março 31, 2011
março 28, 2011
março 21, 2011
Lembrando o Outono, porque hoje é Primavera
img in blog sulanorte
O chão está juncado de restos
da vivacidade do Verão, é uma vida
monótona a das criações da Natureza.
Assim como a da arte clássica
e a dos recintos de luz nos museus.
Uma vida microscópica,
a do estojo cintilante da jóia
que um dos antepassados me legou.
Vida actual e tempo passado
mostram-me o diadema que as árvores
exibem sobre a sua própria cabeça.
As pequenas crostas das folhas
rastejantes. No fim do Verão
as árvores estão de rastos; a terra
humedece-se sob os discos amarelos
das flores selvagens e a pata de ferro
das folhas faz sulcos mitológicos
nos jardins que são as espáduas
esquecidas do corpo de Gea.
Quem viu a força com que as árvores
se desfolham, oposta à suavidade
com que aparecem os rebentos?
Quem ouviu o baque do peso de bronze
chamando-lhe o leito fofo de tufos
de folhagem? Quem suporta
o ranger dos pés inesquecível
com as solas de couro presas
à carne? Porque fui eu
que ouvi assobiar as folhas estridentes
em queda vertical. Caíram atapetando
falsamente o chão. Tinham
a monotonia enganadora da sua violência
oculta, que é descrita por todos
como a fase áurea de cada ano,
a qualidade sedosa do chão. Só eu senti
que essa jóia cravava o bico no fundo
do corpo e me encadeava como
uma riqueza suave da ternura
humana dos antepassados. Cai,
estrondo das folhas, mas não perfures
este peito já vazado
por outras gerações inumanas.
fiama hasse pais brandão
março 19, 2011
março 15, 2011
«Durante quinze dias, estive confinado ao meu quarto,
rodeado pelos livros que nesse tempo (há uns dezasseis
ou dezassete anos) estavam na moda: refiro-me aos livros
que tratam da arte de fazer os povos felizes, sábios e
ricos, em vinte e quatro horas. Tinha então digerido
— tragado, quero eu dizer —todas as elucubrações
de todos esses empresários da felicidade pública:
dqueles que aconselham todos os pobres
a tornarem-se escravos, e daqueles
que os persuadem de que são todos
reis destronados.
— Não é de estranhar
que estivesse então
num estado de espírito
próximo da vertigem ou da estupidez.»
Charles Baudelaire, O Spleen de Paris (Pequenos Poemas em Prosa),
(Le Spleen de Paris - Petits Poèmes en Prose, 1869)
Relógio d'Água, col. B.I.,025, Lisboa, 2007, p.125
março 13, 2011
«Num boudoir de homens, quer dizer, numa sala de fumo
contígua a uma elegante casa de jogo, quatro homens
fumavam e bebiam. Não eram exactamente nem jovens
nem velhos, nem belos nem feios, mas velhos ou jovens,
traziam essa distinção não negligenciável dos veteranos
da alegria, esse indiscritível não sei o quê, essa tristeza
fria e trocista que diz claramente: «Temos vivido
intensamente, e buscamos o que poderíamos amar
ou estimar.» Um deles dirigiu a conversa para o tema
das mulheres. Teria sido mais filosófico não falar nisso;
mas há gente culta que, depois da bebida, não dispensa
a conversação banal. Ouve-se então aquele que fala
como se ouviria música de dança.»
Charles Baudelaire, O Spleen de Paris (Pequenos Poemas em Prosa),
(Le Spleen de Paris - Petits Poèmes en Prose, 1869)
Relógio d'Água, col. B.I.,025, Lisboa, 2007, p.109
março 11, 2011
«As ilusões [ ] são talvez tão numerosas
como as relações dos homens entre si,
ou dos homens com as coisas.
E quando a ilusão desaparece,
quer dizer, quando vemos o ser
ou o facto, tal como existe fora de nós,
experimentamos um sentimento bizarro,
complicado em parte pela mágoa do fantasma
desaparecido, em parte pela surpresa agradável
diante da novidade, diante do facto real.»
Charles Baudelaire, O Spleen de Paris (Pequenos Poemas em Prosa),
(Le Spleen de Paris - Petits Poèmes en Prose, 1869)
Relógio d'Água, col. B.I.,025, Lisboa, 2007, p. 87
março 07, 2011
A dicção do primeiro vídeo é inferior´
ao do segundo, mas o desenho animado
é muito sugestivo.
Proposta: - Visioná-lo mudo,
com o som do segundo. :)
L'Invitation au Voyage
Mon enfant, ma soeur
Songe à la douceur
D'aller là-bas vivre ensemble!
Aimer à loisir
Aimer et mourir
Au pays qui te ressemble!
Les soleils mouillés
De ces ciels brouillés
Pour mon esprit ont les charmes
Si mystérieux
De tes traîtres yeux
Brillant à travers leurs larmes
Là, tout n'est qu'ordre et beauté
Luxe, calme et volupté.
Des meubles luisants
Polis par les ans
Décoreraient notre chambre
Les plus rares fleurs
Mêlant leurs odeurs
Aux vagues senteurs de l'ambre
Les riches plafonds
Les miroirs profonds
La splendeur orientale
Tout y parlerait
À l'âme en secret
Sa douce langue natale.
Là, tout n'est qu'ordre et beauté
Luxe, calme et volupté.
Vois sur ces canaux
Dormir ces vaisseaux
Dont l'humeur est vagabonde
C'est pour assouvir
Ton moindre désir
Qu'ils viennent du bout du monde.
Les soleils couchants
Revêtent les champs
Les canaux, la ville entière
D'hyacinthe et d'or
Le monde s'endort
Dans une chaude lumière.
Là, tout n'est qu'ordre et beauté
Luxe, calme et volupté.
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O Convite à Viagem
Irmã, filha, escuta,
Pensa na doçura
De irmos para lá viver, sim!
Amar à vontade,
Amar e morrer
Nessa terra igual a ti!
Os húmidos sóis
Dos nevoentos céus
Têm para mim os encantos
Assim misteriosos
Dos teus falsos olhos,
Entre as lágrimas brilhando.
Lá tudo é beleza e luxo
É ordem, calma e volúpia.
Móveis reluzentes,
Polidos plo tempo,
Decorariam a câmara;
As mais raras flores
Fundindo os odores
Ao vago aroma do âmbar,
Riquíssimos tectos,
Profundos espelhos,
O esplendor oriental,
Tudo falaria
Com a alma em surdina
A sua língua natal.
Lá tudo é beleza e luxo,
É ordem, calma e volúpia.
Vê nesses canais
Dormir essas naus
Cujo humor é vagabundo;
É pra saciar
As tuas vontades
Que vêm do fim do mundo.
Os sóis, já deitando-se,
Envolvem os campos,
Os canais, toda a cidade,
Com oiro e jacinto;
E o mundo dormindo
Numa quente claridade
Lá tudo é beleza e luxo,
É ordem, calma e volúpia.
(Baudelaire, As flores do mal)
março 05, 2011
Kees van Dongen
A nudez requer um delta ou um oásis
ou a branca integridade do deserto
E dizemos que é uma balança um barco ou uma coluna
embora todas as margens se apaguem na brancura
O esplendor de um corpo é sumptuoso e puro
e tem a integridade de uma surpresa nua
Como pode a palavra cingir as voluptuosas linhas
em que o desejo dança dilacerado e ébrio?
A graciosa gravidade túmida e delicada
de um corpo que equilibra o mundo e o anula
é um doce e violento desafio
à volúvel e frágil fantasia da palavra
antónio ramos rosa
março 03, 2011
img in blog atuleiros
«Digo do corpo,
o corpo:
e do meu corpo
digo no corpo
os sítios e os lugares
de feltro os seios
de lâminas os dentes
de seda as coxas
o dorso, em seus vagares.
Lazeres do corpo:
os ombros,
as lisuras - o colo alto
a boca retomada
no fim das pernas
a porta da ternura,
dentro dos lábios
o fim da madrugada.
Digo do corpo,
o corpo:
e do teu corpo,
as ancas breves
ao gosto dos abraços
os olhos fundos
e as mãos ardentes
com que me prendes
em sítios cansados
Vício de um corpo:
o teu
com o seu veneno
que bebo e sugo
até ao mais amargo,
ao mais cruel grau
do esgotamento
e onde em segredo
nado
em cada espasmo.
Digo do corpo,
o corpo:
o nosso corpo
Digo do corpo.
o gozo
do que faço
Digo do corpo
o uso
dos meus dias
e a alegria
do corpo sem disfarce.»
Maria Teresa Horta