junho 25, 2013

Bergson


«É verdade que, quando se fala da pequenez do homem e da grandeza do universo, é na complicação deste que se pensa tanto como na sua dimensão. Uma pessoa produz o efeito de ser simples; o mundo material é de uma complexidade que desafia qualquer imaginação: a mais pequena parcela visível é já em si mesma um mundo. [ ]

Quando nos encontramos perante partes cuja enumeração prossegue sem fim, é possível que o todo seja simples [ ]. Leve o leitor a mão de um ponto para outro: é para si, que o percebe de dentro, um gesto indivisível. Mas eu, que o percebo de fora, e que fixo a minha atenção na linha percorrida, digo-me que o gesto teve de começar por transpor a primeira metado do intervalo, depois a metade da outra metade, depois a metade do que resta, e assim sucessivamente: poderia continuar durante biliões de séculos, nunca chegaria ao fim da enumeração dos actos nos quais se decompõe aos meus olhos o movimento que o leitor sente indivisível.

É verdade que os actos infinitamente numerosos em que decompomos um gesto de mão são puramente virtuais, determinados necessariamente na sua virtualidade pela a actualidade do gesto, enquanto as partes constitutivas do universo, e as partes dessas partes, são realidades: [ ].

Por isso, não pretendemos que a relação do complexo com o simples seja a mesma nos dois casos. Só quisemos mostrar por meio desta aproximação que a complicação, ainda que sem limites, não é sinal de importância, e que uma existência simples pode exigir condições cujo encadeamento é sem fim.»


Henri Bergson, As duas fontes da moral e da religião,
(«Les deux sources de la morale et de la religion», 1939),
Trad. Miguel Serras Pereira, Lisboa, Almedina, 2005 p.217-8.


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