Ainda a rainha depois de morta
Arranca corações, esse punho cruel
que vem fustigando a história
dos amantes e chega até aos púlpitos, tronos,
e matérias de arte.
Na pedra burilada, os anjos muito agudos
pecam por desvelo.
Nas naves ressoa o bramar enroaldo em raiva
da realeza sepulta:
eu amei-a viva, vocês venerem-na morta.
Foi um punho cruel.
Talvez houvesse um sexo absoluto em tanto movimento
de ouro, brocado,
soluços ébrios de temor ou de outra natureza
mais embevecida.
A história neste caso é sedutora:
traz o poder ao sol de uns seios, à luz de uma vagina,
abre a flor dos sentidos, desfeita
a golpes de espada,
de traição.
Aqui neste frio erguido ao redor das naves
a matéria humana
que percorre viva a tarde histórica
tem pressa de fugir
ao pesadelo:
o amor não mata, ninguém o assassina,
é ele e só ele que se expõe
já morto.
Resumo — a poesia em 2012, poemas
escolhidos por Armando Silva Carvalho,
José Alberto Oliveira, Luís Miguel Queirós,
Manuel de Freitas, ed. Documenta,
15 anos fnac, Lisboa, 2013, p.58
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