setembro 07, 2012

Álvaro Ribeiro

(continuação 2)

«Correlacionando a palavra aparência com a palavra essência, atribuímos-lhe uma significação positiva, sem a confundir com quaisquer formas de aparições, alucinações ou prestígios de significação negativa. [ ]

O tempo e o espaço ao determinarem cingem e qualificam o movimento, quer dizer, a sensação. Não é lícito estabelecer um quadro estreito da sensibilidade do ser humano em geral, desconsiderando as particularidades que distinguem as idades, os sexos e as raças, isto é, desatendendo à acuidade dos sensos que varia de indivíduo para indivíduo na adaptação às diversas longitudes, latitudes e altitudes. [ ]

A crítica solicita, ou postula, que a opinião seja transformada em ciência pelo testemunho simultâneo, ou sucessivo, de várias pessoas, transposto depois para palavras escritas, num relatório sujeito às regras retóricas. O método experimental, mais exigente que o método testemunhal, extrairá ao fenómeno o seu carácter insólito, repetindo-o no tempo e no espaço, para o integrar entre os dados da sensitividade normal.

Deixando de lado as acepções pejorativas, e dando às aparências a significação normal de fenómenos ao alcance de qualquer observador, poderemos correlacioná-las com as essências, a que Kant atribui a designação de nómenos.

[Kant], ao estabelecer a sua doutrina da ciência pela união objectiva da sensitividade com o intelecto, negou a possibilidade de qualquer progressivo conhecimento dos nómenos que foram postulados apenas por conveniência do sistema.

[ ] Todos os sistemas tendentes a anular a distinção entre aparências e essências, como os dos imediatos sucessores de Kant e os de outros cientistas europeus, concluíram pela negação da arte de filosofar.

Apoiando na sensação efémera a ciência perene, confundindo a fenomenologia com a ontologia, dogmatizando que o que parece é, esses sistemas apelavam para a exaltação da vontade humana, com maior ou menor indiferença pelos naturais processos de acesso à verdade.

A equação positivista não responde, todavia, à inquietação humana que no tempo sofre e enfrenta a adversidade; por isso a gnosiologia positivista há-de ser corrigida pela explicação do movimento em fases comparáveis aos estádios da narrativa histórica, em transição empírica ou em dedução cronológica, conforme for mais conveniente para os fins práticos do sistema.

Crer no brilho das aparências é próprio do esteticismo infantil, mas falar cronologicamente representa ainda imatura subjectividade que não imagina a explicação. [ ]»

(continua)

Álvaro Ribeiro, Estudos Gerais,
Lisboa, Guimarães Editores, 1961, pp.88-90

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