abril 29, 2010
abril 27, 2010
foto in blog rosaletrista
«As palavras não têm a ver com
as sensações. Palavras são pedras
duras e as sensações delicadíssimas,
fugazes, extremas.»
Clarice Lispector (1925-77), Para Não Esquecer,
in # 53 “Brasília”, Ática, S. Paulo, 1979
abril 25, 2010
abril 23, 2010
# 15 “Acabou de sair”
Sua enorme inteligência compreensiva,
aquele seu coração vazio de mim,
que precisa de eu ser admirável
para poder me admirar.
Minha grande altivez:
prefiro ser achada na rua.
Do que neste fictício palácio
onde não me acharão porque
— porque mando dizer que não estou,
“ela acabou de sair”
:))
Clarice Lispector (1925-77), Para Não Esquecer,
Ática, S. Paulo, 1979
abril 21, 2010
Nada mais seguro do que um bairro
Destruído. Que podem sobre ele
Taxas, bombas, traficantes, polícias
E sinos dobrando pelos mortos?
Não ouses, suplico-te, com teus
Instantâneos, Elvira, louvar as
Ruínas. Honra as conquistas do
Deserto. Não sei explicar. Vejo
As ruínas como imagem pura
Do encadeamento dos actos.
Pelo contrário, o deserto clama
Pelo encadeado dos elos.
Maria Gabriela Llansol, O começo de um livro é precioso
Assírio & Alvim, Lisboa, 2003, p.141
abril 18, 2010
Poema para uma pintura de Egon Schiele in Dias Imperfeitos
Ternura
Desvio dos teus ombros o lençol
que é feito de ternura amarrotada,
da frescura que vem depois do Sol,
quando depois do Sol não vem mais nada...
Olho a roupa no chão: que tempestade!
há restos de ternura pelo meio,
como vultos perdidos na cidade
em que uma tempestade sobreveio...
Começas a vestir-te, lentamente,
e é ternura também que vou vestindo,
para enfrentar lá fora aquela gente
que da nossa ternura anda sorrindo...
Mas ninguém sonha a pressa com que nós
a despimos assim que estamos sós!
David Mourão-Ferreira
abril 15, 2010
Estátua
Cansei-me de tentar o teu segredo:
No teu olhar sem cor, --- frio escalpelo,
O meu olhar quebrei, a debatê-lo,
Como a onda na crista dum rochedo.
Segredo dessa alma e meu degredo
E minha obsessão! Para bebê-lo
Fui teu lábio oscular, num pesadelo,
Por noites de pavor, cheio de medo.
E o meu ósculo ardente, alucinado,
Esfriou sobre o mármore correcto
Desse entreaberto lábio gelado...
Desse lábio de mármore, discreto,
Severo como um túmulo fechado,
Sereno como um pélago quieto.
Camilo Pessanha
abril 13, 2010
abril 11, 2010
imagem in luciawelt.blogspot
MORTOS LATIDOS
Se a Natureza se expande como sentir o júbilo,
no interior da face, no subsolo? Que região
vulnerável, órgão vivíssimo
do corpo o sol calcinou? Oh, o estar
nessa solidão (da matéria orgânica), sem o consciente
de uma consciência. Sem a pedra (da dor), a maxila fria.
Vejo um sol remoto no verão, neste tempo
omisso, (meu) espaço fortuito
ou irrigado de sangue, (meu) lugar cutâneo,
o limite. Há um saber dos sápidos ele-
mentos do mundo, memória pastoril. Que ausência
no-los revela agora? Perdidas
ou jamais tacteadas em sua distância
afastam-se as vozes para que
ausente outro cantar? Que fala em uníssono se
omite da corda vocal, o coro dos seres
grandiloquentes no seu solstício? Cálida
solidão de propagados pensamentos, dores,
zonas vitais do tempo ou sono
e os latidos mortos.
Fiama Hasse Pais Brandão
abril 09, 2010
Tender is the night
Tender is the night
So tender is the night
There's no one in the world
Except the two of us
Should tomorrow
Find us disenchanted
We have shared a love
That few have known
Summers by the sea
A sailboat in Capri
These memories shall be
Our very own
Even though our dreams may vanish
With the morning light
We loved once in splendour
How tender, how tender the night
(Orchestral Break)
Even though our dreams may vanish
With the morning light
We loved once in splendour
How tender, how tender the night
(Transcribed by Mel Priddle - January 2004)
O que mais apreciei neste romance de Fitzgerald
foi a arguta e rigorosa observação da progressão
de um processo insidioso de desamor, culminando
no acto final, cirúrgico e irreversível de divórcio!
Ver Aqui
abril 08, 2010
André Neves, Amarelo Sol
ASTRONOMIA
Pastor, que entre nuvens pastoreias,
seguindo na terra os teus rebanhos
de estevas e pinheiros;
imagem, que atrais o hálito dos seres
vivos, renascidos ou inertes;
bebida, que o mar bebe, e incha
a maré, levanta a onda, solta
a maresia desde o eterno início;
manto, que me aquece o corpo nu
ou o mostra num halo de esplendor;
vento, igual ao vento, mas que sopra
matéria, amor, magnetos;
cabelos de ouro, espargidos na terra,
em parras de outono avermelhadas
ou em clareiras abertas para a luz;
coluna de puro brilho, que sustém
os dias entre manhãs e noites;
rosto, que tem o riso e o olhar ubíquos
até ao fundo das raízes e até aos cumes;
corola, que repete a órbita dos astros,
vendo as outras corolas humílimas ante si;
lâmpada, de silêncio inatingível,
entre os sons mais próximos das criaturas
que, em silêncio também, com ela cantam;
mão decepada que afaga o mundo
como se os dedos caídos fossem raios;
espelho, que ao ser olhado é opaco,
como uma fonte que jorra, sem imagens,
para dentro a turva água do seu bojo;
ave, sem beiral onde poisar ardendo
a figura da antiga fénix imolada;
Sol é o teu nome, o teu ser e a tua face.
Ó Sol, eu só, poeta deste século, sei
que no futuro irás tornar-te nada.
Meu Sol, levarás em ti todos os versos
dos poetas, em livros, em lápides.
(Fiama Hasse Pais Brandão, Cenas Vivas)
abril 06, 2010
Dir-lhe-ia [ ]:
Deve-se guardar o secreto com o secreto.
Torná-lo (cão) de guarda.
Não o deixar pronunciar
Uma única palavra sobre
A implosão do inseguro
Mesmo quando a confidência
Parece que te liberta. É falso.
Apenas difundiste um som. Este
Violou o secreto e abriu uma
Ferida insanável no rigor
Inviolável da palavra.
Maria Gabriela Llansol, O começo de um livro é precioso
Assírio & Alvim, Lisboa, 2003, p.342
abril 04, 2010
— Ah, príncipe — clamou Mirzoza —, sonhar dá-vos
que fazer. Gostaria que tivesseis passado uma boa
noite; mas, agora que conheço o vosso sonho,
ficaria desiludida se não o houvesseis tido.
— Senhora — disse Mangogul —, conheço noites
mais proveitosas do que a deste sonho que tanto
vos agrada; e se tivesse sido senhor da minha
viagem, é muito provável que, não esperando
encontrar-vos na região das hipóteses,
orientasse os meus passos noutra direcção.
Não estaria neste momento com a dor
de cabeça que me aflige ou, pelo menos,
teria motivo para suportá-la.
[ ]
FIM DO SONHO DE MANGOGUL
OU VIAGEM À REGIÃO DAS HIPÓTESES
:))
Denis Diderot, As jóias indiscretas, («Les bijoux indiscrets», 1748)
Publicações Europa-América, Lisboa, 1976, cap. XXXII, pp. 145-9
abril 03, 2010
» — Fujamos — disse-me Platão —, fujamos;
este edifício pouco mais dura.
A estas palavras, retira-se; sigo-o.
O colosso chega, derruba o pórtico,
este desmorona-se ruidosamente
e eu acordo.
Denis Diderot, As jóias indiscretas, («Les bijoux indiscrets», 1748)
Publicações Europa-América, Lisboa, 1976, cap. XXXII, pp. 145-9
abril 02, 2010
» acabava de me dar esta breve resposta
quando vi a Experiência aproximar-se
e as colunas do pórtico das hipóteses
oscilar, as abobadas abater
e o pavimento a abrir-se
debaixo dos nossos pés
Denis Diderot, As jóias indiscretas, («Les bijoux indiscrets», 1748)
Publicações Europa-América, Lisboa, 1976, cap. XXXII, pp. 145-9
abril 01, 2010
Sacudia com a mão direita um archote cuja luz
se espalhava pelos ares, iluminava o fundo das águas
e penetrava nas entranhas da terra.
» — Que figura gigantesca — perguntei
a Platão — é esta que se dirige a nós?
» — Reconheça a Experiência —
respondeu-me — porque é ela.
Denis Diderot, As jóias indiscretas, («Les bijoux indiscrets», 1748)
Publicações Europa-América, Lisboa, 1976, cap. XXXII, pp. 145-9