abril 25, 2013



«Saber? Ter mesmo muitos conhecimentos? Excelente, por se tratar da satisfação de um desejo naturalíssimo no homem — o da curiosidade de tudo desvendar. Os reparos só surgem quando essa satisfação, com prejuízo do esforço criador pessoal, descamba para o abuso de apenas recitar o alheio.

Erudição importa possuí-la, mas sem que sob o seu peso nos ajoujemos, trôpegos, como se padecêramos de prisão de ventre mental. A erudição lamentável comparamo-la ao tecido adiposo de grosso volume que torna o homem elefantíneo na marcha.

A erudição que vale — identificável à cultura — assemelha-se ao homem de abundante tecido muscular, que, longe de lhe entravar a agilidade, antes a melhora.

Há saber saber; aquele que é feito exclusivamente (ou quase) daquilo que os outros pensaram, e aquele que, sem desprezar o pensamento alheio, não descura a criação pessoal. O primeiro vive da mera repetição, mais usando da memória que da inteligência, agachado perante o que considera ciência certa e imutável. O segundo aproveita o pensamento estranho, mas não se fica em feiticista adoração perante ele. Toma-o como ponto de partida para ir mais longe, mas não como estação de nirvânico repouso.»

Cruz Malpique, O Homem de Letras,
Edição do Autor, Porto, 1956, p.78-9

               Cruz Malpique



Sem comentários: