Basta ligar a televisão para se perceber o estado de indigência intelectual
e política a que chegou o país. A informação, que já foi sofrivelmente sensata,
embora parcial e sumária, tem hoje o critério editorial do antigo semanário “O
Crime” e da imprensa cor-de-rosa e desportiva.
Para começar, os portugueses são presenteados com horas do que antigamente
se chamava “casos crapulosos”: a facada, o tiro, o roubo, a violência
doméstica, histórias de tribunal, considerações de réus, de testemunhas, de
advogados, de “populares”, da polícia e de um ou outro comentador de serviço.
Depois do “crapuloso” vem o “acidente” e a catástrofe: desastres de avião e de
automóvel, incêndios, tempestades de vento ou neve, inundações, tudo o que meta
feridos, mortos, miséria e sangue.
Isto ocupa muito mais de metade do noticiário médio. O resto consiste numa
pseudo-reportagem desportiva, ou seja, no dia-a-dia do futebol. A televisão não
perde um jogo ou um golo que possa interessar a meia dúzia de fanáticos
de um clube qualquer. Segue os treinos. Esclarece sobre o “plantel” da equipa A
ou da equipa B, sobre os lesionados, sobre os castigados, sobre os “duvidosos”.
Entrevista treinadores na véspera e no minuto seguinte aos “clássicos” e não-
“clássicos” do campeonato. Jorge Jesus, por exemplo, é seguido com uma
persistência e um zelo com que não se segue nenhum ministro, o
primeiro-ministro ou Presidente da República (agora tão retirado que o boato da
sua prematura morte já corre pela província). E, através de tudo isto, Ronaldo,
sempre Ronaldo, infinitamente Ronaldo.
O tempo que sobra (e o jornal da TVI, para só falar nele dura uma hora e
meia) vai para festas: festas de cozinha, festas de vinho, festivais da
alheira, do presunto e do chouriço, de quando em quando as prodigiosas
fabricações do chefe A ou do chefe B e, continuamente, o sabor e o aroma dos
tradicionais produtos deste nosso querido Portugal (que não se vendem nos
supermercados, nem nas mercearias de Lisboa). Não admira que neste banho
cultural, a política tenha pouco a pouco adoptado a natureza da televisão. Com
um esforço sublime consegue concorrer, e colaborar, com os “valores” que regem
os noticiários e não pára de nos dar novos motivos de interesse e estima: a
barafunda Sócrates, a barafunda BES, os mistérios do “Visa Gold”, o velho
incumprimento fiscal de Passos Coelho, a prisão de um inspector da polícia, a
mentira impenitente e descarada no parlamento e fora dele. Portugal acaba com
certeza por se transformar num “filme negro” (anos 40), sem Bogart, nem Bacall.
E nós, pachorrentamente, assistimos na nossa cadeira.
Vasco Pulido Valente, hoje, no Público
2 comentários:
É impossível não concordar. :(
Demolidor!
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