janeiro 07, 2015


UM  CANTO  MUDO

Guardam-me, de dia, um só melro,
de noite um só grilo. O melro
suspende nos ramos o sulco do seu canto,
um assobio contínuo e descontínuo
que de repente cai, se me ouve os passos
roçarem entre as pedras e as plantas,
no meu chão. O grilo, esse,
vizinho sazonal da minha porta,
parente que vive na soleira
num torrão de terra seco e verde,
quando range numa frincha o vento
ou se balançam as sardinheiras da entrada,
corta o seu fio de sons, o movimento eufórico,
e avisa-me da vida ou morte, pelo silêncio.

Ambos desfrutam a Terra ao pé de mim,
festivos se estou quieta,
ou se o microcosmos comigo se conforma.
Se eu ando incerta ou se o condutor das almas
me força o meu cubículo
no centro da clareira, o melro ou o grilo
chamam-me calando-se.
Porque cantam sem pensarem no seu canto
e conhecem dos meus nomes o mais eterno.


Fiama Hasse Pais Brandão, Obra Breve,
Assírio & Alvim, Lisboa, 2006, p.630-31.


:)

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