglia d'ortiche,
ti insegnerò, mia anima,
questo passo d'addio...
Cristina Campo, O Passo do Adeus,
Trad de José Tolentino Mendonça;
Assírio & Alvim, pp. 38-39
outubro 15, 2010
outubro 13, 2010
outubro 11, 2010
outubro 10, 2010
Ismael Nery, Figura, c. 1927/1928
óleo s/ tela, 105 x 69,2 cm
O CORPO OCUPA A FIGURA
Assombra-me o som parcimonioso da flauta, com limites,
pelo declive. O meio-dia é a hora em que assoma o corpo,
flamejando, progredindo para o exterior ou para o interior
do progresso para a proximidade. Não passar pelo Nada,
a escutar a fonia dos animais animados. Não recuar perante
a Natureza, ofensiva portadora da dor, terrífica separação.
Com os sentidos perante a ordem possível. Uma única gare
torna a coesão soma das partes coagindo-se; aquela vem,
torna a coesão soma das partes coagindo-se; aquela vem,
cabendo ainda no olhar de acesso. O individual é definido
por uma discordância interior. Justaposição do caos sereno à cena,
por um ovíparo que esvoaça tal como no soalho tenebroso
prosseguem melros.1 Meio-dia! Trinos! O corpo ocupa a figura,
desocupa-a. No panorama o som voador de flauta desliza
no corpo ensombrecido pela sombra do corpo da figura.
1 «Ce toit tranquille où marchent des colombes», P. Valéry
1 «Ce toit tranquille où marchent des colombes», P. Valéry
Fiama Hasse Pais Brandão
Nota:-As linhas diferem, em extensão, dos versos originais.
outubro 05, 2010
Madame Bovary
La faculté du bovarisme c’est
«le pouvoir départi à l’homme
de se concevoir autre qu’il n’est.» (Jules de Gaultier)
_____________________________________________
«[ ] voici, avec Mme Bovary, un être pourvu d’une énergie plus forte. Aussi la fausse conception qu’elle prend d’elle-même va-t-elle se traduire par de tout autres conséquences. Mme Bovary échappe au ridicule par la frénésie; avec elle, l’erreur sur la personne devient un élément du drame. Au service de l’être imaginaire qu’elle a substitué à elle-même elle emploi toute l’ardeur qui la possède. Pour se persuader qu’elle est ce qu’elle veut être, elle ne se tient pas [à des] gestes décoratifs […], mais elle ose accomplir des actes véritables. Or elle entreprend sur le réel avec des moyens qui ne sont valables qu’à l’égard de la fiction. La conception sentimentale qu’elle s’est formée d’elle même exige un effet une sensibilité différente de celle qui est la sienne, en même temps que des circonstances différentes de celles dont elle dépend.»
Jules de Gaultier,
in op.cit., p.549
outubro 04, 2010
Madame Bovary
Flaubert declarou no seu julgamento
do Tribunal do Sena:
«Madame Bovary, c’est moi!»,
Porém, os seus leitores declaram:
«Madame Bovary c'est l'humanité!»
outubro 03, 2010
Madame Bovary
«O pano preto, juncado de pétalas brancas,
levantava-se por vezes descobrindo o caixão.
Os portadores, fatigados, iam mais vagarosos;
e o féretro avançava por intercadências contínuas,
como uma chalupa baçouçando entre as ondas.
Chegaram. Os homens continuaram até um sítio baixo,
onde a cova estava aberta. No meio da relva.
Agruparam-se em torno; e enquanto o padre falava,
a terra vermelha, puxada para os bordos,
escorregava pelos cantos, sem ruído,
continuamente.
Depois de disporem as quatro cordas,
impeliram o ataúde. Carlos viu-o descer.
Descia sempre.
Por fim ouviu-se o embate,
as cordas subiram rangendo.
Então Bournisien pegou na pá que Lestoboudois
lhe estendia; e com a mão esquerda deitou-a cheia
de terra, vigorosamente, enquanto aspergia com a direita;
e a madeira do caixão, no choque com os grossos torrões,
produziu o ruído formidável que soa aos nossos ouvidos
como o eco da eternidade.»
op. cit., p.361
outubro 02, 2010
Madame Bovary
«Estava bom tempo; era um daqueles dias de Março claros e agrestes, em que o Sol reluz num céu pálido. Habitantes de Rouen, endomingados, passeavam com ar satisfeito. Ema chegou ao adro da igreja. Saíam da missa da tarde; a multidão escoava-se pelos três portais, como um rio pelos três arcos de uma ponte, e, no meio, mais imóvel que um rochedo, estava o guarda.
Lembrou-se ela então do dia em que, ansiosa e cheia de esperança, caminhara sob aquela grande nave que se alongava na sua frente, menos profunda que o seu amor; e continuou a andar, chorando debaixo do véu, aturdida, cambaleante, quase a desfalecer.»
op.cit., p.320
outubro 01, 2010
Madame Bovary
en vertu de cette idée, qu’une femme doit toujours
écrire à son amant.
Mais, en écrivant, elle percevait un autre homme, un fantôme
fait de ses plus ardents souvenirs, de ses lectures les plus belles,
de ses convoitises les plus fortes; et il devenait à la fin si
véritable, et accessible, qu’elle en palpitait émerveillée,
sans pouvoir néanmoins le nettement imaginer,
tant il se perdait, comme un dieu,
sous l’abondance de ses attributs.»
:)
(destaque meu)
(destaque meu)
op. cit., p.429
setembro 30, 2010
Madame Bovary
«Elle venait de partir, exaspérée.
Elle le détestait maintenant. [ ]
Puis, se calmant, elle finit par
découvrir qu’elle l’avait sans doute
calomnié. Mas le dénigrement de ceux
que nous aimons toujours nous en détache
quelque peu.
Il ne faut pas toucher aux idoles:
la dorure en reste aux mains.»
op. cit., p.418
setembro 29, 2010
Madame Bovary
«[…] C’était une manière de permission qu’elle se donnait
de ne point gêner dans ses escapades. Aussi en profita-t-elle
tout à son aise, largement. Lorsque l’envie la prenait de voir
Léon, elle partait sous n’importe quel prétexte, et, comme
il ne l’attendait pas ce jour-lá, elle allait le chercher à son étude.
[ ] Il fallait que Léon, chaque fois, lui racontât toute sa conduite,
depuis le dernier rendez-vous. [ ] Il ne discutait pas ses idées;
il acceptait tous ses goûts; il devenait sa maîtresse plutôt qu’elle
n´était la sienne.»
op.cit., p.412-3
setembro 28, 2010
Madame Bovary
setembro 27, 2010
Madame Bovary
«A Lua, redonda e cor de púrpura,
erguia-se na linha do horizonte,
ao fundo da planície.
Subia rápida entre os ramos dos choupos,
que a ocultavam a espaços,
como uma cortina preta, esfarrapada.
Depois apareceu, deslumbrante de brancura,
no céu vazio que ela iluminava; e então,
abrandando a marcha, deixou cair
sobre a ribeira uma grande mancha clara,
que se dividia numa infinidade de estrelas,
e o clarão argênteo parecia torcer-se ao fundo
da água, como uma serpente sem cabeça,
coberta de escamas luminosas.»
op.cit.,II.12, p.215
setembro 26, 2010
Madame Bovary
«Il savourait pour la première fois l’inexprimable délicatesse des élegances féminines. Jamais il n'avait rencontré cette grâce de langage, cette réserve du vêtement, ces poses de colombe assoupie. Il admirait l’exaltation de son âme et les dentelles de sa jupe. D’ailleurs, n’était-ce pas une femme du monde, et une femme marié! Une vraie maîtresse enfin? Par la diversité de son humeur, tour à tour mystique ou joyeuse, babillarde, taciturne, emportée, nonchalante, elle allait rappelant en lui mille désirs, évoquant des instincts ou des réminiscences. Elle était l’amoureuse de tous les romans, l’héroïne de tous les drames, le vague elle de tous les volumes de vers.»
op.cit., p.397
setembro 25, 2010
Madame Bovary
«Comme ils aimaient cette bonne chambre pleine de gaieté, malgré sa splendeur un peu fanée! Ils retrouvaient toujours les meubles à leur place, et parfois des épingles à cheveux qu’elle avait oubliées, l’autre jeudi, sous le socle de la pendule. Ils déjeumaient au coin du feu, sur un petit guéridon incrusté de palissandre. Emma découpait, lui mettait les morceaux dans son assiette en débitant toutes sortes de chatteries; et elle riait d’un rire sonore et libertin quand la mousse du vin de Champagne débordait du verre léger sur les de ses doigts. Ils étaient si complètement perdus en la posséssion d’eux-mêmes, qu’ils se croyaient là dans leur maison particulière, et devant y vivre jusqu’à la mort, comme dux éternels jeunes époux.»
op.cit., p.396
setembro 24, 2010
Madame Bovary
«Teriam só aquilo para dizer? Nos olhos de ambos, todavia, desenhava-se um diálogo mais sério; e, enquanto se esforçavam por encontrar frases banais, sentiam a mesma languidez invadi-los aos dois; era como um murmúrio da alma, profundo, ininterrupto, que dominava o das vozes. Tomados de espanto por aquela nova sensação de suavidade, não pensavam em comunicá-la nem em descobrir-lhe o motivo. As felicidades futuras, como as margens dos rios tropicais, projectam na imensidade que as precede a sua indolência natural, espécie de brisa perfumada, e nessa embriaguez adormecemos, sem nos inquiertarmos com o horizonte que ainda se não vê.»
op.cit., II.3, p.109
op.cit., II.3, p.109