«— Se todos os que se querem bem tivessem de casar-se — disse D. Quixote —, tirava-se aos pais o poder de escolher e mandar casar os filhos com quem devem e quando; e se à vontade das filhas ficasse escolher os maridos, haveria uma que escolheria o criado do seu pai e outra o que ela viu passar na rua, que lhe pareceu airoso e presumido, embora fosse um espadachim doidivanas; pois o amor e a afeição facilmente cegam os olhos do entendimento, tão necessários para decidir o casamento, e neste muito existe o perigo de errar, e é preciso grande cuidado e especial ajuda do céu para acertar.
Quer alguém fazer uma longa viagem, e se for prudente, antes de pôr-se ao caminho busca alguma companhia segura e aprazível para acompanhá-lo; portanto — porque não fará o mesmo o que há-de caminhar a vida inteira, até à paragem da morte, e mais se a companhia o há-de acompanhar na cama, na mesa e em todas as partes, como é a da mulher com o marido?»
Miguel Cervantes, O Engenhoso Fidalgo
D. Quixote de la Mancha, («Il Ingenioso
Hidalgo D. Quixote de La Mancha», 1605)
Trad. e notas de José Bento, Gravuras
de Lima de Freitas, Relógio d’Água,
Lisboa, 2005, p. 593.
Sem comentários:
Enviar um comentário