Redistribuição do rendimento
O núcleo do debate sobre o Estado Social posiciona-se na questão da sustentabilidade do sistema de reforma de velhice, assente no esquema de redistribuição de rendimento entre os trabalhadores no activo e os reformados.
O fundo incontornável do debate é simples: quer agora, quer sempre, quem não trabalha é, ex-post, sustentado por quem trabalha. Ex-ante, quais os limites sustentáveis do esquema?
´Aritmetizando’ a redistribuição do rendimento, propomos a seguinte equação inicial
(1) d.a = p.(1-a)
sendo
d, a contribuição percentual para a segurança social incidente sobre o salário;
a, a percentagem da população no activo; e
p, o valor unitário da pensão de reforma.
Deste modo, as retenções na fonte dos salários dos trabalhadores no activo – d.a -, são pagas como pensões aos reformados – p.(1-a).
Neste esquema, o equilíbrio existe desde que o rácio do número de reformados por activo – (1-a)/a -, iguale a proporção do desconto no salário para a pensão de reforma –d/p:
(1.1) d/p = (1-a)/a
Assim, por exemplo, 0.3 de desconto do salário (d) com uma pensão média unitária (p) de 0.7 do salário apenas se equilibra com um rácio de reformados por activo – (1-a)/a – de 3 para 7, i.e., 3/7.
Contudo, é desigual a produtividade do trabalho nos diferentes sectores de produção de bens e prestação de serviços, por razão quer da diversa disponibilidade de recursos naturais e pela fecundidade variável da própria natureza, quer pelo grau de desenvolvimento tecnológico dos meios de produção utilizados, quer, finalmente, com o maior ou menor esforço e inteligência dos trabalhadores e o grau de civilização atingido pela sociedade.
A capacidade de redistribuição do rendimento é altamente potenciada com o aumento da produtividade do trabalho, como vamos observar aritmeticamente.
Dividamos, então, a população activa em dois segmentos de produtividade desigual:
a, a proporção de emprego de maior produtividade;
b, a de produtividade normal, i.e., o caso de profissões, – necessárias, não dispensáveis, criando valor procurado, por satisfazer necessidades humanas -, cuja produtividade de desempenho é mais ou menos constante, no tempo e no espaço; por exemplo, um corte de cabelo pouco tempo de execução terá diminuído ou aumentado desde o antigo Egipto ao presente! Muitos outros trabalhos e serviços necessários se equiparam ao deste exemplo, desde a actividade de ensino à enfermagem de doentes, de uma peça de teatro ao cuidado de crianças, etc.
O emprego do tipo
b, porque necessário e valioso, será remunerado com o salário suficiente a que o respectivo empregado e sua família viva conforme o padrão histórico e social vigente na comunidade em causa. O emprego do tipo
a é remunerado por um múltiplo de produtividade,
k, do salário do tipo
b.
Nestes termos, a equação de equilíbrio (1) reescreve-se como segue:
(2) d.(ak+b) = p.(1-a-b)
Assim, se parametrizarmos a proporção de activos de grande produtividade (a) em 0.1; mantivermos a taxa de desconto salarial (d) em 0.3; e a pensão unitária em 0.7 do salário base, i.e., o salário do tipo b, da produtividade normal, a equação (2) reflectirá o conjunto de pares de equilíbrio entre as variáveis
b e
k, ou, se designarmos a população reformada por
r,
(2.1) r = 1-a-b
mostramos a relação de equilíbrio entre a proporção de reformados (r) e a produtividade do trabalho (k)
(2.2) r = 1/p. d.(ak+b)
Ou, com os valores numéricos dos parâmetros fixados, a função f(r,k):
(2.3) r = 0.3/0.7*(0.1k+0.9-r)
Com as produtividades
k = 1, 3, 5, 7, 10;
a proporção de reformados (ou inactivos) sustentável é de
(2.4) r = 0.30; 0.36; 0.42; 0.48; 0.57.
No entanto, esta redistribuição de rendimento é desincentivadora e injusta porque não diferencia o valor da pensão de reforma segundo a carreira contributiva de cada reformado durante a sua vida activa.
Tomando em consideração as prestações contributivas entre os assalariados do tipo
a e
b, e supondo que a percentagem dos reformados do tipo
a é de 10% do total de reformados a equação (2) da redistribuição do rendimento reescreve-se como segue:
(3) d.(ak+b) = p.r.(0.1k+0.9)
Ou, com os coeficientes numéricos assumidos, para
d,
p, e
a
(3.1) 0.3*(0.1k+0.9-r) = 0.7*r*(0.1k+0.9)
Resolvendo
r em função de
k,
(3.1’) r = (0.03*k+0.27)/(0.07k+0.93)
Com as produtividades
k = 1, 3, 5, 7, 10;
a proporção de reformados (ou inactivos) sustentável é de
(3.2) r = 0.30; 0.32; 0.33; 0.34; 0.35.
Como se vê, comparando esta série (3.2) com a anterior (2.4), constata-se que o não ‘plafonamento’ das pensões reduz drasticamente a capacidade de a segurança social sustentar um volume significativo de trabalhadores reformados: - para o caso de 10% dos activos terem uma produtividade décupla da produtividade normal, a sustentabilidade do volume de reformados decai de 57% para 35%, sem um tecto para o valor máximo das reformas a conceder.
No entanto, continua a ser injusto não ponderar a carreira contributiva no valor da reforma a atribuir a cada reformado. Não é a mesma coisa ter sido quarenta anos barbeiro ou professor de física nuclear ou de filosofia contemporânea! Embora haja de convir-se que em ambos os casos as necessidades de um reformado são bem menores do que as sentidas durante a vida activa, pelo que não é razoável manter na reforma a mesma diferença salarial que existia na vida activa.
Propomos uma variação progressiva da reforma (p) com o aumento da produtividade (k) maximizada, em termos brutos (x), no triplo do salário base de produtividade normal atingido no caso de produtividade doze vezes superior à normal. A saber,
(4) (1+x)^12 = 3
Ou,
(4.1) x = 3^(1/12) - 1 = 0.0958
Pelo que a equação de redistribuição de rendimento se escreveria como segue:
(5) d.(ak+b) = p.(1-a-b).[(1+x)^k .a + 1-a]
Fixando os parâmetros
d,
p, e
a nos mesmos coeficientes numéricos anteriores e dando a
x o valor referido em (4.1), teremos:
(5.1) 0.3*(0.1k+b) = 0.7*(0.9-b)*[1.0958^k*a+0.9]
Ou, explicitando b em função de r, conforme (2.1), temos
(5.2) 0.3*(0.1k+0.9-r) = 0.7*r*[1.0958^k*0.1+0.9]
Resolvendo
r em função de
k,
(5.2’) r = (0.03*k+0.27)/(0.07*1.0958^k+0.93)
Com as produtividades
k = 1, 3, 5, 7, 10;
a proporção de reformados (ou inactivos) sustentável é de
(5.3) r = 0.30; 0.35; 0.40; 0.45; 0.52.
Comparando estes resultados com os obtidos sem plafonamento, verifica-se quanto melhora a sustentabilidade da segurança social, que passa em equilíbrio, - no caso de 10% dos activos com uma produtividade décupla da normal -, da capacidade de financiar um volume de reformados de 35% para 52%, e isto com a justiça de alguma diferenciação das pensões segundo a carreira contributiva.
A falácia política na discussão pública deste tema consiste em propor, de facto, o plafonamento das pensões, mas aplicando-o também aos descontos para a segurança social durante a vida activa. Ora, tal perverte a eficácia e justiça social da redistribuição de rendimento.
Concluo com mais duas observações. No passado, os salários dos profissionais mais requestados asseguravam a existência de um vasto agregado familiar de avós, filhos e netos, quando não também, tias, sobrinhos, órfãos e afilhados. Inclusive, tais salários permitiam aquisição de casa própria para albergar todo o agregado familiar. Foi este sistema de respeito pela família e pela propriedade privada que o modelo da segurança social veio substituir, com a promessa de uma justiça social e protecção na velhice alargada a toda a população mediante a contribuição generalizada de todos os trabalhadores durante a vida activa. Cortar agora nas reformas é tão subversivo do estado de direito quanto o desrespeito do direito de propriedade privada e o confisco das poupanças dos cidadãos.
Outra observação é o facto temível, no nosso país, de a Banca e a Segurança Social tenderem a desempenhar o papel sucedâneo do banco emissor do antigo regime monetário, i.e., quando o Estado precisa de dinheiro em vez de o emitir por subscrição do capital do banco, aumentando a circulação monetária, emite obrigações de tesouro que constrange a banca e os fundos de pensões a subscrever, assim preparando as condições facilitadoras de um
haircut da dívida tão confiscatório quanto a clássica inflação monetária.