«O Relatório é na administração actual o que é o limbo no cristianismo. Jacquet conhecia a mania dos relatórios e não esperara por esta ocasião para gemer acerca desse ridículo burocrático. Sabia que após a invasão dos gabinetes pelos relatórios, revolução administrativa consumada em 1804, não havia um ministro que tomasse sobre si a responsabilidade de ter uma opinião, de decidir a menor coisa, sem que essa opinião, esse assunto, tivesse sido joeirado, peneirado, descascado, pelos rabiscadores, pelos «rapadores», e pelas sublimes inteligências dos seus escritórios.
Jacquet
(que era um desses homens dignos de ter Plutarco como biógrafo) reconheceu que
se tinha enganado acerca da marcha daquele assunto e o tornara impraticável ao
tentar proceder legalmente. [ ]
A
legalidade constitucional e administrativa não produz fruto algum, é um fruto infecundo
para os povos, para os reis e para os interesses privados; mas os povos não
sabem soletrar senão os princípios escritos com sangue, ora os infortúnios da
legalidade são sempre pacíficos; ela nivela uma nação, eis tudo. Jacquet, homem
amante da liberdade, regressou, então, sonhando com as vantagens do arbitrário
porque o homem não aprecia as leis senão à luz das suas paixões.»
Honoré de Balzac, “Ferragus, Chefe dos Devorantes” (1833)
trad. Paula Reis, in A
Comédia Humana, VII Volume – “Cenas da Vida de Província”, Porto, Livraria
Civilização Editora, 1980, p. 335-36
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