Tenho imensas coisas para fazer. Hei-de morrer com imensas coisas por fazer.
:)
junho 26, 2010
LONGA VIDA AO MEXILHÃO DO RIO [ou Se o rídiculo matasse*]
O Ministério do Ambiente chumba a construção da barragem de Pedroselos, no Alto Tâmega. Motivo: a descoberta de que ali vive uma espécie em vias de extinção, conhecida por mexilhão do rio.
Não sei o que mais admirar: se o Ministério do Ambiente, que nunca tinha dado por que no Alto Tâmega se desenrolava este drama; se a Iberdrola, que ao investir ali, alertou para a tragédia; se o próprio mexilhão, que mesmo à beira da morte, conseguiu fazer ouvir a sua voz desesperada.
Interroga-se o leitor: mas que importância transcendente tem o mexilhão do rio para Portugal? Não se sabe. Mas o certo é que a Iberdrola, que já pagou €303 milhões ao Estado Português pela construção de quatro barragens no Alto Tâmega, ou constrói esta noutro local ou redistribui a potência das outras quatro por apenas três.
Isto, claro, se nas margens das outras não se descobrir que uma raríssima pulga da areia está em vias de extinção... Decididamente, o rídiculo não mata. Mas custa imenso tempo e dinheiro.
Nicolau Santos, in Expresso-26-6-2010
* Subtítulo meu.
junho 24, 2010
C'est drôl' c'que t'es drôle à r'garder T'es là, t'attends, tu fais la tête Et moi j'ai envie d'rigoler C'est l'alcool qui monte en ma t^te
Tout l'alcool que j'ai pris ce soir Afin d'y puiser le courage De t'avouer que j'en ai marr' De toi et de tes commérages
De ton corps qui me laisse sage Et qui m'enlève tout espoir J'en ai assez faut bien qu'j'te l'dise Tu m'exaspèr's, tu m'tyrannises
Je subis ton sal'caractèr' Sans oser dir' que t'exagèr's Oui t'exagèr's, tu l'sais maint'nant Parfois je voudrais t'étrangler
Dieu que t'as changé en cinq ans Tu l'laisses aller, Tu l'laisses aller Ah ! tu es belle à regarder Tes bas tombant sur tes chaussures
Et ton vieux peignoir mal fermé Et tes bigoudis quelle allure Je me demande chaque jour Comment as-tu fait pour me plaire
Comment ai-j' pu te faire la cour Et t'aliéner ma vie entière Comm' ça tu ressembles à ta mère Qu'a rien pour inspirer l'amour
D'vant mes amis quell' catastroph' Tu m'contredis, tu m'apostrophes Avec ton venin et ta hargne Tu ferais battre des montagnes
Ah ! j'ai décroché le gros lot Le jour où je t'ai rencontrée Si tu t'taisais, ce s'rait trop beau Tu l'laisses aller, Tu l'laisses aller
Tu es un'brute et un tyran Tu n'as pas de c?ur et pas d'âme Pourtant je pense bien souvent Que malgré tout tu es ma femme
Si tu voulais faire un effort Tout pourrait reprendre sa place Pour maigrir fais un peu de sport arranges-toi devant ta glace
Accroche un sourire à ta face Maquille ton c?ur et ton corps Au lieu d'penser que j'te déteste Et de me fuir comme la peste
Essaie de te montrer gentille Redeviens la petite fille Qui m'a donné tant de bonheur Et parfois comm' par le passé
J'aim'rais que tout contre mon c?ur Tu l'laisses aller, Tu l'laisses aller
junho 15, 2010
Era assim; já não é!
junho 14, 2010
junho 13, 2010
junho 12, 2010
«Um idiota preguiçoso continua sempre a ser um idiota! E um preguiçoso inteligente é alguém que reflectiu acerca do mundo em que vive. Não se trata, pois, de preguiça. É tempo de reflexão. E quanto mais preguiçoso fores, mais tempo tens para reflectir. E é por isso que no Oriente, isso se designa por filosofia oriental... A maior parte das pessoas tem tempo. Quanto mais se desce para sul, mais encontramos profetas, magos, pessoas que reflectiram sobre o mundo.»
Michel Mitrani, Conversas com Albert Cossery, («Conversation avec Albert Cossery», 1995), Antígona, Lisboa, 2002
junho 11, 2010
(continuação)
«Esta novidade ainda não o saciara. Até a leitura do jornal, que costumava ser o alimento essencial da sua boa disposição, — graças a um universo fértil em demências de toda a espécie — vinha agora em segundo lugar, depois de ele ficar ali espraiando a vista até ao horizonte.
Daquele sexto andar, como um explorador no cimo de uma montanha, Karim dominava a cidade e os seus múltipos antros — onde agitava, com os olhos postos na prosperidade, a multidão dos imbecis e dos filhos da puta.
Esta vista geral de uma sociedade entregue à mais sangrenta ladroeira transmitia-lhe um prazer sem limites. Cada vez mais, considerava a sua nova residência um observatório onde as suas faculdades humorísticas podiam medrar com toda a liberdade.»
(fim da transcrição)
Albert Cossery, A violência e o escárnio, («La violence et la dérision», 1964), trad. Júlio Henriques, Antígona, Lisboa, 1999, pp. 17-18
Até a leitura do jornal... vinha agora em segundo lugar
... espraiando a vista até ao horizonte.
Esta vista geral de uma sociedade...
junho 10, 2010
«Ao ouvir a porta fechar-se atrás da rapariga, Karim sentiu-se aliviado de um grande peso. Ia por fim poder respirar à vontade. Saltou da cama e, apertando o cordão das calças do pijama, saiu para o terraço.
Morava desde há uns oito dias neste quarto, onde desfrutava uma soberba vista para o mar; fora uma agradável mudança, pois o seu precedente alojamento, sombrio e sem ar, era um autêntico pardieiro dos bairros indígenas.
E desde que ali morava, acordava todas as manhãs com um sentimento de descuidosa alegria. A primeira coisa que fazia era ir para o terraço, para gozar o espectáculo que aquela situação privilegiada lhe oferecia.»
(continua)
Albert Cossery, A violência e o escárnio, («La violence et la dérision», 1964), trad. Júlio Henriques, Antígona, Lisboa, 1999,
A primeira coisa que fazia era ir para o terraço...
junho 09, 2010
«— Sei apenas duas coisas muito simples, disse Heikal. [ ] — Diz-me então a primeira dessas coisas. Sou todo ouvidos. — A primeira é que o mundo emque vivemos é regido pela mais ignóbil quadrilha de tratantes que alguma vez pisou o chão deste planeta. — Subscrevo por inteiro essa afirmação. E a segunda? — A segunda é esta: acima de tudo, convém não os levarmos a sério; é isso que eles querem, que os levemos a sério.»
(do capítulo V, na contracapa)
Albert Cossery, A violência e o escárnio, («La violence et la dérision», 1964), trad. Júlio Henriques, Antígona, Lisboa, 1999,
junho 08, 2010
«Era Inverno, o terrível Inverno do Egipto miserável. O dia começara no horror de um frio glacial. De início, o vento importunara a cidade moderna e as suas construções em betão armado, semelhantes a fortalezas invencíveis. Depois, irrompeu como um selvagem nos bairros populares. Aí, nenhum obstáculo sério se opunha à grandeza do seu ímpeto. Fizera as suas investidas no infinito dos casebres e inundara as vielas com o seu fôlego devastador. Um vento glacial, carregado de uma humidade nociva, passava através das paredes vacilantes dos tugúrios, modelava ruínas, enrolava-se em torno de escombros infames, suscitando,por toda a parte, o odor pestilento da miséria.»
Albert Cossery, A casa da morte certa, («La maison de la mort certain», 1975), trad. Ana Margarida Paixão, Antígona, Lisboa, 2001, (p.7)
junho 07, 2010
(continuação 2)
«Por cima das ruelas, por detrás das persianas fechadas, invisíveis, as mulheres falavam de uma janela para outra e os seus discursos aéreos, com sonoridades perturbadoras, faziam lembrar um conciliábulo de bruxas preparando sortilégios.
Toda aquela populaça parecia viver na ignorância das tormentas que pairavam por cima da cidade, apesar da aparência de um céu ultrajantemente limpo.»
(fim da transcrição)
Albert Cossery, Uma ambição no deserto, («Une ambition dans le désert», 1975), trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa, 2002, (p.27-8)
falavam de uma janela para outra
apesar da aparência de um céu
ultrajantemente limpo
junho 06, 2010
(continuação 1)
«Em redor das fontes públicas, as crianças, seminuas, empurravam-se enquanto se refrescavam molhando-se umas às outras, num tumulto alegre trespassado por gritos e injúrias.
Jovens elegantes, retesados nos seus trajes de gala, exercitavam-se a lançar olhares enamorados em direcção a criaturas voluptuosas inexistentes.»
(continua)
Albert Cossery, Uma ambição no deserto, («Une ambition dans le désert», 1975), trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa, 2002, (p.27-8)
Em redor das fontes públicas, as crianças, seminuas
olhares enamorados em direcção a criaturas voluptuosas inexistentes
junho 05, 2010
«A tarde caía e uma população em azáfama apoderava-se das esplanadas dos cafés, onde intermináveis discursos decorriam já.
Vendedores ambulantes, ainda a despertar da sesta, apregoavam com uma voz lânguida a suculência dos frutos e dos legumes, fazendo uso de comparações disparatadas e, por vezes, mesmo obscenas.»
(continua)
Albert Cossery, Uma ambição no deserto, («Une ambition dans le désert», 1975), trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa, 2002, (pp. 27-28)
apoderava-se das esplanadas dos cafés
Vendedores ambulantes
junho 04, 2010
(continuação 7)
«Era precisamente essa linguagem humana que encantava Samantar, linguagem que, um pouco por todo o mundo,
fora substituída por um idioma bastardo — apanhado nos caixotes do lixo do comércio e da publicidade —, não visando em bom rigor o homem, e do qual toda e qualquer noção de emoção ou de sentimento estava excluída.»
(fim da transcrição)
Albert Cossery, Uma ambição no deserto, («Une ambition dans le désert», 1975), trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa, 2002, (pp. 15-16-17)
essa linguagem humana que encantava
junho 03, 2010
Dá-me lume
Chegaste com três vinténs E o ar de quem não tem Muito mais a perder O vinho não era bom A banda não tinha tom Mas tu fizeste a noite apetecer Mandaste a minha solidão embora Iluminaste o pavilhão da aurora Com o teu passo inseguro E o paraíso no teu olhar
Eu fiquei louco por ti Logo rejuvenesci Não podia falhar Dispondo a meu favor Da eloquência do amor Ali mesmo à mão de semear Mostrei-te a origem do bem e o reverso Provei-te que o que conta no universo É esse passo inseguro E o paraíso no teu olhar
Dá-me lume, dá-me lume Deixa o teu fogo envolver-me Até a música acabar Dá-me lume, não deixes o frio entrar Faz os teus braços fechar-me as asas Há tanto tempo a acenar
Eu tinha o espírito aberto Às vezes andei perto Da essência do amor Porém no meio dos colchões No meio dos trambolhões A situação era cada vez pior Tu despertaste em mim um ser mais leve E eu sei que essencialmente isso se deve A esse passo inseguro E ao paraíso no teu olhar
Dá-me lume, dá-me lume Deixa o teu fogo envolver-me Até a música acabar Dá-me lume, não deixes o frio entrar Faz os teus braços fechar-me as asas Há tanto tempo a acenar
Se eu fosse compositor Compunha em teu louvor Um hino triunfal Se eu fosse crítico de arte Havia de declarar-te Obra-prima à escala mundial Mas eu não passo dum homem vulgar Que tem a sorte de saborear Esse teu passo inseguro E o paraíso no teu olhar Esse teu passo inseguro E o paraíso no teu olhar ______________________________________
1989 - letra e música de Jorge Palma
(continuação 6)
«Contudo, enquanto se desencaminhavam multidões submetidas às normas de uma ética bárbara, aqui, em Dofa, a pobreza do país havia deixado a vida escorrer preguiçosamente e o povo consagrar-se sem esforços degradantes a ocupações benéficas, tais como a pesca, a horticultura, um artesanato aperfeiçoado na indolência e na dignidade; e, sobretudo, o povo assinalara aqui a sua resistência às modas decadentes, continuando a exprimir-se
por meio de uma linguagem humana.»
(continua)
Albert Cossery, Uma ambição no deserto, («Une ambition dans le désert», 1975), trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa, 2002, (pp. 15-16-17)
ocupações benéficas, tais como a pesca
a horticultura
um artesanato aperfeiçoado
na indolência e na dignidade
junho 02, 2010
(continuação 5)
«Samantar lamentava frequentemente a sorte daqueles infelizes, que ambiciosos potentados haviam reduzido ao estatuto de escravos ao serviço de uma potência estrangeira sem alma, a mais pérfida e corrupta de todas as nações.»
(continua)
Albert Cossery, Uma ambição no deserto, («Une ambition dans le désert», 1975), trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa, 2002, pp.15-6-7
uma potência estrangeira sem alma
junho 01, 2010
(continuação 4)
«Eles que haviam conhecido a eternidade dos horizontes, a limpidez do céu por cima dos oásis verdejantes e os amanheceres benfazejos debaixo da tenda, tinham-se transformado em exilados no seu próprio reino.»
(continua)
Albert Cossery, Uma ambição no deserto, («Une ambition dans le désert», 1975), trad. Ernesto Sampaio, Antígona, Lisboa, 2002, pp.15-6-7