abril 15, 2014

Progressão geométrica da desigualdade distributiva do rendimento
Pretendo exemplificar aritmeticamente a alteração da desigualdade da distribuição do rendimento no tempo, segundo a diferença que exista nas taxas de crescimento do rendimento disponível nas duas classes da população num país: a classe rica e a classe média, pobre ou remediada.

Seja uma sociedade distinguível em duas classes de rendimento, A e B(=1-A), com taxas de crescimento anual, a e b, repartindo-se a produção anual, e consequente rendimento líquido, pelas ditas classes nas proporções, A/(A+B) e B/(A+B); tomando o rendimento líquido (Y) distribuído pela unidade (Y=1), reportaremos todos os resultados em fracção da unidade; assim, A e (1-A) compõem o rendimento unitário (1=Y).

Podemos imaginar, para ilustração aritmética da evolução que a repartição de rendimento conhecerá no decorrer do tempo, que a situação 0, ponto de partida, seja por exemplo, 20% do rendimento (A=.2) seria obtida por 5% da população activa e o rendimento restante, 80%, (B=.8), seria distribuído por 95% dos activos. Neste estado de repartição, o rendimento médio percebido por cada 1 por cento da classe rica atinge 4 por cento do rendimento total (.2/.05=4), enquanto cada 1 por cento da classe B, equivale a 0.8 por cento do rendimento total (.8/.95=.84211). Assim, o leque de rendimento entre as duas classes é superior a 4.2 vezes (4/.84211=4.24579).

A questão interessante é a de simular a alteração da repartição de partida no decorrer do tempo, segundo a taxa de crescimento médio do produto em dado período e consoante a diferença que ocorra entre a taxa de crescimento do rendimento (produto) da classe A e a da classe B.

Partimos da partição do produto acima, A=.2; B=1-A=.8. Analisamos o resultado ao cabo de um período n, de 30 anos (n=30). Supomos uma taxa, r, de crescimento médio anual do produto Y(=1) de 4.5% (r=.045), que assumirá a grandeza a, para a classe, possidente, A e, a grandeza b, para a classe B de menores rendimentos.

Calculamos quatro casos, dois com a taxa a>r, e outros dois com a taxa a<r, ou seja, com a taxa b>r. (Vide cálculos dos casos 1 a 4, abaixo indicados)

Teremos, assim:

(1)   Y = (1+r)^n = A . (1+a)^n + (1-A) . (1+b)^n
(2)   Y1 = A . (1+a)^n
(3)   Y2 = B . (1+b)^n
(4)   Y = (1+r)^n = Y1 + Y2

Dados:  r = .045; n = 30; A =.2; B = 1-A = .8; Y = 1.045^30 = 3.74532 = Y1 + Y2

Com estes dados, a conclusão é a seguinte:

i)   quando a taxa de crescimento da classe afluente ultrapassa a do crescimento do produto (a>r), a proporção de repartição inicial de 20% e 80%, respectivamente das classes de maiores (Y1) e menores (Y2) rendimento passa a 23% e 77%, com a=5%; e, a 21% e 79%, com a=4.75%.

ii)   quando a taxa de crescimento da classe possidente é inferior à do crescimento do produto (a<r), o que, complementarmente, equivale à taxa (b), a da população de menores rendimentos ser maior que a do crescimento do produto (b>r), a partição entre as classes passa dos iniciais 20% e 80% para 14 e 86%, com b=4.75%; e, a 16% e 84%, com b=4.65%.

Para entender o que vem sucedendo na economia desde o último quartel do século XX, o forista Lark, no tema do “Portugal Falido ou no de Krugman et alter”, p.67, editou alguns artigos de Thomas Pickety, Krugman e Thomas B. Edsall que melhor abordam a evolução da repartição do produto obtido com a combinação dos factores de trabalho e capital, geradores do rendimento total, ou seja, salários e lucros, a contrapartida remuneratória dos produtores, i.e., da população activa, trabalhadores e empresários.

Parece-me algo ousada a conclusão surpreendente de Picketty de que só no período de 60 anos, de 1913 a 1973, é que historicamente sucedeu a taxa de crescimento do rendimento dos detentores de capital (= mercadorias, stocks, equipamentos, edifícios, terra, dinheiro) ter sido inferior à do crescimento do produto, e isso tomando em consideração as duas guerras mundiais com as enormes perdas de capital que ocasionaram, assim como a Grande Depressão de 1929-33, o New-Deal, a inflação monetária, e o poder dos sindicatos. Fora desse período excepcional, sempre as classes possidentes conheceram taxas de crescimento da fortuna bem superiores às das classes dependentes do trabalho assalariado e classe média.

Penso isto exagerado, e só sustentável em causas extraeconómicas, de carácter político e militar. Porque, o facto é os rendimento monopolistas (rendas, juros, direitos de autor e de patentes, etc.), assim como os de natureza de lucros sobre-normais, não podem eternizar-se e  absorver em excesso a normal produtividade dos produtores (trabalhadores independentes, assalariados e empresários).

De qualquer modo, é admirável que finalmente alguém, tal Thomas Picketty, regressa aos clássicos e elege a repartição do produto como o problema genuinamente económico, tal como o fizeram Quesnay, Adam Smith, Ricardo, Malthus e Marx.


Cálculos de repartição do rendimento em 4 casos de taxas de crescimento diferenciadas

Dados:  r = .045; n = 30; A =.2; B = 1-A = .8; Y = 1.045^30 = 3.74532 = Y1 + Y2

1º caso) a = .05 > r

Y1 = .2 x 1.05^30 = .86439
Y2 = Y - Y1 = 2.88093 = .8 x (1+b)^30
b = 3.60116^(1/30) – 1 = 4.363%
Y1 / Y = 23.079%
Y2 / Y = 76.921%

2º caso) a = .0475 > r

Y1 = .2 x 1.0475^30 = .80473
Y2 = Y - Y1 = 2.94059 = .8 x(1+b)^30
b = 3.67574^(1/30) – 1 = 4.435%
Y1 / Y = 21.486%
Y2 / Y = 78.514%

3º caso) b = .0475>r

Y2 = .8 x 1.0475^30 = 3.21893
Y1 = Y – Y2 = .53639 = .2 x (1+a)^30
a = 2.63197^(1/30) – 1 = 3.278%
Y1 / Y = 14.055%
Y2 / Y = 85.945%

4º caso) b = .0465>r

Y2 = .8 x 1.0465^30 = 3.12800
Y1 = Y – Y2 = .61732 = .2 x (1+a)^30
a = 3.08660^(1/30) – 1 = 3.828%
Y1 / Y = 16.482%
Y2 / Y = 83.518%

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