abril 08, 2010
André Neves, Amarelo Sol
ASTRONOMIA
Pastor, que entre nuvens pastoreias,
seguindo na terra os teus rebanhos
de estevas e pinheiros;
imagem, que atrais o hálito dos seres
vivos, renascidos ou inertes;
bebida, que o mar bebe, e incha
a maré, levanta a onda, solta
a maresia desde o eterno início;
manto, que me aquece o corpo nu
ou o mostra num halo de esplendor;
vento, igual ao vento, mas que sopra
matéria, amor, magnetos;
cabelos de ouro, espargidos na terra,
em parras de outono avermelhadas
ou em clareiras abertas para a luz;
coluna de puro brilho, que sustém
os dias entre manhãs e noites;
rosto, que tem o riso e o olhar ubíquos
até ao fundo das raízes e até aos cumes;
corola, que repete a órbita dos astros,
vendo as outras corolas humílimas ante si;
lâmpada, de silêncio inatingível,
entre os sons mais próximos das criaturas
que, em silêncio também, com ela cantam;
mão decepada que afaga o mundo
como se os dedos caídos fossem raios;
espelho, que ao ser olhado é opaco,
como uma fonte que jorra, sem imagens,
para dentro a turva água do seu bojo;
ave, sem beiral onde poisar ardendo
a figura da antiga fénix imolada;
Sol é o teu nome, o teu ser e a tua face.
Ó Sol, eu só, poeta deste século, sei
que no futuro irás tornar-te nada.
Meu Sol, levarás em ti todos os versos
dos poetas, em livros, em lápides.
(Fiama Hasse Pais Brandão, Cenas Vivas)
Sem comentários:
Enviar um comentário