«Como escreveu no
Tratado da Pintura,
a sua obra de maior consistência teórica,
a ideia é responsável pela invenção
de uma «segunda natureza»,
concebida interiormente,
plasmada no intelecto
e fruto do engenho.
Assim, a beleza é encarada num contexto
que permite equacionar uma profunda aliança
entre a estética e a metafísica. Por isso,
para Francisco de Holanda, Deus é a fonte
de toda a pintura, sendo também ele
o primeiro pintor.
A criação é por si encarada como
um dar forma pela luz, recuperando
a metafísica da luz do platonismo,
concebendo por isso a criação como
uma função plástica animante,
correspondendo a um modelo ou ideia
previamente formulado no intelecto divino,
tema já sublimemente afirmado por Sto. Agostinho
ao estabelecer que Deus não connhece as coisas
porque elas existem, mas que as coisas existem
porque ele as conhece.
Nestes termos, a pintura humana
consiste num criar de novo,
numa função plástica inanimante,
[ ], com que imita ou quer imitar
as divinas ciências incriadas
com que o muito poderoso Senhor
Deus criou todas as obras».
Quer isto dizer que o conceito de imitação
[ ] não atende tanto à multiplicidade
do real concreto, na sua condição aparencial,
mas sim à «verdadeira natureza»,
representada na ideia.
Logo, o acto de criar é uma função
de «olhos interiores» em que o pintor,
num estado de «grande silêncio e segredo»
se deixa conduzir pelo «divino furor da criação».
Esta mesma referência ao furor supõe o triunfo
da idealização como fruto das capacidades inatas
do engenho e não da imposição de factores exteriores,
expressos em preceitos rígidos, tecnicamente transmissíveis.
Daí a associação do maneirismo à noção de fantasia artística,
razão por que não deverá o pintor, com a sua obra,
preocupar-se em «agradar ao vulgo», mas sobretudo
a si próprio, reforçando essa dimensão interior
que assiste ao processo criativo.»
Pedro Calafate
Instituto Camões