dezembro 31, 2012


«“Tenho que te ver.”»

Sándor Márai, A conversa de Bolzano
(«Vendégjáték Bolzanóban», 1991)
Lisboa, editorial Teorema, 1993, p.172



dezembro 29, 2012


«Plus sincère que la plupart des hommes, j’avoue sans ambages les causes secrètes de cette félicité: ce calme si propice aux travaux et aux disciplines de l’esprit me smble l’un des plus beaux effets de l’amour. Et je m’étonne que ces joies si précaires, si rarement parfaites au cours d’une vie humaine, sous quelque aspect d’ailleurs que nous les ayons cherchées ou reçues, soient considérer avec tant de méfiance par des prétendus sages, qu’ils en redoutent l’accoutumance et l’excès au lieu d’en redouter la manque et la perte, qu’ils passent à tyranniser leurs sens un temps mieux employé à régler ou à embellir leur âme. [ ] Tout bonheur est un chef-d’oeuvre: la moindre erreur le fausse, la moindre hésitation l’altère, la moindre lourdeur le dépare, la moindre sottise l’abétit.»

Marguerite Yourcenat, Mémoires d’Hadrien,
Paris, Gallimard, 2001, pp.179-80

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«Mais sincero que a maioria dos homens, confesso sem rodeios a causa secreta dessa felicidade: aquela calma tão propícia aos trabalhos e à disciplina parece-me um dos mais belos efeitos do amor. E espanto-me de que estas alegrias tão precárias, tão raramente perfeitas no decorrer de uma vida humana sob qualquer aspecto além de que nós os tenhamos procurado e recebido, sejam consideradas com tanta desconfiança por pretendidos sábios, que eles receiem o seu hábito e excesso em vez de temer a sua falta e perda, que passem a tiranizar os sentidos um tempo que seria mais bem empregado a ordenar ou a embelezar a alma. [ ] Toda a felicidade é uma obra prima: o menor erro falseia-a, a menor estupidez embrutece-a. »

Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano, 1974,
tradução de Maria Lamas, Ulisseia, 1981, p.139-40

dezembro 27, 2012

«A mãe de Cícero chamava-se Hélvia; era duma família distinta e manteve, pela sua conduta, a nobreza da sua origem. Sobre a condição de seu pai há opiniões muito diferentes: pretendem uns que ele nasceu e foi criado na oficina de um pisoeiro; outros fazem-no descender de Tulo Átio que reinou tão gloriosamente sobre os volscos e lutou com êxito contra os romanos.

O primeiro desta família que teve o sobrenome de Cícero parece ter sido um homem respeitável; por isso os seus descendentes, longe de desprezarem o apelido, orgulharam-se de o usar, embora fosse muitas vezes ridicularizado. Deriva de uma palavra latina que significa «grão-de-bico»; e o primeiro a quem foi dado esse nome tinha na ponta do nariz uma excrescência que parecia um grão-de-bico, o que lhe valeu o anexim.

Cícero, aquele cuja vida escrevemos, quando pretendeu pela primeira vez um cargo e se ocupou dos negócios públicos, foi aconselhado pelos amigos a abandonar este apelido e a tomar outro; mas respondeu-lhes, com a presunção dum jovem, que procederia de modo a tornar o nome de Cícero mais célebre que os dos Escauros e dos Catulos.

Durante a sua questura na Sicília, ofereceu aos deuses umvaso de prata em que mandou gravar por extenso os seus dois primeiros nomes: Marco Túlio; e, em vez do terceiro, quis, por pilhéria, que o gravador pusesse um grão-de-bico. Eis o que se conta a respeito do seu nome.»

Plutarco, Cícero e a queda da república patrícia,
Lisboa, Editorial Inquérito, s/d, p.7-8

dezembro 25, 2012

«Ce fut vers cette époque que Quadratus, évéque des chrétiens, m’envoya une apologie de sa foi. J’avais eu pour principe de maintenir envers cette secte la ligne de conduite strictemente équitable que avait été celle de Trajan dans ses meilleurs jours; [ ]. Mais toute tolerance accordée aux fanatiques  leur fait croire immédiatement à de la sympathie pour leur cause; [ ]. Je lus son oeuvre; j’eus même la curiosité de faire rassembler par Phlégon des renseignments sur la vie du jeune prophète nommé Jésus, qui fonda la secte, et mourut victime de l’intolérance juive il y a environ cent ans. [ ] Chabrias, toujours préoccupé du juste culte à offrir aux dieux, s’inquiétait du progrès de sectes de ce genre dans la poulace des grandes villes; [ ]. Arrien partageait ses vues. Je passai tout un soir à discuter avec lui l’injonction qui consiste à aimer autrui comme soi-même; elle est trrop contraire à la nature humaine pour être sincérement obéi par le vulgaire, qui n’aimera jamais que soi, et ne convient nullement au sage, qui ne s’aime pas particulièrement soi-même.»

 
Marguerite Yourcenat, Mémoires d’Hadrien,
Paris, Gallimard, 2001, pp.238-40


dezembro 23, 2012


«Dizendo estas palavras, retirou-se para o interior do templo e, pegando nas suas tabuinhas enceradas, como se fosse escrever, levou o estilete à boca e mordeu-o, o que costumava fazer quando pensava ou compunha algum discurso. Passado algum tempo, cobriu-se com o manto e deitou a cabeça. Os soldados que estavam à porta do templo riam-se dele por temer tanto a morte e chamavam-lhe cobarde e medroso.

Árquias, aproximando-se dele, incitava-o a levantar-se [ ]. Demóstenes, sentindo que o veneno produzira o seu efeito, descobriu-se e, fixando os olhos em Árquias, disse-lhe:

— Podes desempenhar agora o papel de Creonte na tragédia e lançar este corpo onde quiseres, sem lhe concederes as honras da sepultura. Oh Poseidon! saio ainda vivo do teu templo, mas nem por isso Antípatro e os macedónios o deixaram de profanar com a minha morte.

Mal acabou de pronunciar estas palavras, sentiu-se tremer e cambalear; pediu que o amparassem para andar, e, quando passava em frente do altar do deus, caiu e morreu soltando um profundo suspiro.»

Plutarco, Demóstenes e a supremacia da Macedónia,
Lisboa, Editorial Inquérito, pp. 68-9

dezembro 21, 2012


«Duvido de que toda a filosofia do mundo consiga suprimir a escravatura: o mais que poderá suceder é mudarem-lhe o nome. Sou capaz de imaginar formas de servidão piores que as nossas, por serem mais insidiosas: seja que consigam transformar os homens em máquinas estúpidas e satisfeitas, que se julgam livres quando estão subjugados, seja que desenvolvam neles, com exclusão dos repousos e prazeres humanos,  um gosto pelo trabalho tão arrebatado como a paixão da guerra entre as raças bárbaras. Prefiro ainda a nossa escravidão de facto a esta servidão do espírito ou da imaginação. Seja como for, o horrível estado que põe um homem â mercê de um outro homem precisa de ser cuidadosamente regulado por lei.»         

Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano, 1974,
tradução de Maria Lamas, Ulisseia, 1981, p.100-01

dezembro 19, 2012


«Os espartanos mais sensatos, [ ] receando o poder do dinheiro que tinha conseguido corromper um dos seus cidadãos mais apreciados, censuraram asperamente Lisandro e declararam aos éforos que deviam fazer sair de Esparta, quanto antes, todo o ouro e toda a prata que ele para lá tinha enviado, como moléstia sedutora e, por isso mesmo, ainda mais perigosa.

[ ] Flógidas [ ] foi o primeiro a opinar que se não recebesse nenhuma moeda de ouro ou de prata, conservando-se apenas a do país. [ ]

Os amigos de Lisandro opuseram-se ao decreto e conseguiram fazer aprovar que a prata ficasse em Esparta, mas a que estava convertida em moedas só teria curso para negócios públicos e seria condenado à morte todo o particular que as tivesse: como se Licurgo receasse as moedas de ouro ou prata e não a avareza que elas trazem atrás de si.

Era muito menos prevenir esta paixão, proibindo aos particulares terem moedas de ouro ou de prata, do que excitar o desejo de as possuirem, desde que se autorizava a cidade a fazer uso delas: a comodidade que elas representavam dava-lhes mais valor e fazia-as mais desejadas.

Seria possível, com efeito, que os particulares as desprezassem como inúteis, quando eram publicamente apreciadas? Poderia cada espartano deixar de atribuir valor, nos seus negócios, ao que ele via ser tão estimado e tão procurado pelos negócios públicos? [ ]

É certo que os éforos, para impedirem que a prata amoedada andasse nas mãos dos cidadãos puseram de sentinela o temor da lei, mas não lhes cerravam a alma à admiração e ao desejo de riquezas; pelo contrário, fazendo-as considerá-las uma propriedade tão preciosa quanto honrosa, excitaram neles a mais violenta paixão.»


Plutarco, Lisandro e a supremacia de Esparta,
Lisboa, Editorial Inquérito, p.41-3

dezembro 16, 2012

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«Os métodos dos gramáticos e dos retóricos são talvez menos absurdos do que eu pensava nessa época em que estava sujeito a eles. A gramática, com a sua mistura de regra lógica e de uso arbitrário, propõe ao jovem espírito um antegosto pelo que lhe oferecerão mais tarde as ciências do comportamento humano, o direito ou a moral, todos esses sistemas em que o homem codificou a sua experiência instintiva. Quanto aos exercícios de retórica em que éramos sucessivamente Xerxes e Temístocles, Octávio e Marco António, exaltavam-me; sentia-me Proteu. Ensinaram-me a entrar alternadamente no pensamento de cada homem, a compreender que cada um se decide, vive e morre segundo as suas próprias leis.»                       


Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano, 1974,
tradução de Maria Lamas, Lisboa, Ulisseia, 1981,  
p.34-5

dezembro 13, 2012


«O país, embora por vezes apresente um aspecto diferente, é em geral eriçado de florestas e cortado por horríveis pântanos, mais húmido do lado das Gálias, mais batido pelos ventos do lado em que a Germânia defronta quer o Nórdico, quer a Panónia. O solo, fértil em grão, recusa-se à cultura das árvores de fruto. O gado abunda, mas é quase sempre de pequena estatura, e mesmo os animais de trabalho não têm a corpulência dos nossos. Os germanos sentem-se orgulhosos por os possuírem em grande número; é a sua única riqueza, é o bem que mais estimam. Os deuses — Seria por bondade? Seria por cólera? Não me pronuncio — negaram-lhes a prata e o ouro; eu não ousaria contudo afirmar que na Germânia nenhuma mina exista que produza ouro ou prata; quem poderá ter a certeza disso? São menos sensíveis do que nós aos atractivos da posse ou do uso destes metais. Podem ver-se entre eles vasos de prata oferecidos como presentes aos seus embaixadores e aos seus chefes; não fazem mais caso deles do que se fossem de barro. Contudo, os que habitam mais próximos de nós apreciam para as transacções comerciais o emprego do oiro e da prata e conhecem certos tipos da nossa moeda, aos quais dão a sua preferência; os do interior, mais fiéis à antiga simplicidade, traficam por meio de trocas. Os outros gostam sobretudo das nossas moedas antigas e há muito conhecidas, aquelas cuja borda é dentada em forma de serra e que têm a efígie dum carro puxado por dois cavalos; mostram também mais gosto pela prata do que pelo oiro, não em consequência de qualquer predilecção, mas porque as moedas de prata são de um uso mais cómodo para homens que só compram objectos comuns e de pouco valor.»

Tácito, A Germânia,
Lisboa, Ed. Inquérito, Lda, pp.12-3

dezembro 10, 2012


«A fama destes dois grandes homens [Epaminondas e Pelópidas] atraia todos os aliados que, sem serem obrigados a isso por nenhuma ordem, nenhum decreto público, os seguiam em silêncio para toda a parte onde eles quisessem levá-los. É, com efeito, a primeira e a mais poderosa de todas as leis, esta lei natural segundo a qual todo o homem que tem necessidade de defesa reconhece como chefe aquele que é capaz de o defender. Os passageiros de um barco, quando o mar está calmo e estão num ancoradouro seguro, dizem mal dos pilotos; mas se se vêem ameaçados pela tempestade, fixam os olhos neles e depositam todas as esperanças no seu auxílio.»

Plutarco, Pelópidas e a supremacia de Tebas,
Lisboa, Ed. Inquérito Lda, 1939, p.49

dezembro 06, 2012


«A ficção oficial quer que um imperador romano nasça em Roma, mas foi em Itálica que eu nasci; foi a esse país seco e no entanto fértil que sobrepus mais tarde muitas regiões do mundo. A ficção tem coisas boas: prova que as decisões do espírito e da vontade transcendem as circunstâncias. O verdadeiro lugar de nascimento é aquele em que, pela primeira vez, se lança um olhar inteligente sobre si mesmo: as minha primeiras pátrias foram os livros. Num grau inferior, as escolas.»


Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano, 1974,
tradução de Maria Lamas, Ulisseia, 1981, p.34