agosto 09, 2013

Sá de Miranda

A ANTÓNIO PEREIRA, SENHOR DO BASTO,
QUANDO SE PARTIU PARA A CORTE CO’A
                     CASA TODA

[…]

Não me temo de Castela,
donde inda guerra não soa;
mas temo-me de Lisboa,
que, ao cheiro desta canela,
o Reino nos despovoa.

E que algum embique e caia
(afora vá mau agouro!)
falar por aquela praia
da grandeza de Cambaia,
Narsinga das torres d’ouro!

Ouves, Viriato, o estrago
que cá vai dos teus costumes?
Os leitos, mesas e o lumes,
todo cheira: eu óleos trago;
vem outros, trazem perfumes.

E ao bom trajo dos pastores,
com que saíste à peleja
dos Romãos tam vencedores,
são mudados os louvores;
não há lá quem t’haja enveja.

Entrou, dias há, peçonha
clara pelos nossos portos,
sem que remédio se ponha:
uns dormentes, outros mortos,
alguém polas ruas sonha.

Fez no começo a pobreza
vencer os ventos e o mar,
vencer quási a natureza;
medo hei de novo à riqueza,
que nos venha a cativar.

[…]

Sá de Miranda, “Poesia e Teatro”,
selecção, introd. e notas por
Silvério Augusto Benedito,
Ulisseia, Lisboa, 1989, p. 215-16

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