fevereiro 10, 2013


«Para compreender alguma coisa em filosofia e conhecer o verdadeiro alcance da razão é preciso investigar primeiro aquilo que torna possível a existência dos juízos certos, universais e necessários — juízos a priori —, em que se exprimem as relações experimentais entre as coisas, relações que não poderíamos atingir pela análise pura e simples das nossas ideias.

Kant descobriu e expôs esta justificação na Crítica da Razão Pura (1781); e nessa obra fundamental demonstra que a nossa maneira natural e comum de conhecer as coisas exige previamente que as coisas estejam submetidas ao princípio da causalidade, de modo geral, às condições a priori do conhecimento científico.

A análise de Kant não incide sobre as condições psicológicas em que a consciência humana conhece os objectos, mas sobre outras condições mais remotas desse conhecimento.

Efectivamente, o facto psicológico é já em nós qualquer coisa de organizado; antes da impressão sensível, a percepção deve ser uma dispersão sem lei, uma diversidade sem nexo.

O acto primeiro da sensibilidade consiste, pois, na síntese prévia dessa diversidade pura e sem coesão; mas a síntese dos elementos indefiníveis não é mera justaposição ou associação: é uma transformação de natureza.

A justaposição no espaço e a sucessão no tempo resultam desse acto; por ele a sensibilidade humana impõe à diversidade certas formas a priori, por intermédio das quais todas as coisas se nos dão a conhecer daí em diante.

Desta idealidade do espaço e do tempo(*) resulta que o nosso conhecimento é apenas de fenómenos, e não da realidade, da coisa em si: o númeno

«(*) O espaço e o tempo são apenas formas prévias, vazias e inertes que tornam simplesmente possíveis a medida e a localização. Para que surja através delas um objecto é preciso que a poeira de impressões que vai preencher essas formas seja agrupada pela nossa consciência. Mas este agrupamento não constitui ainda o conhecimento do objecto: é preciso que o pensamento una essas impressões e as reconheça como suas. A unidade provém de um acto do entendimento — não ligação psicológica dada na experiência, mas «apercepção transcendental», que é a condição de qualquer experiência, um «eu penso» anterior ao conhecimento. A unidade de um «eu» universal, que age em todos nós uniforme e irresistivelmente, é o fundamento da ordem que encontramos nas coisas. A mola do pensamento é a condição de possibilidade do objecto.»


Pierre Ducassé (1905-1983), As Grandes Correntes da Filosofia,
(«Les Grandes Philosophies», 1972) Trad. Álvaro Salema, Lisboa, Public. Europa-América, Colecção Saber nº 10, pp.88-89 e n.53

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