setembro 05, 2012


(continuação 1)

«Artista superior e homem inquieto, Aristóteles não se limitou a compendiar ensinamentos de gramática, retórica e dialéctica, em obras analíticas, mas realizou a superação da doutrina antiga, ao constituir o organon, ou o órgão do pensamento, discursivo, reflexivo e especulativo.

Nos doze livros encadernados por Andrónico de Rodes sob o título de Metafísica encontram-se vários apontamentos da lógica aristotélica, os quais permitem interpretar a física e todas as outras doutrinas acroáticas, segundo o critério de adequação do pensamento humano à visão especulativa de mais alta realidade.

Do movimento ao pensamento vai uma analogia a que Aristóteles foi sempre fiel, e sobre esse esquema lógico assentam as críticas às substantivações e substancializações resultantes da tendência fixista e do pendor técnico que ia a pouco e pouco revogando a sabedoria antiga acerca da irrealidade do mundo sensível ou da falsidade da sensação.

O substantivo, indispensável nas artes triviais, vai declinando numa lógica atenta à Natureza, isto é, ao nascer e ao morrer, à geração e à corrupção, enfim às aparências e aos fenómenos do mundo sublunar.

A aplicação dos predicados, dos predicamentos e das categorias aos substantivos realiza um processo que dissolve a opinião para consolidar a ciência, sem contudo anular a substância, não já sensível mas inteligível, que há-de ser postulada pela doutrina do movimento.

Depois a modalidade dos verbos, com seu exemplo claro de distinção entre a potência e o acto, completará a lógica aristotélica, representativa da inquietação humana em difícil demanda do essencial.

Termo de quietação ao qual o inquieto ser do homem aspira, na vivência dolorosa que se pacifica pela anestesia, sem prazer, ou na inteligência persuasiva que repousa na memória, já sem querer, é termo solicitado ou postulado pelo intelecto no seu anseio de adequação à realidade.

O intelecto suporta o termo interpretativo do movimento exterior e interior. O termo eidético, ideal ou essencial que o pensador tem em mente não provém de lugar exterior, determinado no espaço.

A essência nominada, reconhecida pela palavra, ou inominada, concebida pelo pensador, é o terceiro termo elementar de um raciocínio completo. A essência invisível permanece fixa na memória, articula-se por processos de inteligência, e explica a coordenação e a subordinação dos fenómenos visíveis, aparências e aparições. [ ]

Em vez do pensador sedentário, preocupado com o primeiro elemento, a pedra sobre a qual edifica ou arquitecta as imagens vãs, é o pensador itinerante quem, transitando de elemento para elemento, em viagens cada vez mais perigosas e mais precárias, alcança todavia o que as brumas escondem aos homens sem esperança.

Na invariável distância perdura a quietação, mas logo o movimento, interior ou exterior, nos avisa pelas imagens infixas de que até corpos sólidos, de densidade mineral, se plastificam, fluidificam e eterizam como quaisquer outros fenómenos.[ ]

A oposição entre a mobilidade e a imobilidade, tão propícia para a dialéctica, não satisfaz os requisitos da inteligência indagante e unificante, pelo que solicita, por inquietação, o terceiro termo elementar que permite o voo do raciocínio. O movimento há-de, por isso, ser situado entre as aparências e as essências, distinção indispensável à arte de filosofar.»

(continua)

Álvaro Ribeiro, Estudos Gerais,
Lisboa, Guimarães Editores, 1961, pp.86-88

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