eis o relato da origem e desenvolvimento da civilização humana,
logo após a invenção do fogo - e o cozinhar os alimentos :) -,
depois de mostrar como a linguagem e o nomear as
coisas surgiu naturalmente entre os humanos
[e, digo eu, - que o li algures -, a linguagem
só começou, depois dos hominídeos terem deixado a floresta
e o seu imenso bruá cacofónico, e migrado para a savana,
onde o silêncio envolvente, tornava audível
a articulação dos sons da fala! :)]
Uma maravilha!
«E a propósito do fogo não te interrogues para contigo:
foi o raio que primeiro fez descer o fogo à terra para os homens
e foi a partir daí que todo o ardor da chama se espalhou.
Com efeito, vemos muitos corpos inflamados pelos fogos celestes,
quando um golpe do céu lhes comunica o seu calor.
E, contudo, quando uma árvore frondosa, vacilando fustigada pelos ventos,
se agita e se encosta aos ramos de outra árvore, nasce da fricção
um fogo de fortes forças, e brilha por vezes o férvido calor da chama,
enquanto os ramos e os troncos se friccionam entre si.
Qualquer destas coisas pode ter dado o fogo aos mortais.
Depois, o sol ensinou a cozinhar os alimentos
e a amolecer com o calor da chama,
porque os homens viam muita coisa a amolecer nos campos,
vencidas pelos golpes dos raios e pelo calor do sol.
Depois, com o passar do tempo, aqueles que tinham mais engenho
e inteligência ensinavam a mudar a vida com as novas invenções e com o
fogo,
começaram a fundar cidades e os próprios reis
começaram a estabelecer cidadelas, protecção e refúgio para si próprios,
a dividir os gados e a distribuirem os campos,
de acordo com a beleza, com as forças e a inteligência de cada um.
Na verdade, a beleza foi de grande importância e as forças tinham grande
valia.
Depois, inventou-se a propriedade e foi descoberto o ouro,
que facilmente retirou aos fortes e belos o favor,
com a maior parte a seguir o séquito do mais rico,
por muito fortes que sejam ou dotados de um belo corpo.
Mas se alguém orientar a sua vida com recta razão,
a grande riqueza para o homem é viver frugalmente
com espírito tranquilo: com efeito do pouco nunca há falta.
Mas os homens quiseram ser ilustres e poderosos,
para que a sua fortuna perdurasse com sólidos alicerces
e, opulentos, pudessem passar uma vida tranquila.
Em vão, pois competindo para alcançar o pico das honrarias,
encheram de perigos o caminho e a inveja
como um raio, derruba-os lá do alto com um golpe,
e precipita-os ignominiosamente no negro Tártaro,
pois a inveja abrasa as coisas mais excelsas como um raio,
de forma que de um modo geral é muito mais satisfatório
que um homem pacato obedeça em vez de querer governar,
exercendo o poder, e dominar reinos.
Por isso, deixa-os lá suar em vãos esforços,
labutando ao longo do estreito caminho da ambição,
pois o que sabem vem-lhes do que os outros dizem e pedem coisas
a partir do que ouviram, mais do que a partir dos próprios sentidos.
E isto não acontece mais agora do que aconteceu antes e do que será no
futuro.
Ora, mortos os reis, jazia destruída a prístina majestade dos tronos
e os ceptros soberbos, e a insígnia ensanguentada da cabeça real
chorava ao ver sua excelsa honra sob os pés do vulgo.
Na verdade, é calcado com sofreguidão excessiva aquilo que antes se
temeu.
E assim o poder regressava à escumalha e às multidões
e cada um reclamava para si o poder e o posto mais elevado.
Depois, houve quem ensinasse a nomear um magistrado
e a estabelecer direitos, para que quisessem ter leis.
Na verdade, o género humano, cansado de passar o tempo na violência,
enfraquecia devido às inimizades, razão de sobra para de bom grado
se submeter a leis e a um rigoroso Direito.
Isto porque aquele que se preparava para ferir na sequência da ira
o fazia com mais violência do que agora é permitido por leis justas.
Foi por isso que os homens se enfadaram de passar os seus dias em
violências.
Desde então, o pavor das punições mancha as alegrias da vida.
De facto, a violência e o ultraje enredam aquele
de quem partiram e a ele regressam na sua maioria,
e não é fácil levar uma vida tranquila e calma
a quem viola com as suas acções os comuns pactos da paz.»
Lucrécio, Da natureza das coisas («De rerum natura», I a.C.),
Trad., introd. e notas: Luís Manuel Gaspar Cerqueira,
Relógio D’Água, Lisboa, 2015, Livro V, 1091-1155
junho 07, 2015
junho 02, 2015
(1) Existe o composto;
(2) Portanto, existe o simples;
(3) O simples não pode ser extenso;
(4) A extensão é divisível em partes;
(5) Nenhum corpúsculo, por minúsculo que seja,
é indivisível, pelo que não é simples;
(6) Logo, o elemento simples, que deve existir,
deve ser inextenso.
(7) Então, como e onde encontrar um elemento
real, inextenso e simples?
(8) No conhecimento imediato, na natureza espiritual,
na experiência interior da nossa consciência.
(9) A consciência é o exemplar mais acessível dos átomos
inextensos de que os compostos são feitos.
(10) Chamam-se mónadas (= unidades) às substâncias primárias.
(11) No universo só existem mónadas e compostos de mónadas.
(12) Nas mónadas distinguem-se duas coisas:
«percepções»
«apetições»
(13) Uma mónada é apenas um centro de percepção e de apetição.
(14) Distinguem-se na percepção dois modos:
percepções conscientes ou «apercepções» e,
percepções inconscientes ou «pequenas percepções».
(15) Há inúmeros estados de que não nos apercebemos.
(16) Contudo, é preciso que nos «apercebamos» desses estados
sem deles nos «apercebermos».
(17) Porque só assim sucedendo se explica que consigamos
apercebermo-nos dos objectos compostos dos estados
de que não nos «apercebemos».
(18) Em nós, são poucas as percepções de que temos conhecimento.
(19) Em compensação, sentimos uma infinidade de percepções inapercebidas.
(20) Distinguem-se entre si as percepções obscuras, claras, distintas, adequadas.
(21) Percebemos obscuramente o que nãoestamos em estado de reconhecer.
(22) Percebemos claramente oque estamos em estado de reconhecer.
(23) Percebemos distintamente o que analisamos suficientemente
para lhe distinguirmos os elementos.
(24) Percebemos adequadamente o que podemos analisar até ao fim.
(25) A observação mostra-nos:
1º objectos inorgânicos;
2º seres vivos, como as plantas;
3º seres vivos conscientes, como os bichos;
4º seres vivos conscientes, capazes de reflexão
e de ciência, como os homens.
(26) O que são todos estes objectos, todos estes seres?
(27) Só existem mónadas imateriais.
(28) São as mónadas que correspondem aos objectos que conhecemos.
(29) As mónadas existem em número infinito e compoem cada partícula
mínima da matéria.
(30) Cada mónada possui, como nós, percepção conjunta do universo.
(31) Cada mónada tem apetições que se orientam para a perfeição
adequada de todas as coisas.
(32) Contudo, essas percpções são do estado de «pequenas percepções».
(33) As mónadas não se apercebem de que se apercebem.
(34) Nos homens, a mónada dominante é um espírito, uma consciência
capaz de ideias distintas, de apreender axiomas racionais, de construir
ciências como a matemática e as ciências da natureza.
(35) Deus é a «mónada das mónadas». Possue um entendimento que lhe
representa todos os possíveis, uma vontade orientada para o Bem
Absoluto, e que escolhe o melhor mundo possível.
(36) É por ser o melhor possível, que o universo existe como o conhecemos.
(37) É na natureza do Bem que reside em última análise, a última razão
de ser de todas as mónadas criadas.
(38) Como é que as mónadas se podem conhecer umas às outras?
(39) As mónadas não são constituidas por partes;
(40) Por isso, não podem actuar do exterior, umas sobre as outras.
(41) A acção exterior só pode exercer-se aumentando, diminuindo ou
modificando as partes do objecto sobre que incide;
(42) Ora o que não é constituido por partes nãopode suportar nenhuma
acção exterior;
(43) No entanto, as mónadas conhecem-se mutuamente.
(44) Como o conseguem?
(45) De toda a eternidade, cada mónada é uma fonte viva de percepção;
(46) Em estado de pequena percepção inconsciente, tudo nela existe em
estado destinado a perceber;
(47) Em cada mónada, as percepções seguem-se umas às outras em
conformidade a determinismo certo, e desde o princípio todas
as mónadas estão em harmonia;
(48) A cada estado de uma mónada A corresponde um estado das
mónadas B, C, D, E, etc.; a cada variação da primeira corresponde
uma variação paralela de todas as outras;
(49) Por virtude do seu acordo, as mónadas aparentam influenciar-se
mutuamente;
(50) Mas na realidade não o fazem;
(51) Cada mónada evoluciona como se estivesse sozinha mas as fases
da evolução de uma correspondem exactamente às de todas as outras.
André Cresson, Os Sistemas filosóficos, trad.
Edmundo Curvelo, colecção Biblioteca Cosmos,
nº 24 e 26 (2 vol.’s), Editora Cosmos,
Lisboa, 1942, pp. 14 a 18, (2º vol.)
maio 08, 2015
maio 05, 2015
abril 08, 2015
MEMORANDO DE UMAS SOMBRAS
Termina o dia. O melro, a mulher e as sombras repartem
entre si o que resta. Ela dança, preparar a mesa,
como em redor de Vesta. O melro, a olhar o sol vago,
escolhe a folhagem densa para cumprir o destino.
Ociosas, as sombras perseguem gestos e as formas.
Fiama Hasse Pais Brandão, Epístolas e Memorandos,
Relógio d'Água, Lisboa, 1996, p.27
Termina o dia. O melro, a mulher e as sombras repartem
entre si o que resta. Ela dança, preparar a mesa,
como em redor de Vesta. O melro, a olhar o sol vago,
escolhe a folhagem densa para cumprir o destino.
Ociosas, as sombras perseguem gestos e as formas.
Fiama Hasse Pais Brandão, Epístolas e Memorandos,
Relógio d'Água, Lisboa, 1996, p.27
abril 05, 2015
EPÍSTOLA PARA UM CARAMANCHÃO COBERTO
Nesse caramanchão que a madressilva cobriu
sempre estavam mais sombras do que corpos ou coisas.
A sombra de alguém que se sentasse junto aos vasos
estendia a mão nítida para uma flor de sombra.
Dançasse uma criança em volta do pequeno lago
no centro, e havia uma espiral de sombras claras.
Solitário, na própria sombra, o gato era um corpo
penando a dualidade de ser e de não ser.
Até a pá do jardineiro, linha de sombra oblíqua,
por ser de sombra se quebrava em ângulo.
Não porque todos não estivéssemos em vida ali
mas porque a madressilva, só ela, se embebia de luz.
Fiama Hasse Pais Brandão, Epístolas e Memorandos,
Relógio d'Água, Lisboa, 1996, p.22
Nesse caramanchão que a madressilva cobriu
sempre estavam mais sombras do que corpos ou coisas.
A sombra de alguém que se sentasse junto aos vasos
estendia a mão nítida para uma flor de sombra.
Dançasse uma criança em volta do pequeno lago
no centro, e havia uma espiral de sombras claras.
Solitário, na própria sombra, o gato era um corpo
penando a dualidade de ser e de não ser.
Até a pá do jardineiro, linha de sombra oblíqua,
por ser de sombra se quebrava em ângulo.
Não porque todos não estivéssemos em vida ali
mas porque a madressilva, só ela, se embebia de luz.
Fiama Hasse Pais Brandão, Epístolas e Memorandos,
Relógio d'Água, Lisboa, 1996, p.22
março 13, 2015
Veredas são caminhos abertos, livres
entre florestas inóspitas ou suaves
e são símbolos de ruas de escassez
de cidades com os seus bairros de mágoa.
O século do Homem Só era este século,
em que o trabalho brilhou como uma estrela
e depois doeu com a cruz da miséria.
Fiama Hasse Pais Brandão, Cenas Vivas, in
"Peregrinação e Catábase" Relógio d'Água,
Lisboa, 1996, p.111
entre florestas inóspitas ou suaves
e são símbolos de ruas de escassez
de cidades com os seus bairros de mágoa.
O século do Homem Só era este século,
em que o trabalho brilhou como uma estrela
e depois doeu com a cruz da miséria.
Fiama Hasse Pais Brandão, Cenas Vivas, in
"Peregrinação e Catábase" Relógio d'Água,
Lisboa, 1996, p.111
março 11, 2015
Visitei ontem as novas instalações da livraria Pó dos Livros
que mudou da Av. Marquês de Tomar para a de Duque d'Ávila.
É uma verdadeira livraria, inconfundível com essas tais lojas
de produtos tipográficos que aparentam ser livros e
não passam de lixo a reciclar, mês a mês.
Orgulhosamente, como livreiros, não desprezam
mostrar livros de edições de há muitos anos,
e creio que até, livros usados.
Enfim, objectos de leitura,
de espírito vivo.
Comprei um livro escrito há mais de dois mil anos
e que sempre desejei possuir e ler de fio a pavio
o Da Natureza das Coisas, de Lucrécio
o grande poema latino do materialismo atomista!
Pela sua beleza imponente, transcrevo os versículos 49-79.
Ei-los,
«Ora agora presta ouvidos disponíveis e um espírito sagaz,
desprovido de preocupações, à doutrina verdadeira, 50
para não desperdiçares desdenhosamente
a minha dádiva para ti preparada com amorosa dedicação.
Vou, de facto, começar a expor-te a derradeira explicação
do céu e dos deuses e revelarei os elementos primordiais da matéria
a partir dos quais a natureza forma todas as coisas, as faz crescer e as sus-
tenta
e em que a natureza as dissolve quando as mesmas são destruídas,
a que nós costumamos chamar matéria e corpos geradores,
ao explicar a doutrina, e sementes das coisas, e também lhes damos
o nome de corpos primordiais, porque é a partir deles que tudo existe.
Como a vida humana jazesse vilmente prostrada 60
diante dos olhos de todos, esmagada sob o peso da religião,
que assomava a cabeça das regiões do céu,
ameaçando os mortais com um aspecto horrível,
este homem grego foi quem em primeiro lugar ousou erguer
contra ela os olhos mortais e quem primeiro ousou fazer-lhe frente.
E a este não o demoveram nem o que se dizia dos deuses nem os raios
nem o céu com o seu bramido ameaçador, mas antes mais estimularam
a enérgica coragem do seu espírito, a ponto de desejar ser o primeiro
a despedaçar os ferrolhos firmemente fechados das portas da natureza, 70
e assim a vívida força do seu espírito obteve um triunfo completo
e ultrapassou em muitos as muralhas flamejantes do nosso mundo,
percorreu com a sua inteligência e ardor o universo imenso,
de onde nos traz, vitorioso, o conhecimento do que pode
e não pode nascer, e por fim por que leis está limitado o poder
de cada coisa e os seus marcos fundamente fixados.
Por isso a religião é agora, por sua vez, pisada sob os pés
dos homens e a vitória eleva-nos aos céus.»
:)
que mudou da Av. Marquês de Tomar para a de Duque d'Ávila.
É uma verdadeira livraria, inconfundível com essas tais lojas
de produtos tipográficos que aparentam ser livros e
não passam de lixo a reciclar, mês a mês.
Orgulhosamente, como livreiros, não desprezam
mostrar livros de edições de há muitos anos,
e creio que até, livros usados.
Enfim, objectos de leitura,
de espírito vivo.
Comprei um livro escrito há mais de dois mil anos
e que sempre desejei possuir e ler de fio a pavio
o Da Natureza das Coisas, de Lucrécio
o grande poema latino do materialismo atomista!
Pela sua beleza imponente, transcrevo os versículos 49-79.
Ei-los,
«Ora agora presta ouvidos disponíveis e um espírito sagaz,
desprovido de preocupações, à doutrina verdadeira, 50
para não desperdiçares desdenhosamente
a minha dádiva para ti preparada com amorosa dedicação.
Vou, de facto, começar a expor-te a derradeira explicação
do céu e dos deuses e revelarei os elementos primordiais da matéria
a partir dos quais a natureza forma todas as coisas, as faz crescer e as sus-
tenta
e em que a natureza as dissolve quando as mesmas são destruídas,
a que nós costumamos chamar matéria e corpos geradores,
ao explicar a doutrina, e sementes das coisas, e também lhes damos
o nome de corpos primordiais, porque é a partir deles que tudo existe.
Como a vida humana jazesse vilmente prostrada 60
diante dos olhos de todos, esmagada sob o peso da religião,
que assomava a cabeça das regiões do céu,
ameaçando os mortais com um aspecto horrível,
este homem grego foi quem em primeiro lugar ousou erguer
contra ela os olhos mortais e quem primeiro ousou fazer-lhe frente.
E a este não o demoveram nem o que se dizia dos deuses nem os raios
nem o céu com o seu bramido ameaçador, mas antes mais estimularam
a enérgica coragem do seu espírito, a ponto de desejar ser o primeiro
a despedaçar os ferrolhos firmemente fechados das portas da natureza, 70
e assim a vívida força do seu espírito obteve um triunfo completo
e ultrapassou em muitos as muralhas flamejantes do nosso mundo,
percorreu com a sua inteligência e ardor o universo imenso,
de onde nos traz, vitorioso, o conhecimento do que pode
e não pode nascer, e por fim por que leis está limitado o poder
de cada coisa e os seus marcos fundamente fixados.
Por isso a religião é agora, por sua vez, pisada sob os pés
dos homens e a vitória eleva-nos aos céus.»
:)
março 08, 2015
Basta ligar a televisão para se perceber o estado de indigência intelectual
e política a que chegou o país. A informação, que já foi sofrivelmente sensata,
embora parcial e sumária, tem hoje o critério editorial do antigo semanário “O
Crime” e da imprensa cor-de-rosa e desportiva.
Para começar, os portugueses são presenteados com horas do que antigamente
se chamava “casos crapulosos”: a facada, o tiro, o roubo, a violência
doméstica, histórias de tribunal, considerações de réus, de testemunhas, de
advogados, de “populares”, da polícia e de um ou outro comentador de serviço.
Depois do “crapuloso” vem o “acidente” e a catástrofe: desastres de avião e de
automóvel, incêndios, tempestades de vento ou neve, inundações, tudo o que meta
feridos, mortos, miséria e sangue.
Isto ocupa muito mais de metade do noticiário médio. O resto consiste numa
pseudo-reportagem desportiva, ou seja, no dia-a-dia do futebol. A televisão não
perde um jogo ou um golo que possa interessar a meia dúzia de fanáticos
de um clube qualquer. Segue os treinos. Esclarece sobre o “plantel” da equipa A
ou da equipa B, sobre os lesionados, sobre os castigados, sobre os “duvidosos”.
Entrevista treinadores na véspera e no minuto seguinte aos “clássicos” e não-
“clássicos” do campeonato. Jorge Jesus, por exemplo, é seguido com uma
persistência e um zelo com que não se segue nenhum ministro, o
primeiro-ministro ou Presidente da República (agora tão retirado que o boato da
sua prematura morte já corre pela província). E, através de tudo isto, Ronaldo,
sempre Ronaldo, infinitamente Ronaldo.
O tempo que sobra (e o jornal da TVI, para só falar nele dura uma hora e
meia) vai para festas: festas de cozinha, festas de vinho, festivais da
alheira, do presunto e do chouriço, de quando em quando as prodigiosas
fabricações do chefe A ou do chefe B e, continuamente, o sabor e o aroma dos
tradicionais produtos deste nosso querido Portugal (que não se vendem nos
supermercados, nem nas mercearias de Lisboa). Não admira que neste banho
cultural, a política tenha pouco a pouco adoptado a natureza da televisão. Com
um esforço sublime consegue concorrer, e colaborar, com os “valores” que regem
os noticiários e não pára de nos dar novos motivos de interesse e estima: a
barafunda Sócrates, a barafunda BES, os mistérios do “Visa Gold”, o velho
incumprimento fiscal de Passos Coelho, a prisão de um inspector da polícia, a
mentira impenitente e descarada no parlamento e fora dele. Portugal acaba com
certeza por se transformar num “filme negro” (anos 40), sem Bogart, nem Bacall.
E nós, pachorrentamente, assistimos na nossa cadeira.
Vasco Pulido Valente, hoje, no Público
março 05, 2015
MEMORANDO DE UMA FÁBULA
Pela manhã, a teia prendia gotas de água
como cristais e pérolas. Com os seus fios róseos
ela absorvia o Sol, e era o manto de ouro
da aranha magnífica. É uma fábula, sim,
e eu soube o fim quando vi o dolo e a morte.
Fiama Hasse Pais Brandão, Epístolas e Memorandos,
Relógio d'Água, Lisboa, 1996, p.29
janeiro 19, 2015
Across the Universe - Fiona Apple with lyrics
"Across The Universe"
Words are flowing out like endless rain into a paper cup
They slither wildly as they slip away across the universe
Pools of sorrow, waves of joy are drifting through my opened mind
Possessing and caressing me
Jai Guru Deva OM
Nothing's gonna change my world
Nothing's gonna change my world
Nothing's gonna change my world
Nothing's gonna change my world
Images of broken light which dance before me like a million eyes
They call me on and on across the universe
Thoughts meander like a restless wind inside a letter box
They tumble blindly as they make their way across the universe
Jai Guru Deva OM
Nothing's gonna change my world
Nothing's gonna change my world
Nothing's gonna change my world
Nothing's gonna change my world
Sounds of laughter, shades of life are ringing through my open ears
Inciting and inviting me
Limitless undying love which shines around me like a million suns
It calls me on and on, across the universe
Jai Guru Deva OM
Nothing's gonna change my world
Nothing's gonna change my world
Nothing's gonna change my world
Nothing's gonna change my world
Jai Guru Deva
Jai Guru Deva
Jai Guru Deva
Jai Guru Deva
Jai Guru Deva [fade out]
They slither wildly as they slip away across the universe
Pools of sorrow, waves of joy are drifting through my opened mind
Possessing and caressing me
Jai Guru Deva OM
Nothing's gonna change my world
Nothing's gonna change my world
Nothing's gonna change my world
Nothing's gonna change my world
Images of broken light which dance before me like a million eyes
They call me on and on across the universe
Thoughts meander like a restless wind inside a letter box
They tumble blindly as they make their way across the universe
Jai Guru Deva OM
Nothing's gonna change my world
Nothing's gonna change my world
Nothing's gonna change my world
Nothing's gonna change my world
Sounds of laughter, shades of life are ringing through my open ears
Inciting and inviting me
Limitless undying love which shines around me like a million suns
It calls me on and on, across the universe
Jai Guru Deva OM
Nothing's gonna change my world
Nothing's gonna change my world
Nothing's gonna change my world
Nothing's gonna change my world
Jai Guru Deva
Jai Guru Deva
Jai Guru Deva
Jai Guru Deva
Jai Guru Deva [fade out]
janeiro 15, 2015
LÍRIO
Seda da pétala roxa em dimensão menor
do que acurva frontal no mundo
............................................................................. diminuto
com a permanente ilusão de que o Universo
é magnânimo. Para exprimir a grandeza
e a intenção de cada sentimento utilizo
cristais do estame sedas da circunvolução
............................................................................................. roxa
vacuidade do cálice o dístico lírio.
Para a clareza absoluta tudo e nada
eram uma forma de convenção e de verdade.
Uma expressão verídica os portões do Universo
a abrirem com a voz toante
que me descreve a ficção. O setinoso tom
a forma doce do grande acorde do eco
............................................................................sobre o vau
completavam o prazer do silêncio pessoal.
Fiama Hasse Pais Brandão, Obra Breve,
Assírio & Alvim, Lisboa, 2006, p.222
Seda da pétala roxa em dimensão menor
do que acurva frontal no mundo
............................................................................. diminuto
com a permanente ilusão de que o Universo
é magnânimo. Para exprimir a grandeza
e a intenção de cada sentimento utilizo
cristais do estame sedas da circunvolução
............................................................................................. roxa
vacuidade do cálice o dístico lírio.
Para a clareza absoluta tudo e nada
eram uma forma de convenção e de verdade.
Uma expressão verídica os portões do Universo
a abrirem com a voz toante
que me descreve a ficção. O setinoso tom
a forma doce do grande acorde do eco
............................................................................sobre o vau
completavam o prazer do silêncio pessoal.
Fiama Hasse Pais Brandão, Obra Breve,
Assírio & Alvim, Lisboa, 2006, p.222
janeiro 14, 2015
Quiero - Salvatore Adamo
Quiero la luna que ilumina
Tu silueta al caminar
Con paso de bailarina
Tú la sigues sin mirar
Quiero que vengas cariñosa
Y me habrás besado al llegar
Cuando te sientes tan dichosa
Y te ríes al besar
Quiero la calma de la tarde
Cuando ya empieza a anochecer
Es el crepúsculo que arde
Como arde mi querer
Quiero que tu mano me guíe
Si estoy en la oscuridad
Y mi corazón sonríe
Lleno de felicidad
Quiero tus ojos color de bruma
Que a veces veo en mi soñar
Son como un manto de dulzura
Que me viene a despertar
Annabela Sciorra
janeiro 13, 2015
EPÍSTOLA PARA UM BANDOLIM
SEMPRE EM CIMA DE UMA MESA
Não sabes onde está a tua alma eterna hoje
porque te deixei mudo e imóvel, sem os dedos
de alguém ignoto, um dia, que te possuiu
e ao teu etéreo dom. Perguntas-me se estarás
para sempre ali, e eu digo: não estarei para sempre.
Podes sonhar com a melodia antiga ainda,
que trocaste com o demo pelo teu silêncio aqui,
pois estas mãos apenas imitam o teu som subtil,
por erro e por defeito, nas palavras destes versos.
Fiama Hasse Pais Brandão, Obra Breve,
Assírio & Alvim, Lisboa, 2006, p.596
Assírio & Alvim, Lisboa, 2006, p.596
janeiro 11, 2015
VIVENDA
Na tarde, o calceteiro bate no granito.
Na noite, o mocho pia no silêncio.
E, além destes ruídos, a água
escoa do cano velho da bica.
Nos meus ouvidos, a minha vida
reparte-se entre outrora e isto.
Entre um ruído e outro, no centro
dos sons revivo. Mas não terei
de conhecer o que uma vez vivi
nem o que abandono. Sou livre
para a traição e o esquecimento
quando aqui estou.
Fiama Hasse Pais Brandão, Obra Breve,
Assírio & Alvim, Lisboa, 2006, p.625-26.
Assírio & Alvim, Lisboa, 2006, p.625-26.
janeiro 09, 2015
OS GROUS?
As viagens separam-nos do passado.
Se apenas viajássemos como grous,sem reconhecer as nações debaixo da quilha do nosso esterno,
se não trocássemos os idiomas e as unhas
com os habitantes das novas geografias,
seríamos nós. Porque o idioma
é fechado e insondável em cada criatura,
porque cada nação é o berço de uma língua
e os meus poemas noutra língua não são meus.
Quando viajamos no mundo não sabemos quem fomos.
Fiama Hasse Pais Brandão, Obra Breve,
Assírio & Alvim, Lisboa, 2006, p.625
janeiro 07, 2015
UM CANTO MUDO
Guardam-me, de dia, um só melro,
de noite um só grilo. O melro
suspende nos ramos o sulco do seu canto,
um assobio contínuo e descontínuo
que de repente cai, se me ouve os passos
roçarem entre as pedras e as plantas,
no meu chão. O grilo, esse,
vizinho sazonal da minha porta,
parente que vive na soleira
num torrão de terra seco e verde,
quando range numa frincha o vento
ou se balançam as sardinheiras da entrada,
corta o seu fio de sons, o movimento eufórico,
e avisa-me da vida ou morte, pelo silêncio.
Ambos desfrutam a Terra ao pé de mim,
festivos se estou quieta,
ou se o microcosmos comigo se conforma.
Se eu ando incerta ou se o condutor das almas
me força o meu cubículo
no centro da clareira, o melro ou o grilo
chamam-me calando-se.
Porque cantam sem pensarem no seu canto
e conhecem dos meus nomes o mais eterno.
Fiama Hasse Pais Brandão, Obra Breve,
Assírio & Alvim, Lisboa, 2006, p.630-31.
:)
Assírio & Alvim, Lisboa, 2006, p.630-31.
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janeiro 03, 2015
DO OUTONO
II
porque só o vento me trazia a fala,
vinda de algures, com notícias de alguém,
indo para além, para outros ouvidos, num país.
Sem
vento, a minha voz secou
aqui,
neste parque de cedros quietos.
Tudo
é como ontem era, mas a minha
voz,
na minha face, calou-se,porque só o vento me trazia a fala,
vinda de algures, com notícias de alguém,
indo para além, para outros ouvidos, num país.
Fiama Hasse Pais Brandão, Obra Breve,
Assírio & Alvim, Lisboa, 2006, p.712
Assírio & Alvim, Lisboa, 2006, p.712
janeiro 01, 2015
DA FIGURA DAS COISAS
Hoje, os vendavais
que dão novos ângulos
à figueira nua de folhas,
cujos troncos se desencontram
como riscos feitos no azul
pelo Deus ignoto,
começaram, ou recomeçaram,
o que é o mesmo,
porque ano após ano,
o deus risca nos céus
traços diversos únicos.
Fiama Hasse Pais Brandão, Obra Breve,
Assírio & Alvim, Lisboa, 2006, p.714
Hoje, os vendavais
que dão novos ângulos
à figueira nua de folhas,
cujos troncos se desencontram
como riscos feitos no azul
pelo Deus ignoto,
começaram, ou recomeçaram,
o que é o mesmo,
porque ano após ano,
o deus risca nos céus
traços diversos únicos.
Fiama Hasse Pais Brandão, Obra Breve,
Assírio & Alvim, Lisboa, 2006, p.714