novembro 30, 2009
Não sei se precisamos de notícias; precisamos,
Certamente, de saber. O jornal apaga os passos
Que foi dando, ficando à espera de que haja mais.
O espaço vazio é mero arquivo. Decorrido um
Ror de tempo nessa aventura (tendo-lhe eu, entretanto,
Pago uma fortuna), as notícias sempre e sempre,
Vai tornando o saber mais evasivo. «Não sei que
Pensar», não é certamente um objectivo.
:)
Maria Gabriela Llansol, O começo de um livro é precioso
Assírio & Alvim, Lisboa, 2003, p.103
novembro 29, 2009
Imagem: pesquisa google
«Uma voz, em face da sua mente, é muito susceptível
De ser influenciada. Antes de mais, pela mente. Tornar-
-Se uma mera incandescência. O rebordo do tom,
A inteligência com que se coloca, a certeza
Da frequência de onda, servem-se, todavia, mutuamente.
Mente e voz, vi-as hoje deitadas na mesma cama. Dormiam
A sesta, uma na outra envoltas. Não era necessário sonhar
Na luz branca. Depois, levantaram-se daquele amor,
E foram sentar-se à mesma mesa. Na toalha branca
Que partilham, a alvura cruzada com a limpidez dos
Copos é a imagem nua que sente. Sua qualidade ___
É difusa e, no entanto, focalizada.»
Maria Gabriela Llansol, O começo de um livro é precioso
Assírio & Alvim, Lisboa, 2003, p.138
novembro 28, 2009
uma bela fotografia de gabriela llansol
«Não me esqueço de que preferes que não se fale de ti
porque receias uma imagem que te guarde.
Mas, com todo o rigor,
um rosto que volta
é uma imagem que se desfaz.
A fonte é sempre a mesma
mas o aspecto adianta-se, imprevisível;
a tal ponto que a vontade se exerce,
não a captar a imagem,
mas a desposar a força que a gerou.»
Mª Gabriela Llansol,
Contos do mal errante
novembro 27, 2009
Torga implacável,
lúcido e inconformado:
BALADA DA MORGUE
Olho este corpo morto aqui deitado
E sinto impulsos de beijá-lo e ter
Como ele não sei que enfado
Por quem vive e quer viver
Que bruta sinceridade!
Que vaidade!
Que mentira! Que verdade!
Todo nu! Só tatuado
De livores,
Arco-íris gangrenado,
De mil cores.
Não é de mulher, não é;
Nem de homem, nem de animal
Irracional.
É de anjo predestinado
Que foi sacrificado
Para dar a noção exacta da renúncia.
Ai dos enclausurados em sarcófagos!
Ai de quem morre vestido!
Nesta luxúria da morgue
Há todo o satanismo
Que nos foi prometido
No final...
São os gestos parados,
Os olhos vidrados,
Os ouvidos tapados,
Os sexos castrados,
E por cima de tudo o silêncio das bocas.
Quero
Amar este sol da terra
Que mostra o calor do céu.
O alto céu onde mora
Um Deus que na mesma hora
Nos criou e nos perdeu.
Miguel Torga, Rampa (1930)
in "Antologia Poética"
Gráfica de Coimbra,
4ª ed.,1994, p.19
novembro 25, 2009
E pareceu-me que me afundava no insondável.
Mas tu pescaste-me cá p’ra fora com um anzol de ouro;
riste escarninha, quando eu te chamei insondável.
«É o que dizem todos os peixes», disseste tu;
«o que eles não podem sondar, é insondável».
Mas eu sou apenas mutável e bravia,
e em tudo mulher, e nada virtuosa.
Embora vós homens me chameis «profunda» ou
«fiel», ou «eterna», ou «misteriosa».
«Mas vós, homens, presenteais sempre
com as vossas próprias virtudes, ó virtuosos!»
Assim se ria ela, a incrível; mas eu nunca creio nela
nem no seu riso quando diz mal de si mesma.
E quando um dia eu estava a falar a sós com a minha brava
..................................................................................Sabedoria,
disse-me ela, colérica: «Tu queres, tu desejas, tu amas, e
é só por isso que tu louvas a Vida!»
Quase lhe ia dando uma má resposta,
dizendo a verdade à minha Sabedoria encolerizada;
e não há pior resposta
do que «dizermos a verdade» à nossa Sabedoria.
São assim as relações entre nós três.
Do fundo, do fundo amo apenas a Vida
— e, em verdade, amo-a mais quando a odeio!
Mas se gosto também da Sabedoria
(e por vezes demasiado),
é porque ela me faz lembrar muito a Vida!
Tem os olhos dela, o mesmo riso
e até a mesma caninha de pescar, de ouro:
que culpa tenho eu que ambas se pareçam tanto?
E quando uma vez a Vida me perguntou: Quem é essa
......................................................................Sabedoria?
— respondi vivamente: «Ah, sim! a Sabedoria!
Tem-se sede dela e nunca se fica satisfeito,
olha-se através de véus, lança-se a mão a redes.
Se é bela? Que sei eu!
Mas ainda serve de isca às carpas mais velhas.
É mutável e caprichosa;
muitas vezes a vi morder o beiço
e pentear-se a arrepia-pelo.
Talvez seja má e falsa,
e mulher em tudo;
mas quando diz mal de si mesma é quando é mais sedutora.»
Quando isto disse à Vida, riu-se ela maldosa, cerrando
............................................................................os olhos.
«De quem é que estás tu a falar?» — disse ela —
«de mim, sem dúvida?
E mesmo que tivesses razão —
é coisa que se me diga assim na cara?
Mas agora fala-me lá da tua Sabedoria!»
Ai, e então abriste de novo os olhos ó Vida amada!
E de novo me pareceu que me afundava no insondável.
:)))
(Assim cantou Zaratustra, poema em prosa)novembro 24, 2009
Blog Instigante
A Grande Jóia atribuiu-me este selo de reconhecimento. Sensibilizado, agradeço com o meu muito obrigado. Este prémio visa distinguir os «blogs que, além da assiduidade das postagens e do esmero com que são feitos, nos provocam a necessidade de reflectir, questionar, aprender e – sobretudo – que instigam almas e mentes à procura de conhecimento e sabedoria.», pelo que indico aquele que me instiga a reflectir para lá de qualquer pseudo evidência dogmática...
Catharsis
novembro 23, 2009
evocado no blog
ângulo recto
«Um homem sincero na corte de um príncipe
é um homem livre entre escravos.»
Montesquieu
novembro 21, 2009
novembro 10, 2009
«Ao escrever sobre mim na 1ª pessoa, sufocara-me
e tornara-me invisível, o que me impedia de
encontrar aquilo que buscava.» (p.72)
Eis onde cessa a expressão pela palavra
por a paixão obliterar a percepção da realidade
«Gwyn era uma fogueira de beleza, um ser incandescente,
uma tempestade no coração de todo e qualquer homem
que parasse a apreciá-la, e aquele instante em
que a vi pela primeira vez é, sem dúvida,
um dos mais assombrosos momentos
da minha vida.» (p.191)
Mas, na ficção, como na vida,
o imprevisível acontece
«O revólver estava apontado a nós e, sem mais
nem menos, numa simples fracção de segundo,
o universo inteiro tinha mudado.» (p.52)
Porque o que parece improvável,
não é menos real do que tudo
o que é possível
«… parecia-me improvável [ ] Porém,
as probabilidades não contam quando se trata
de acontecimentos reais, e só porque é improvável
que determinada coisa aconteça, não podemos concluir
que não acontecerá.» (p.15)
Assim, o novo romance de Paul Auster,
intermediando o consequente com o imprevisto,
o lógico com o surpreendente,
numa narrativa fluente
mas de sentido
indecidido,
nem falso nem verdadeiro.
novembro 08, 2009
Quanto a mim, digo-o aqui para nós, não permitirei nem à minha ignorância nem à minha vivacidade que me impeçam de vos ver claramente, ó meus amigos: ( ) Porque me sirvo dos problemas profundos como se fossem banhos frios: mal entro, saio logo. Este método, há-de dizer-se, impede de descer o suficiente, de ir ao fundo? trata-se de superstição de hidrófobo ( ) falam sem experiência. Ah! se soubessem como o frio torna as pessoas ágeis!... E de resto, diga-se de passagem: acreditais realmente que uma coisa se mantenha obscura porque não fizemos mais do que aflorá-la, deitar-lhe um olhar de passagem, lançar-lhe uma vista de olhos de pasagem? ( ) Há pelo menos certas verdades ( ) que só é possível apanhá-las de surpresa: é surpreender ou largar... Enfim a minha exigência tem outra vantagem: ( ) sou forçado a ser muitas vezes rápido para que me compreendam ainda mais rápidamente.
Eis o que diz respeito à minha brevidade; já o mesmo não sucede tão brilhantemente com a minha ignorância, que não dissimulo. ( ) O que vem a ser necessário para que um espírito se alimente? nenhuma fórmula pode responder à pergunta, mas ( ). Não é a gordura que um bom dançarino pretende obter da sua alimentação ( ) ... e não conheço nada que um filósofo goste mais do que ser um bom dançarino.
(Gaia Ciência, Livro V, § 381)
novembro 06, 2009
aqui deixo o superior texto 199 do Desassossego:
«[ ] Porque um dos detalhes característicos
da minha atitude espiritual é que a atenção
não deve ser cultivada exageradamente,
e mesmo o sonho deve ser olhado alto,
com uma consciência aristocrática
de o estar fazendo existir.
Dar demasiada importância ao sonho
seria dar demasiada importância, afinal,
a uma coisa que se separou de nós próprios,
que se ergueu, conforme pôde, em realidade,
e que, por isso, perdeu o direito absoluto
à nossa delicadeza para com ela.»
(edição de Richard Zenith)
Soberbo!
:))
novembro 04, 2009
(Gaia Ciência, Livro III, § 127)
novembro 03, 2009
novembro 02, 2009
novembro 01, 2009
(Gaia Ciência, Livro III, § 121)