março 31, 2009



O bico do compasso, que
marca o centro que não se vê,
não canta como o bico
da ave que é o centro do
canto que ocupa. No
entanto, roda o compasso
como se o movessem
asas; e desenha, no papel,
o circulo que, no ar,
a ave sugere.

Elegante também,
este outro poema
de Nuno Júdice :)

março 28, 2009

Mas o post da Meg
é belo demais, e eu
quero-o aqui
replicado.





Projecto

.Desta vez vou escrever-te um poema
que vai ser um poema de amor,
mas que não é apenas um poema de amor.
O amor, com efeito, é algo que não cabe num poema;
pelo contrário,
o poema é que pode caber no amor,
sobretudo quando te abraço,
e sinto os teus cabelos na boca,
agora que a tua voz me corre pelos
ouvidos como, num dia de verão,
a água fresca corre pela garganta.
A isto, em retórica, chama-se uma comparação;
e pergunto o que é que o amor tem a ver com a retórica,
ou por que é que o teu corpo
se teme de transformar numa metáfora
- rosa, lírio, taça, qualquer objecto que tenha,
na sua essência, um elemento que me possa levar até ele,
como se fosse preciso, para te tocar,
substituir-te por uma outra imagem,
ver em ti o que não és,
nem tens de ser, ou ainda transformar-te
num lugar comum, que
é aquilo em que, quase sempre, acabam os poemas de amor.
Assim, este poema de amor é,
mais do que um poema de amor,
um exercício para escrever um poema de amor
- mas um poema de amor a sério,
sem comparações nem metáforas,
só contigo, com o teu corpo, com a tua voz,
com os teus cabelos, com aquilo que é real,
e não precisa de sair da realidade para se tornar objecto
de um poema de amor em que o amor,
finalmente, deixa de ser o objecto único do poema,
que se preocupa acima de tudo com a retórica,
as imagens, o equilíbrio das formas.
Mas, pergunto, não é o teu corpo uma flor?
Não é a tua boca uma rosa?
Não são lírios os teus seios?
Tudo, então, se transforma:
e o que tenho nas mãos é uma imagem,
a pura metáfora da vida,
a abstracta metamorfose das emoções.
O resto, meu amor, és tu -
e é por isso que o poema de amor que te escrevo não é,
finalmente, um poema de amor
.
Nuno Júdice
.


Em dívida à Meg, pelo seu belíssimo post
e poema de Júdice, retribuo
com o prometido


O sexo dos anjos

Foi em bizâncio, antes da queda. Discutiam
o sexo dos anjos, e a discussão ficou interrompida
quando os turcos cortaram o fio à meada, se é que
não cortaram mesmo o sexo aos anjos. Bizâncio,
então, podia ter caído uns dias mais tarde: talvez,
durante esses dias, se pudesse chegar a uma conclusão
sobre qual era, afinal, o sexo dos anjos; e o assunto
interessa-me porque os únicos anjos que conheço
são em estátua, e não é possível espreitar o sexo
de uma estátua! A queda de um império, é verdade, dá-nos
estas coisas imprevisíveis: dá-nos um voo de argumentos
teológicos sobre o sexo; e traz-me, de súbito, o teu
rosto inquietante na sua fixidez de enigma grego – esse
rosto de perfil, e também gosto dos perfis, mesmo
quando não são de anjos ou não têm a linha pura dos
ícones gregos. Basta-me, então, saber que é o teu rosto;
ouvir ainda as tuas últimas palavras de despedida, que
me soaram demasiado secas (mas que outro tom se pode
usar numa despedida para não ser patético, como esses
que ainda discutiam o sexo dos anjos num conflito cercado
pelos turcos?) – e dizer-te, agora que o sexo dos anjos me
trouxe o teu sexo, que não há voltas a dar ao amor
quando o céu muda a cada instante, e é preciso, apesar
de tudo, que alguma coisa permaneça intacta em tempos
de mudança. Que outros impérios terão de cair para isso? Em
que novo concílio ouvirei discutir o sexo dos anjos,
sabendo desde já que o único sexo que me interessa é
o teu? Ouve, então, de novo: em bizâncio, uma
tarde, foram todos degolados à beira da conclusão.


Nuno Júdice

março 27, 2009

E o romance termina assim :):



«Qu’importaient les victimes que la machine écrasait en chemin !
N’allait-elle pas quand même à l’avenir insoucieuse du sang
répandu? Sans conducteur, au milieu des ténèbres, en bête
aveugle et sourde qu’on aurait lâchée parmi la mort,
elle roulait, chargée de cette chair à canon,
de ces soldats, déjà hébétés de fatigue,
et ivres, qui chantaient.»

o.p., p. 461-2 (folio classique)

março 26, 2009


«Séverine, dans ce lit, où ils s’étaient aimés
pendant les heures brûlantes et noires
de la nuit précédente, ne bougeait
toujours pas. [ ]

Elle le suivait d’un va-et-vient du regard,
anxieuse elle aussi, agitée de la crainte
que, cette nuit-là encore, il n’osât point.

En finir, recommencer, elle ne voulait
que cela, au fond de son inconscience
de femme d’amour, complaisante à
l’homme, toute à celui qui la tenait,
sans cœur pour l’autre qu’elle
n’avait jamais désiré.»

o.p., p. 413 (folio classique)

março 25, 2009


Claude Monet

«Era o fim, o estremeção da agonia: pilhas de neve
tornavam a cair, cobriam as rodas [ ] E a Lison [locomotiva]
parou definitivamente, moribunda, no grande frio.

A sua respiração extinguiu-se,
ela estava imóvel, morta. [ ]

Depois nada mais se mexeu, a neve tecia o seu sudário.»

op.cit., pp. 165-6

março 24, 2009


«Mas, a dois passos, a um passo, foi uma derrocada. Tudo
se desmoronou nele, de súbito. Não, não, ele não mataria,
não podia matar assim aquele homem indefeso.

O raciocínio nunca levaria ao crime,
era preciso o instinto de morder,
o salto que lança sobre a presa,
a fome ou a paixão que dilacera.»

op.cit., p.224

março 23, 2009



«— Não me digas que queres que eu o mate? [ ]
Ela disse não, três vezes; mas os seus olhos diziam sim,
os seus olhos de mulher enamorada, toda entregue
à crueldade inexorável da sua paixão.»

————

«Matar esse homem, meu Deus! tinha porventura esse direito?
Quando uma mosca o importunava, ele esmagava-a com uma palmada. [ ] Mas aquele homem, um seu semelhante!


Teve de recomeçar todo o seu raciocínio para provar
a si próprio o direito de assassinar, o direito dos fortes
a quem os fracos incomodam, e que os destroem.»

————

«Era ele, agora, que a mulher do outro amava,
e ela própria queria ser livre para desposá-lo,
para lhe entregar a sua fortuna.

Tudo o que ele fazia era simplesmente afastar o obstáculo.
[ ] visto que essa era a lei da vida, devia obedecer-lhe,
deixando de lado os escrúpulos que tinham sido
inventados mais tarde para permitir
a vida em sociedade.»

op.cit., pp. 217;219.

março 22, 2009



«Era uma dessas máquinas expresso, com dois eixos acoplados,
de uma elegância fina e gigante, com as suas grandes rodas ligeiras
reunidas por braços de aço, o seu peitoril largo, os seus rins alongados
e pujantes, toda essa lógica e toda essa certeza que constituem a beleza
soberana dos seres de metal, a pressão na força.»

op.cit., p.126

março 21, 2009

O romance começa assim... :):



Monet, Claude: La Gare Saint-Lazare (1877).
Musée du Jeu de Paume, Paris

«Ao entrar no quarto, Roubaud pousou sobre a mesa o pão de libra,
a empada e a garrafa de vinho branco. Mas, de manhã,
antes de descer para o seu posto, a tia Vitória
devia ter coberto o fogo do seu calorífero
com tamanha dose de pó de carvão,
que o calor era sufocante.

E o subchefe de estação,
tendo aberto uma janela,
debruçou-se com os cotovelos no peitoril.»


trad. Daniel Augusto Gonçalves)
(Livraria Civilização Editora)


«En entrant dans la chambre, Roubaud posa sur la table
le pain d'une livre, le pâté et la bouteille de vin blanc.
Mais, le matin, avant de descendre à son poste,
la mère Victoire avait dû couvrir fe feu
de son poêle d'un tel poussier,
que le chaleur était
suffocante.

Et le souschef de gare,
ayant ouvert une fenêtre,
s'y accouda.»

março 20, 2009



. Monet, Claude: The Gare St.-Lazare, Paris:
Arrival of a Train, detail (1877). Fogg Art Museum,
Harvard University Art Museums

Estou a acabar de ler o meu primeiro romance
de Émile Zola, A Besta Humana La Bête Humaine»).
Uma escrita rigorosa, de grande qualidade narrativa,
quase um filme de acção e correspondentes emoções.

O romance desenrola-se ao longo da linha ferroviária
Havre - Rouen - Paris, durante o Segundo Império
de Napoleão III.

Uma história fatal, de paixão e morte,
todas as personagens subjugadas
na necessidade férrea
de um destino
com hora
marcada!

março 16, 2009


(editora Antígona)

Um clássico,
anti-manipulação
comunicacional!

Imperdível .

Pois, como ensina David Hume,

«As nossas impressões são causa das nossas ideias,
e não as nossas ideias causa das nossas impressões.»


.

março 15, 2009


«Por onde a razão, como uma brisa,
nos levar, por aí devemos ir.»

(Platão)

março 13, 2009

Haydn-"Farewell"Symphony No.45-Mov.4/4

março 12, 2009



Eu procuro sempre evitar qualquer vibração mística
com os modelos narrativos da física quântica...

Gosto de tudo derivar do princípio dito (lamentavelmente)
da incerteza que mais correcto é qualificar de
princípio de indeterminação.

Não há causalidade estrita no universo.


O que sucede é um condicionamento progressivo
das possibilidades em aberto: - porque algo
se vai compondo e individuando,

múltiplos outros desenvolvimentos,
possíveis em abstracto, vão sendo
impossíveis de ocorrer.

Assim, se formam regularidades de eventos,
inteligíveis por seres co-possíveis com tais eventos
que observam a sua ordem. Nada de mágico.
Tudo natural e imanente.
Bernardo Sassetti - Petit Pays

Do blog Catharsis

março 11, 2009


14 mil milhões de Anos-Luz ao redor do Sol, o Universo visível
(número de estrelas = 2 mil triliões de estrelas - 2x10^21)

Imagem no blog universo e vida

«[ ] we say that the principles we seek
[those that are simple and easy to know]
are such that we may demonstrate
that from them the stars,
the earth,, etc., could
have arisen.


[ ] it is allowable for us to assume a hypothesis
from which we can deduce
, as from a cause,
the phenomena of nature, even though we
well know they did not arise in that way. [ ]

For,because [ ] matter assumes successively
all the forms of which it is capable
, if
we consider those forms in due order,

we shall finally be able to arrive at the form
that is the form of this world
.

So one need fear no error from a false hypothesis

Spinoza, Principles of cartesian philosophy, Part III
Hackett Publishing Cy, Inc., Indianapolisa/Cambridge, 1998, p.88



março 10, 2009

março 09, 2009

O céu, o olhar ou a estrela polar...

Sky Map


«“— Diga-me – pedi –, para onde é que eu hei-de olhar
para conseguir responder às suas perguntas
.”

Talvez pareça descabida a questão da orientação
do olhar nesta conversa funcional. Mas já os Gregos
sabiam que dirigir correctamente o olhar era meio
caminho andado para encontrar as respostas.»

(Luísa Costa Gomes, Isto e mais Isto e mais Isto, p.99)

março 05, 2009

«Deixem-nos sós, sem livros, e ficaremos perdidos, abandonados,
não saberemos a que nos agarrar, o que seguir;
que amar, que odiar, que respeitar, que desprezar?

Mesmo sermos homens nos pesa
- homens com um corpo real, nosso, com sangue;
temos vergonha disso, tomamo-lo por uma nódoa
e procuramos ser uma espécie de
homens globais fantasmáticos.

Somos todos nado-mortos,
desde há muito tempo,
e os pais que nos engendram,
são também mortos,

e tudo isso nos agrada cada vez mais. Tomamos-lhe o gosto.
Em breve inventaremos o meio de nascermos de uma ideia.

Mas basta;
não me apetece mais escrever «do fundo do subterrâneo»...»


Dostoiévski

março 02, 2009


Auguste Rodin

«O olhar e o entendimento podem errar, o amor
não. Ninguém, nesse caso, se engana de figura,
mas não importa quem se pode enganar

de amante.»

Maria Gabriela Llansol, Contos do mal errante