fevereiro 26, 2013
«Ainda que a Abundância, com o corno repleto,
derrame tantas riquezas
quantas as areias o mar agitado por violentos ventos faz
rolar,
quantos astros brilham num céu limpo,
nas noites estreladas,
e não volte atrás a mão, nem assim
o género humano deixará de se lastimar
com míseros queixumes.
Ainda que Deus acolha benevolente os votos,
pródigo de grandes quantidades de ouro,
e ornamente com preclaras honrarias os que ardentemente
as ambicionam,
nada disto será considerado suficiente,
mas a cruel ganância,
devorando aquilo que tinha perseguido,
inventa novas necessidades.
Que freios onde travar, com um limite fixo,
o desejo que se lança para diante de cabeça,
se quanto mais abundantemente tem, mais quer ter?
Nunca poderá ser rico o homem
que, temeroso e descontente, se julga necessitado.»
Boécio, Consolação da Filosofia («De consolatione Philosophiae», 524 d.C.), Trad. Luís M.G. Cerqueira, Fundação Calouste Gulbenkian,
Lisboa, 2011, Livro 2, Metro 2, p.50-1
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