Inserção do Artifício na Natureza
Uma formiga caminha laboriosamente através de uma praia moldada pelo vento e pelas ondas. Avança, desvia-se para a direita para subir mais facilmente um montículo escarpado, contorna um calhau, pára por um momento para trocar informações com uma compatriota.
Deste modo, percorre o caminho meandroso e claudicante, que a leva de volta a casa. Para não antropomorfizar os seus propósitos, esboço o trajecto num papel: uma sequência de segmentos irregulares, angulosos — não exactamente uma caminhada ao acaso, pois possui um sentido intrínseco de
direcção, intenção de atingir um objectivo.
Mostro o esboço, sem qualquer legenda, a um amigo. De quem é este caminho? Talvez de um esquiador habilidoso deslizando por uma encosta íngreme e um pouco rochosa, ou duma chalupa navegando contra o vento num canal pontilhado de ilhas ou baixios. Talvez seja um caminho num espaço mais abstracto: o decurso da pesquisa dum estudante à procura da demonstração de um teorema de geometria.
Seja quem for o autor do caminho, em qualquer espaço, porque não é ele recto? Porque não se dirige directamente do ponto de partida para o objectivo? No caso da formiga (e por falar nisso, nos outros) sabemos a resposta.
A formiga tem uma ideia geral da localização da sua casa, mas não pode prever todos os obstáculos espalhados pelo caminho. Tem de adaptar repetidamente o seu percurso às dificuldades que encontra, e muitas vezes precisa de contornar barreiras inultrapassáveis. Os seus horizontes são estreitos, o que a obriga a considerar cada obstáculo conforme lhe aparece; experimenta caminhos através ou à volta dele, sem pensar muito nos obstáculos futuros. É fácil apanhá-la em desvios complicados.
Como figura geométrica, o trajecto da formiga é irregular, complexo, difícil de descrever. Mas esta complexidade pertence realmente à superfície da praia, e não à formiga. Nessa mesma praia outro pequeno animal que tivesse a sua casa no mesmo sítio que a formiga, poderia muito bem seguir um caminho muito semelhante.
Herbert A. Simon, As Ciências do Artificial,
(«The Sciences of the Artificial», 1969),
Trad. Luís Moniz Pereira, Arménio Amado Ed.,
Colecção Studium, nº 95, Coimbra, 1981, pp. 103-4.
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