(continuação)
Cláudio exerceu também a censura, o que não se fazia há muito [ ], mas igualmente no desempenho destas funções mostrou irregularidade de carácter e de comportamento.
Ocupou-se sempre com a maior solicitude do abastecimento e segurança de Roma. [ ] Iniciou grandes trabalhos, embora se preocupasse mais com o número deles do que com a sua utilidade. Distribuiu frequentes vezes gratificações ao povo. Deu também muitos espectáculos magníficos [ ].
(p.282-85)
Em Roma e fora dela, reformou Cláudio ou restabeleceu ou instituiu muitos usos relativos às cerimónias religiosas, aos costumes civis ou militares, aos direitos das diferentes ordens do Estado [ ]. Regulamentou a promoção militar dos cavaleiros [ ]. Estabeleceu um soldo e um género de serviço fictício, a que deu o nome de supranumerário, que conferia um título sem funções.
(p.287)
Muito jovem ainda, teve duas mulheres [ ]. Repudiou a primeira, ainda virgem, porque os pais dela tinham caído em desgraça junto de Augusto; a outra perdeu-a, por doença, no próprio dia fixado para a boda. Desposou em seguida Pláucia Urgulanila, de família triunfal, e depois Elisa Petina, filha de um consular.
De uma e outra se separou pelo divórcio: de Petina, por causa de faltas ligeiras; de Urgulanila, em virtude das suas vergonhosas devassidões ligeiras [ ]. Contraiu depois matrimónio com Valéria Messalina [ ]. Mas quando soube que além dos seus excessos e crimes [ ] mandou-a matar, declarando [ ] «que, como se saía mal nos casamentos, ficaria solteiro; e que, se violasse o seu juramento, consentia deixar-se matar [ ]».
Apesar disso, tratou, dentro de pouco, de nova união com a mesma Petina, a quem repudiara, e com Sólia Paulina, que fora casada com Caio César [Calígula]. Mas, seduzido pelos encantos de Agripina, filha de Germânico, seu irmão [falecido], [ ] subornou senadores, levando-os a proporem [ ] que ele fosse casado com ela, visto que aquela união ser de importância capital para o Estado.
(p.288-89)
Teve filhos das suas três mulheres: de Urgulanila, Druso e Cláudia; de Petina, António; de Messalina, Octávio e Germânico, a que cognominou pouco depois de Britânico. Entre os libertos de quem mais se afeiçoou contam-se o eunuco Posides, a quem se atreveu a honrar com uma lança sem ferro [recompensa militar], na presença de soldados valorosos [ ].
(p.289)
Governado [ ], pelos seus libertos e pelas esposas, viveu mais como escravo que como imperador. Dignidades, comandos, impunidades, suplícios, tudo isto ele distribuiu para satisfazer os seus desejos e caprichos, e as mais das vezes sem dar por tal.
(p.290-91)
Não deixava de haver em toda a sua pessoa um certo ar de grandeza e dignidade, quer de pé quer sentado, mas principalmente quando em repouso. [ ] De saúde má, desde que tomou conta do império, melhorou, salvo no que toca ao estômago [ ]. Organizou grandes e frequentes banquetes [ ]. Estava sempre pronto a comer e a beber a qualquer hora e em qualquer lugar.
(p.291-92-93)
Amou apaixonadamente as mulheres, mas nunca teve comércio amoroso com homens. Apreciava muito os jogos de azar; chegou mesmo a publicar um tratado sobre esta arte. Deu provas de um natural cruel e sanguinário tanto nas pequenas como nas grandes coisas. [ ] Mas o traço mais saliente do seu carácter era desconfiança e o medo. [ ] O seu amor por Messalina, por mais ardente que fosse, resistiu menos ao ressentimento dos seus ultrajes que ao receio das suas maquinações [ ].
(p.298)
Para o fim da vida, deu Cláudio provas evidentes de arrependimento por ter casado com Agripina e adoptado Nero. Um dia em que os seus libertos celebravam na sua presença a equidade de uma sentença contra uma mulher adúltera, disse-lhes ele «que a sorte lhe havia dado também esposas impúdicas, mas não impunes».»
Suetónio, Os Doze Césares,
trad. e notas João Gaspar Simões
Lisboa, Biblioteca editores Independentes, 2007