outubro 31, 2012
(continuação 20)
«Os verbos dialécticos cobrem a fecundidade ou infecundidade da cópula. Outros verbos, e outros modos, aqueles que designam os movimentos classificados e graduados pela evolução da ciência, demonstram que da relação entre o agente e o paciente algo de novo há-de surgir, o terceiro termo significativo.
As leis da ciência, quando perfeitamente traduzidas em altissonante linguagem humana, revelam a virtude, a força ou o poder do verbo. A cada verbo corresponde uma ciência, garantia intelectiva das actividades humanas, que são o jogo, a arte e o trabalho, foco iluminante das paixões humanas, que o estudioso regista nos livros de ética, de moral e de política.
Quando os termos ou extremos que circundam o verbo, na condição de agentes ou pacientes, deixam de ser imagens para ser conceitos humanos ou até para serem imagens divinas, o pensamento altera-se para ser científico, filosófico ou religioso.
O silogismo de quem pensa aventurosamente na relação com o incógnito, o oculto ou o misterioso, representa um aperfeiçoamento da arte de adivinhar. Esta arte é paradigmática da investigação científica. A procura de leis, causas e formas ainda não conhecidas realiza-se pela atenção prestada ao verbo.
Ante uma substância, um substantivo ou um ser, pergunta Aristóteles qual o movimento que lhe é próprio, qual a virtude que lhe é essencial. a virtude e a virtualidade exprimem-se por verbos em modos activos, e não já por particípios, adjectivos ou substantivos, conforme se lê nas proposições da gramática, retórica e dialéctica. [ ]
Depois da actividade própria vem a actividade específica, e dpois da específica a genérica. Nesta consideração ascendente é possível determinar, prever e adivinhar o comportamento futuro dos seres, ou pelo menos o comportamento normal, se não houver concorrência de causas que provoquem acidentes.
A lógica aristotélica, muito afastada já da gramática, da retórica e da dialéctica, escolhe os seus exemplos na física, na fisiologia e na cosmologia, reinos da experiência e da finalidade.»
Álvaro Ribeiro, Estudos Gerais,
Lisboa, Guimarães Editores, 1961, pp.120-21.
outubro 29, 2012
(continuação 19)
«Tomada à letra, mal interpretada pelos comentadores gregos e conservada durante séculos pelos escolásticos, a doutrina do silogismo recaiu num desanimado esquematismo, de utilidade mnemónica, mas afastou-se do racionalismo formal.
A forma da necessidade poderá talvez ser a primeira, mas a forma da constância e a forma da casualidade também existem na situação modal e na gradação científica.
O silogismo expresso pelos verbos triviais, como ser, estar, ter, haver, etc., e restrito ao modo indicativo, exigido pela dialéctica, não cobre os aspectos contingentes da existência no espaço e no tempo.
Ora, sem determinação de espaço e de tempo não há existir, que é um modo de ser, nem há articulação lógica de um racicínio completo.
O silogismo aristotélico, para ser bem interpretado segundo a lógica formal, há-de incluir as noções de experiência e de finalidade. O silogismo não é uma equação. Se assim for, ressurgem as justas críticas de quantos dizem ser o silogismo inválido porque tautológico ou vicioso, fechado em círculo, inútil para a investigação.»
(continua)
Álvaro Ribeiro, Estudos Gerais,
Lisboa, Guimarães Editores, 1961, pp.119-20.
outubro 23, 2012
(continuação 18)
«A aptidão para filosofar evidencia-se naqueles espíritos que, a propósito de tudo, se interrogam sobre as possíveis relações entre dois termos distantes. [ ] Não se aquieta o espírito filosófico perante a resposta negativa da ciência ou da ignorância. Ele aposta, postula ou jura que uma incógnita relação existe, enquanto espera pacientemente o momento de vê-la acrescentada ao quadro das funções intelectivas, ou efectivamente descoberta na realidade. [ ]
Em vez da disjunção dialéctica, a filosofia adopta a conjunção silogística, aproximando, associando, unindo dois termos que à primeira vista pareciam estranhos e, mais ainda, incompatíveis, quer dizer, incapazes de paixão e de acção.
Aludimos já, noutro lugar, à função da experiência na metodologia de Aristóteles. A união dos corpos, das imagens e dos conceitos, quando geratriz de um novo ser, representa adequadamente o que Aristóteles designou pela primeira vez por silogismo.
No primeiro dos livros analíticos, e também no primeiro livro de tópicos, Aristóteles define o silogismo em termos de posição e composição, ou sejam de tese e síntese, sem intermediário. A virtude criadora do intelecto activo depende do princípio de finalidade.
Enquadrada nas disciplinas triviais, na gramática, na retórica e na dialéctica, esta definição do silogismo esclarece-se pela distinção das duas premissas e pelas virtudes dos conceitos. A necessidade da conclusão não resulta da intervenção de um elemento exterior.
Distingue depois Aristóteles duas espécies de silogismos: aqueles que resultam de proposições acerca das quais não temos certeza, mas que servem para exercício dialéctico, retórico ou gramático, e aqueles cujas premissas já comprovadas, ou tidas por verdadeiras, concluem necessariamente a modo de demonstração científica.»
(continua)
Álvaro Ribeiro, Estudos Gerais,
Lisboa, Guimarães Editores, 1961, pp.117-8.
outubro 19, 2012
(continuação 17)
«Fácil será ver, pelo estudo da história da filosofia moderna e contemporânea, que os quadros de categorias se restringem ao modo indicativo, tornando presente, fixo e eterno o verbo expressivo dos conceitos puros da ciência e dos métodos admitidos pela epistemologia.
A verdade não é, porém, o único valor que o filósofo está a inserir mentalmente na realidade que o surpreende; o pensador exprime e comunica; também são valores a beleza e a bondade.
Admite o filósofo que os conceitos puros da ciência tenham prioridade sobre os conceitos impuros da estética e da ética, prioridade e até função significativa; mas nunca admitirá um racionalismo simplista ou abstractivista que condene o segundo e o terceiro valor como indignos de figurar no quadro dos processos gnósicos e, portanto, no quadrívio complementar do ensino trivial.
A beleza da palavra humana, a eloquência, está portanto incluída nos domínios de arte de filosofar. [ ] A eloquência é uma indagação que tem por fim apresentar sensivelmente o insensível. Tornar audível, pelo ritmo musical, uma realidade inefável, é já uma arte cujo artifício se estuda na fonética, na métrica e na versificação. A poesia actua, porém, com palavras de significação insensível mas, digamos, sensibilizada por virtude da imaginação.
A verdade da poesia surge, porém, de mais alta sintaxe. Umas imagens alegorizam outras [ ]. O pensador substitui a imagem do mundo sensível, sempre fugaz e evanescente, por outra imagem mais actual, que universaliza a primeira, ou então pelo verbo que lhe confere perene verdade.»
(continua)
Álvaro Ribeiro, Estudos Gerais,
Lisboa, Guimarães Editores, 1961, pp.113-5.
outubro 17, 2012
(continuação 16)
«A lei dialéctica de Fichte, com as suas três fases de tese, antítese e síntese, domina a cronologia de Hegel muito mais do que as categorias de quantidade, qualidade e relação.
Toda a perplexidade pensante se interroga sobre se os contrários foram postos antes do movimento, se os seres naturais e artificiais, ou históricos, estão realmente subordinados a essa tríade inflexível, ou se a transposição e conversão dos relativos em opostos e contrários não passa de ficção útil, mas inconforme com a descrição sincera do devir empírico e acidental.
A dúvida leva a perguntar se as alterações da mesma essência serão acidentes ou aparências, porque da alternativa depende o problema da substância.
A intelecção do movimento não é possível sem a consideração do móvel nas determinações de tempo e de espaço. O movimento é a noção primitiva, de que todas as outras parecem derivadas.
Assim, contrariamente à doutrina subjectivista de Kant, o espaço e o tempo, determinações objectivas, hão-de ser restituídas ao quadro das categorias, conforme a tradição aristotélica. Acontece, porém, que a sucessão e a localização, susceptíveis de medida, estão ocultas ou resumidas na categoria de quantidade.»
(continua)
Álvaro Ribeiro, Estudos Gerais,
Lisboa, Guimarães Editores, 1961, pp.108-9.
outubro 13, 2012
(continuação 15)
«A substância mineral, ou elementar, corresponde ao reino do silêncio, sem vida de natureza. Com a planta fixa e com o animal movente representam-se-nos as palavras distintas mas necessariamente obedientes às suas leis. A palavra, substância do discurso, na sua identidade pode significar uma coisa, uma imagem ou um conceito cujas determinações são apreendidas pelos processos já descritos de distinção entre as aparências e as essências.
Substante, a palavra é sujeito de predicados, epítetos e atributos. Predicado significa o já anteriormente dito, o já sabido, o já classificado, pelo que a predicação tende a cair no pleonasmo e na tautologia. É o regresso incessante da retórica à mnemónica e à memória. O epíteto adjunta ou adjectiva qualidades externas ou superficiais. O atributo acentua propriedades internas, incógnitas, remotas. A atribuição procede sem certeza, pelo que é muitas vezes comparada à hipótese, mas a adjectivação exalta com evidência graciosa. Estas três operações mentais de classificação, análise e síntese mantêm estante, estático ou estável o sujeito idêntico no fluir do discurso.
A palavra representativa da coisa, da imagem ou do conceito, quando dotada de mobilidade, poderá ser transferida de casa para casa, ao longo de graduados tópicos ou de categorias agrupadas num quadro mnemónico, para maior facilidade das operações intelectivas. [ ]
As inferências imediatas e mediatas da retórica implicavam a noção de conceito, sem que o substantivo perdesse a sua identidade. Não assim no trânsito categorial, porque a mudança de ambiente põe à prova, ou à experiência, a extensão e a compreensão do conceito; [ ].
A deslocação da palavra e o trânsito do conceito, ao longo de estados, estádios e estações, de frases, metamorfoses e ciclos, de casas, classes e graus, foram sempre valorados pelos observadores, mas pelo caminho, ou método categorial, que é crónico e lógico, o pensamento científico alcança mais concretas determinações.»
(continua)
Álvaro Ribeiro, Estudos Gerais,
Lisboa, Guimarães Editores, 1961, pp.107-8.
outubro 11, 2012
(continuação 14)
«Correspondendo, assim, ao pessimismo dos homens que se encontram na crise da adolescência, idade que as exigências dos sociólogos prolongam para além do que seria normal e natural, a dialéctica moderna seduz e atrai quantos pensam em negação àquela realidade desconhecida, ou ainda não conhecida, que os espera na adulta idade.
Entre as leis do agir e as leis do pensar, inerentes e coerentes no conceito da Antiguidade, foi efectuada modernamente uma disjunção que tudo corrompe e que a dialéctica interpreta satisfatoriamente.
Ao adolescente afigura-se-lhe que toda a determinação é negação, segundo o célebre aforismo de Espinosa, que necessariamente conclui pela substância unitarista.
Enquanto lhe for vedado atingir a idade adulta, não entenderá o homem que a geração tem por finalidade o conceito, e que a determinação é, sem dúvida, o aspecto fenomenal da criação.
Entre o indicativo do ser e o imperativo do dever, existem os modos irreais ou ideais da arte, cujo verbo existe para completar, aperfeiçoar e redimir a natureza.»
Álvaro Ribeiro, Estudos Gerais,
Lisboa, Guimarães Editores, 1961, pp.105-6.
outubro 07, 2012
(continuação 13)
«Hegel promove o regresso do modo imperativo ao modo indicativo, afirmando que a filosofia não se ocupa do dever ser, preocupada acima de tudo com o ser.
A preocupação escolástica de adunar o pensar com o ser conduz Hegel a escrever a última ontologia, mas também a prescrever ao pensamento um necessitarismo puro de qualquer influência da vontade (Fichte) ou do sentimento (Schelling).
Elimina, por isso, a categoria da modalidade, reduzindo de doze a nove os conceitos puros do intelecto que haviam sido propostos na tábua mnemónica de Kant. Os conceitos puros agrupam-se agora em novenas, ou enéadas, para usar a designação de Plotino.
Eis o quadro abstracto das tríades concretas que Hegel estudou na sua longa obra:
Quantidade: 1. tese 2. antítese 3. síntese
Qualidade: 4. tese 5. antítese 6. síntese
Relação: 7. tese 8. antítese 9. síntese
[ ] A filosofia alemã, representada agora por este ou aquele nome ilustre, de Kant a Hegel, [ ] atrai, como ponto de de referência ou como ponto de quietação, a actividade intelectual de todo o mundo culto. Não nos cumpre historiar os motivos, os processos e os êxitos [deste] domínio [ ]; pretendemos apenas mostrar que a cultura alemã, fixista pelo uso da mnemónica nos compêndios didácticos, aliás coerente com atribuir à memória a estrutura intelectual da humanidade, expande mecânicamente e propaga materialmente o seu normativismo temerário.»
(continua)
Álvaro Ribeiro, Estudos Gerais,
Lisboa, Guimarães Editores, 1961, pp.104-5.
outubro 05, 2012
(continuação 12)
«O mundo das aparências, ou do que aparece à nossa sensitividade [ ] é um mundo subjectivo [ ] mas universalmente submetido pela actividade judicativa aos conceitos puros do intelecto. [ ] [a] tábua das categorias [ ] parece ter sido apenas constituída para facilitar a tarefa de coordenar e subordinar os fenómenos segundo leis e princípios. A tábua das categorias marca o limite da inquietação. Que não é possivel deslocar a fronteira establelcida entre os fenómenos e os númenos [ ]
A categoria da modalidade adverte-nos, porém, de que o propósito de Kant consistiu em estabelecer para a ética, a moral e a política, uma normatividade científica de grau superior ao da clássica retórica de Aristóteles, Cícero e Quintiliano. Ao modo indicativo do ser sobrepõe-se o modo imperativo do dever ser.
A liberdade humana, já diminuída em seus aspectos cognoscitivos, haveria de ser ainda limitada pela ciência do bem e do mal, segundo o quadro das categorias morais que aparece publicado na Crítica da Razão Prática. O imperativismo torna-se imperialista em consequência das suas pretensões universais, mudando o sinal teórico para sinal prático à inquietação humana, que utiliza a máquina, a mnemónica e a memória.»
(continua)
Álvaro Ribeiro, Estudos Gerais,
Lisboa, Guimarães Editores, 1961, pp.103-4.
outubro 03, 2012
(continuação 11)
«A mais importante reforma do quadro das categorias, aquela que conseguiu pôr de lado a ordenação aristotélica e escolástica, foi levada a efeito por Immanuel Kant em consideração do sistema científico de Galileu, Kepler e Newton. [ ]
Depois de procurar cingir a estrutura universal do espírito humano nas obras que autores ingleses dedicaram ao mesmo escopo, nomeadamente Locke, Berkeley e Hume, concluiu Kant pela redução do espírito ao intelecto, cujas funções aparecem descritas nos conceitos puros que, por sua vez, se agrupam segundo quatro categorias.
Estas funções judicativas distinguem-se, portanto, das estruturas reais e dos objectos situados no mundo sensível. Para Kant, nem o espaço nem o tempo são categorias, como também não será categoria a substância.
O espírito humano atinge assim a sua quietação, não já numa dogmática de artigos de fé, que secretamente alimentem os anseios da alma, mas num quadro mnemónico, que transportará consigo para incentivar o progresso das ciências.
É fácil de reter a série descendente das quatro categorias: quantidade, qualidade, relação, modalidade, e fixar () a cada uma delas a tríade de conceitos puros, indispensáveis para objectivar as subjectivas intuições sensíveis.
Quantidade: Unidade / Pluralidade / Totalidade Qualidade: Realidade / Negação / Limitação
Relação: Substância / Causa / Reciprocidade
Modalidade: Possibilidade / Existência / Necessidade
Convém, no entanto, esclarecer que [o termo alemão begrieff significa realmente laço judicativo e não exactamente o termo conceito usado na tradução para várias línguas românicas que apela mais ao sentido semântico daquilo que foi concebido, o produto da mente, do mentar e até do mentir].
O [‘conceito’] de Kant («begrieff») não é um ente mental, dotado de extensão e de compreensão, mas um agrafe mnemónico indispensável à actividade que julga, reparte ou analisa os dados sensíveis, apresentações ou representações.»
(continua)
Álvaro Ribeiro, Estudos Gerais,
Lisboa, Guimarães Editores, 1961, pp.100-103.
outubro 01, 2012
(continuação 10)
«Convém notar que a doutrina exposta no primeiro livro do Organon está demasiado referida aos problemas de gramática, retórica e dialéctica, pelo que se nos afigura demasiado contaminada por assuntos triviais. Se lermos, porém, os livros científicos de Aristóteles, nomeadamente a Física, veremos já a redução das categorias ao número conveniente para o objecto de estudo.
Com o renascimento da ciência pitagórica e platónica, e também com a subordinação da experiência às determinações de peso, conta e medida, facilitadas pelo progresso arábico das matemáticas, a noção de substância e a noção de categoria sofreram uma alteração verificável nos textos da filosofia moderna.
Acima da natureza, isto é, das leis do nascer e do morrer, foram situadas as relações inteligíveis cuja imortalidade substituía a dos deuses da mitologia antiga.
O pensamento filosófico foi obrigado a aceitar como padrão de necessidade a sequência das relações matemáticas, relações inteligíveis, substantes, existentes em si e para si.
A relação foi refutando a pouco e pouco a substância. Os sistemas filosóficos afirmavam-se relativistas na medida em que iam sendo fenomenistas, desistindo de designar a substância absoluta.»
(continua)
Álvaro Ribeiro, Estudos Gerais,
Lisboa, Guimarães Editores, 1961, pp.100-101.