abril 05, 2015

EPÍSTOLA PARA UM CARAMANCHÃO COBERTO

Nesse caramanchão que a madressilva cobriu
sempre estavam mais sombras do que corpos ou coisas.
A sombra de alguém que se sentasse junto aos vasos
estendia a mão nítida para uma flor de sombra.
Dançasse uma criança em volta do pequeno lago
no centro, e havia uma espiral de sombras claras.
Solitário, na própria sombra, o gato era um corpo
penando a dualidade de ser e de não ser.
Até a pá do jardineiro, linha de sombra oblíqua,
por ser de sombra se quebrava em ângulo.
Não porque todos não estivéssemos em vida ali
mas porque a madressilva, só ela, se embebia de luz.

Fiama Hasse Pais Brandão, Epístolas e Memorandos,
Relógio d'Água, Lisboa, 1996, p.22

2 comentários:

Lilian Ferreira disse...

A plasticidade se revela entre a sombra e a luz. Lindo!

vbm disse...

Fiama é a minha poetisa preferida! :)