setembro 19, 2013
Dom Quixote de la Mancha
«— Come, Sancho amigo — disse D. Quixote —, sustenta a vida, que mais que a mim te importa, e deixa-me morrer entregue aos meus pensamentos e à força das minhas desgraças.
Eu, Sancho, nasci para viver morrendo, e tu para morrer comendo; e para que vejas que te falo a verdade nisto, considera-me impresso em histórias, famoso nas armas, cortês nas minhas acções, respeitado por nobres senhores, desejado pelas donzelas;
ao fim e ao cabo, quando eu esperava palmas, triunfos e coroas, granjeadas e merecidas pelas minhas valorosas façanhas, vi-me esta manhã pisado e escouceado e moído pelos pés de animais imundos e grosseiros.
Meditar nisto embota-me os dentes, entorpece-me os queixais e paralisa-me as mãos, e tira-me por completo a vontade de comer, de maneira que penso deixar-me morrer de fome, que é a mais cruel de todas as mortes.»
Miguel Cervantes, O Engenhoso Fidalgo
D. Quixote de la Mancha, («Il Ingenioso
Hidalgo D. Quixote de La Mancha», 1605)
Trad. e notas de José Bento, Gravuras
de Lima de Freitas, Relógio d’Água,
Lisboa, 2005, p. 847.
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